segunda-feira, 30 de junho de 2008

A crise zimbabwana prossegue dentro de momentos


Felizmente já corrigidas, foram muito estranhas e difíceis de entender as declarações atribuídas em Harare ao Ministro da Juventude e Desportos, Marcos Barrica, na sua condição de chefe da missão de observadores da SADC ao que deveria ser a segunda volta das eleições presidenciais naquele país da nossa região. As declarações foram feitas dois dias antes da realização da escandalosa “reviravolta”.
Barrica disse que Robert Mugabe deveria ser “magnânimo” com Morgan Tsivangarai caso vencesse as eleições presidenciais que tiveram lugar contra tudo e todos, diante de um dos maiores coros de protesto da comunidade internacional já registados contra a utilização das urnas para legitimar uma ditadura.
Antes mais é bom que se diga, que há muito Mugabe já tinha deixado de liderar um regime genuinamente democrático, respeitador dos direitos humanos e pacifico, embora mantivesse a legitimidade do voto maioritário dos zimbabwanos, sabe-se lá a que preço.
A utilização de fanáticos milicianos com toda a sua violência homicida fala bem da natureza do regime de Mugabe que se tornou incompatível com o mínimo dos mínimos em matéria de respeito pelos direitos fundamentais dos cidadãos.
No Zimbabwe deixou de haver as mais elementares garantias de um estado que se pretende democrático e de direito, tendo o reverencial direito à vida sido o primeiro a ser posto em causa. As estatísticas da violência política provenientes daquele país falam bem dessa triste realidade.
Mesmo assim e apesar de todo este clima de terrorismo de estado, este ano o voto maioritário a favor de Mugabe deixou de existir, a ter em conta os resultados das legislativas e da primeira e única volta válida das presidenciais, com todas as manipulações que se conhecem.
Claramente Mugabe e o seu partido miliciano (ZANU-Fp) perderam as eleições diante de Morgan Tshivangarai e o seu pacífico Movimento para a Mudança Democrática (MDC).
Esta é a grande verdade política do Zimbabwe que Mugabe quer agora abafar com a realização da segunda volta das eleições presidenciais.
Esta é a nova situação política criada no Zimbabwe, independentemente de tudo quanto os analistas possam dizer em relação ao que se passa naquele país e particularmente no tocante às origens da profunda crise em que mergulhou o nosso vizinho distante.
Com muitas culpas no cartório, os britânicos não podem, contudo, ser responsabilizados pela falta de perícia e o excesso de truculência de Mugabe, que mesmo tendo nas mãos a arma de uma “popular” reforma agrária, foi manifestamente incapaz de a capitalizar politicamente. O desastre foi ainda maior. A emenda foi pior que o soneto.
Nelson Mandela foi nos últimos dias o “analista” que mais objectivamente identificou as causas da tragédia zimbabwana ao considerar que mesma tem a ver com a qualidade da actual liderança de Mugabe.
Por outras palavras e se nos fosse permitido ler o pensamento de Mandela, diríamos que o veterano combatente da luta anti-apartheid quis dizer que Mugabe é um alto funcionário do estado que, em obediência ao principio de Peter, já atingiu o seu “nível de incompetência”. Como se sabe a partir desse nível nada mais acontece. Fica tudo como está.
Como é evidente, Mugabe, com mais este passo em direcção ao abismo, só vai conseguir aumentar o sofrimento do seu povo, aprofundar a desestabilização da situação sócio-económica interna e agravar o seu isolamento internacional que já era um facto e africano que passou a ser um dado adquirido a partir desta semana.

quarta-feira, 25 de junho de 2008

Imprensa pública versus imprensa privada (1)


