quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Barack Obama: A vitória retumbante de mais um candidato atípico

1-Em Outubro do ano passado estive em Washington. Numa das crónicas que enviei de lá escrevi, nomeadamente: “Da próxima vez que me deslocar até estas bandas George Bush já não deverá ser o Presidente, podendo muito bem no seu lugar estar uma mulher (Hillary Clinton) ou um afro-americano (Barrack Obama). As duas hipóteses são absolutamente inéditas na história deste país, a projectar desde já uma realidade política que assusta certamente os conservadores norte-americanos da direita, do centro e da esquerda. Em abono da verdade já não sei o que é que assusta mais estes conservadores, se é serem governados por uma mulher totalmente loira ou se é terem um presidente parcialmente negro”. 2-Cerca de um ano depois Barrack Obama deixou totalmente a mulher loira pelo caminho de uma super-disputada e renhida campanha interna e é agora o candidato dos democratas às próximas eleições presidenciais norte-americanas previstas para Novembro. Quem diria? Os escravocratas da América profunda (que ainda existem e são mais do que muitos) não devem estar a acreditar nem nos seus olhos, nem nos seus ouvidos. É um verdadeiro pesadelo! Por outras palavras o mundo prepara-se para encarar os Estados Unidos a serem governados proximamente por um “black”eloquente, o que ainda está longe de ser um facto consumado, pesem embora os largos milhares de quilómetros e de discursos já percorridos por Obama em direcção a Washington DC. É difícil fazer uma previsão certeira, mas agora já só há mesmo duas hipóteses. Ou MacCain ou Obama. Que vença o melhor que é certamente o nosso candidato. É nosso não pela cor da pele, que é igual à nossa, mas pelo brilho das ideias e pelo fulgor dos argumentos, embora também saibamos que as promessas de mudança da campanha, sobretudo em matéria de política externa, podem não passar disso mesmo, caso ele venha a ser o próximo inquilino da Casa Branca. Campanha e governação são momentos distintos na vida de um político que quer chegar ao poder. Só mesmo quando ele lá chega é que é possível tirar a prova dos noves em relação à sua coerência e consistência. Vamos pois ter de esperar mais algum tempo. 3-Irving Wallace no seu romance “O Homem” descreveu uma situação em que pela primeira vez os Estados Unidos eram governados por um negro. Dá para voltar a ler este livro, numa altura em que a realidade está prestes a ultrapassar a ficção. No seu famoso best-seller Wallace imaginou, nos anos 60, a chegada do primeiro negro (Douglas Dilman) ao poder nos Estados Unidos como resultado de uma fatalidade, isto é, na sequência da inesperada morte do Presidente eleito. Agora Obama pode chegar ao poder como resultado da eleição por uma população que é maioritariamente branca e conservadora. De centro-direita, como diz Maccain. Nesta altura e independentemente do resultado que possa vir a obter no embate final que se avizinha, Obama já ganhou. A vitória de Obama é também sobre todos aqueles que, entre nós, continuam a pensar que a humanidade ainda se movimenta de acordo com os seus preconceitos, ódios e recalcamentos sendo tudo o resto tido como “atípico”. Acontece que os “atípicos” são cada vez em maior número a pôr em causa “teorias” e “teses” que já não são capazes de convencer ninguém, para além dos seus autores e dos seus mais fiéis seguidores. O ano passado, Obama disse uma coisa que me sensibilizou particularmente e que em muito terá contribuído para o seu extraordinário sucesso político. Ele afirmou que se não ganhasse as eleições não seria por ser negro ou pelo facto dos Estados Unidos ainda não estarem preparados para terem um não- branco na Casa Branca. O seu fracasso teria como explicação, sustentou, apenas o facto dele não ter sido capaz de convencer os norte-americanos com argumentos racionais a votarem nele. Apenas isso. Obama já convenceu os democratas que são milhões. Agora falta convencer os outros milhões numa estranha eleição onde nem sempre ganha aquele que tem mais votos populares. A actual desgraça do mundo, que resultou da eleição de George Bush frente ao ecologista Al Gore, ficou a dever-se a este sistema, que para nós tem qualquer coisa de absurdo e surrealista.

sábado, 23 de agosto de 2008

Em nome do equilibrio-Votem no consenso!