Não há nada de substancial no nosso ordenamento jurídico que estabeleça qualquer diferença relevante em matéria de direitos, deveres e responsabilidades entre a imprensa pública e a privada.
Muito menos existe esta diferença no que diz respeito ao tratamento pela imprensa dos diferentes agentes eleitorais, com destaque para os partidos políticos.
Por outras palavras dir-se-ia que estamos diante de uma falsa questão, se a realidade dos factos não nos desmentisse e aconselhasse a olhar para o nosso país com outras cautelas, porque efectivamente Angola ainda não é o país onde o de jure coincide com o de facto.
A nova lei de imprensa aprovada exactamente há dois anos em nenhum momento do seu articulado considera a existência de uma imprensa pública e de uma outra privada, estabelecendo responsabilidades distintas, enquanto se aguarda pela aprovação do diploma especifico que irá regulamentar a existência de um serviço publico de informação.
Seria em sede deste regulamento que deveria ser submetido a consulta pública que o Estado, através do Governo, deveria assumir um conjunto de comprometimentos mais específicos no quadro da gestão da comunicação social.
Quanto a mim o mais importante deles tem a ver com a necessidade de se estabelecerem mecanismos de gestão e acompanhamento editorial que garantam efectivamente a qualidade de um produto jornalístico democrático de acordo com as expectativas de toda a sociedade.
Estes mecanismos passariam pela definição de um modelo plural de administração com base em mandatos definidos e com uma componente que ultrapassasse as simples preocupações de gestão empresarial corrente.
Já há várias experiências, por este mudo afora, deste tipo de modelo de gestão da comunicação social pública, normalmente assente em Conselhos de Administração abrangentes do ponto de vista da realidade política e social de cada país.
É nosso entendimento que, com base nos nossos pressupostos legais, não é permitida a imprensa pública e privada tomar partido por nenhum dos concorrentes ou candidatos.
Será discutível aqui esta interpretação se a matéria em apreciação forem os chamados artigos de opinião devidamente assinados pelo seu autor, pois a Lei de Imprensa exime as direcções dos órgãos de qualquer responsabilidade em relação ao seu conteúdo. Não nos parece que nesta categoria possam ser incluídos os editoriais, que são sempre o espelho directo do pensamento da direcção do órgão que os publica.
Escrevemos muito recentemente que as eleições em todo o mundo são palco para muita coisa, para muitas jogadas. Menos limpas ou mais sujas. Veja-se o duelo Clinton/Obama no território do campeão da democracia. Angola não será certamente a excepção. Não o foi em 1992, não o será agora. O que se recomenda para o “paciente angolano” é que, tendo em conta o seu estado de recuperação, se observem algumas cautelas na administração das inevitáveis doses de propaganda e desinformação e não se ultrapassem alguns limites mais críticos que podem pôr em causa a própria coesão nacional.
Toda a liberdade de imprensa de que já desfrutamos não nos pode fazer esquecer que as eleições são antes de mais um período para os partidos e os candidatos discutirem e apresentarem as suas propostas de como fazer um país melhor.
Este o grande objectivo de qualquer processo eleitoral que os jornalistas não devem nem podem ignorar, até porque os eleitores querem de facto saber como os problemas existentes vão ser resolvidos para votarem na proposta que acharem mais exequível

O estado, o monopólio e a concorrência



À semelhança do que existe noutros sectores da economia, também na comunicação social, o Estado, através de um conjunto de empresas públicas, é o grande patrão e o principal empregador do ramo, não tendo o panorama conhecido uma alteração substancial em relação ao passado monolítico.
A tendência desta presença está longe de apontar para o recuo de uma posição que é absolutamente dominante, contrariando de algum modo o espírito do principio da nossa lei que tem a ver com a proibição do monopólio.
De acordo com este postulado é proibida a concentração de empresas ou órgãos de comunicação social, numa única entidade, de modo a constituir monopólio ou oligopólio, pondo em causa a isenção e o pluralismo da informação e a sã concorrência.
Temos de convir, que o Estado, ao controlar as principais empresas que actuam no mercado mediático angolano, da imprensa à televisão, passando pelas agências de notícias e estendendo-se até à própria publicidade, tem de facto um domínio que lhe permite pôr em causa a isenção e o pluralismo
e atrapalhar a sã concorrência.
Mesmo sabendo-se que não é esta a sua intenção, ninguém é tão ingénuo ao ponto de acreditar que o Governo, que é controlado pelo MPLA, algum dia vai permitir que a comunicação social estatal se afaste da sua estratégia ao ponto de, por exemplo, tratar em pé de igualdade todos os partidos políticos e os diferentes actores sociais. Tratamento igual não é exactamente o mesmo que tratamento igualitário, pois qualquer critério editorial, por mais questionável que seja, tem sempre em conta a importância dos factos e dos protagonistas, que permite depois ao editor proceder a outros acertos na colocação da informação já transformada em peça jornalística.
Esta posição dominante e monopolista do Estado já foi, entretanto, teoricamente ultrapassada com as aberturas permitidas pela actual lei a entrada de operadores privados no território de todos os médias.
Apesar desta evolução significar a quebra dos anteriores monopólios, ainda não quer dizer muito mais em termos de concorrência efectiva, com algumas excepções.
Por exemplo em Luanda, ao nível da radiodifusão, já existe uma efectiva concorrência entre os diferentes canais que transmitem para os ouvintes da capital, que por sinal é só a principal praça eleitoral do país com cerca de 30% do eleitorado registado. Esta concorrência existe porque são canais com estratégias editoriais distintas, garantindo deste modo a necessária “verdade desportiva”.
É urgente que esta concorrência se estenda ao audiovisual, com a consequente aprovação da Lei de Televisão que, ao que parece, está finalmente a caminho do Conselho de Ministros.
Uma vez mais temos que lamentar o facto da actual Lei de Imprensa, dois anos depois da mesma ter sido aprovada, continuar intacta em matéria de regulamentação, pois até ao momento não foi aprovado um único dos diplomas previstos. E eles, como se sabe, são mais do que muitos.

Institucionalizar o diálogo com a imprensa privada


O Ministério da Comunicação Social (MCS) realizou recentemente a sua jornada anual de trabalho e reflexão com os ingredientes habituais que já fazem parte desta movimentação institucional.
O Governo, refira-se, é particularmente atento ao fenómeno mediático por razões relacionadas com a estratégia de poder, que tem a ver com a sua sobrevivência política e a preservação da sua imagem.
Imagem, note-se, não é exactamente aquilo que somos, mas é o que pretendemos que as pessoas acreditem que realmente somos ou que podemos vir a ser.
Uma vez mais, aqui estamos a clamar no deserto, para dizer que um destes ingredientes, que tarda em ser considerado habitual, é o diálogo construtivo com a comunicação social privada e com as associações de jornalistas que deveria de facto e de jure ser institucionalizado no quadro desta consulta anual que o MCS leva a cabo por ocasião do seu aniversário.
É um diálogo absolutamente necessário até por força da actual lei de imprensa que, em termos de deveres e direitos, não estabelece qualquer diferença entre a comunicação social pública e privada.
Elogiámos aqui, no seu arranque, o actual consulado de Manuel Rabelais (MR) por ter sabido, rapidamente, inverter a anterior orientação do MCS, numa altura em que o ministério que tinha herdado, era apenas da comunicação social estatal/governamental. Mais grave do isso, era um ministério que hostilizava abertamente a imprensa privada e estimulava a repressão com o seu silêncio.
A gestão do antecessor de MR decorreu numa apertada conjuntura politico-militar que também não lhe permitiu um outro jogo de cintura mais arejado, embora este condicionamento não lhe retire, de todo, a responsabilidade política dos ombros.
É nosso entendimento que quando não se está de acordo e não se tem possibilidades de alterar a situação, a melhor solução é a demissão. De outra forma, não temos como nos demarcar da conjuntura. Estamos com ela. Afundamo-nos com ela.
Este ano, sentimos particularmente a necessidade do diálogo do MCS com o sector privado, depois de ter sido dado a conhecer que já estava elaborado o projecto de diploma que vai regulamentar os incentivos de apoio à comunicação social.
Fazia pois todo o sentido que o projecto fosse dado a conhecer a todos, embora nos tenham dito que o mesmo foi o resultado de consultas preliminares e abrangentes.
Seja como for e enquanto o MCS se mantiver no nosso ordenamento institucional governamental, iremos continuar a defender uma maior abrangência do seu relacionamento com todos os protagonistas do sector em nome do espírito da concertação social que o Governo já adoptou ao mais alto nível.
Um relacionamento que deve, entretanto, possuir balizas próprias de orientação e pernas sólidas para se movimentar com alguma determinação, para além da resolução de questões pontuais relacionadas com necessidades e carências.
De outra forma, será mais um “show-off”, dos muitos que andam por aí, sem grande utilidade, nem sustentabilidade. Mais um descartável.