Honestamente acredito que o futuro político de Angola, tendo em vista a salvaguarda de todos os interesses que coabitam no nosso extenso e diversificado quadrado geográfico, estará melhor servido por um cenário de equilíbrio partidário, mesmo que ele repouse numa Assembleia Legislativa claramente bipolarizada. Nos seus mais de trinta anos de independência Angola viveu sempre em regime político controlado por apenas uma força política, mesmo com todas as nuances cosméticas que se conhecem da Segunda República com o seu patético GURN. Penso que é altura dos angolanos experimentarem um regime mais aberto do ponto de vista do compromisso efectivo e do diálogo político consistente entre os seus protagonistas que não permita que nenhum dos partidos possa sozinho tomar as grandes decisões nacionais. Esta necessidade faz todo o sentido num país que em abono da verdade ainda não se democratizou de um ponto de vista mais estrutural e mesmo psicológico o que é extensivo tanto às instituições como às pessoas. Entre nós sei que os adeptos do regime de maioria absoluta são mais do que muitos, a maior parte dos quais, será mais por opção epidérmica (emocional) do que racional, se me permitirem meter esta foice em seara alheia. Alguns destes defensores acham que só é possível governar com eficácia, sem ter que depender do consenso com as restantes forças políticas.Acredito que é muito mais fácil governar assim. Mas é também mais fácil desgovernar e cometer toda a sorte de atropelos a lei e de abusos do poder, “produtos” que são bem conhecidos dos angolanos

O meu programa (católico) de Governo- Votem nele!

"As acções de efeitos mais dilatados no tempo – educação, habitação e serviços comunitários – mereceram apenas 4% do PIB (4,6% em 2006), em termos de alocação de verbas orçamentais. Não obstante todas as movimentações registadas, uma solução mais duradoura só pode ser dada pela aliança entre crescimento económico e boas políticas de distribuição do rendimento, para lá das clássicas, a montante ou a jusante. Por isso mesmo é que a Universidade Católica tem insistido na necessidade de políticas mais inclusivas e de maior envolvimento e responsabilização social para a mitigação das situações de injustiça. O Relatório Económico volta a sugerir um conjunto de acções de inclusão social que o Governo poderia pôr em prática: *atribuição generalizada de bolsas de estudo aos estudantes do ensino primário, para que o quantitativo de crianças fora do sistema escolar continue a diminuir e se consiga, no futuro, gerações de força de trabalho competentes; *generalização da merenda escolar, melhorando, qualitativamente, o seu conteúdo proteico e energético; esta é uma forma indirecta de aumentar o rendimento disponível das famílias mais pobres; *aumento do valor unitário das reformas e das pensões; *distribuição duma cesta básica de alimentos às famílias mais pobres, o que aumentará o seu rendimento disponível para aplicá-lo noutras áreas valorizadoras do seu trabalho na sociedade; *levar a efeito um programa extenso de construção de habitação social condigna e ajustada aos padrões culturais médios da população; *promoção dum programa de construção habitacional de custo mais democrático para defesa da classe média, em riscos de pauperização; *aprofundamento, intensificação e generalização dos programas de formação e reciclagem profissional; *criação dum Observatório sobre a Pobreza em Angola, através do qual se possa monitorar o comportamento do fenómeno e actuar em conformidade". In Relatório Económico de Angola 2007 do Centro de Estudos e Investigação Científica (CEIC) da Universidade Católica de Angola (UCAN)

Os que perderem não se desesperem... Os que ganharem não se esqueçam das promessas...

1-Após mais de 16 anos desde que pouco mais de 4 milhões de angolanos participaram pela primeira vez num pleito eleitoral que deu uma zebra daquelas, a partir deste sábado dia 23 de Agosto apenas 13 dias nos separam da realização das segundas eleições legislativas, cerca de 33 anos depois do país ter ascendido à sua independência. Estes números que não resultam de nenhum estudo, nem de nenhum inquérito sobre bem ou mal-estar da população, falam, contudo, e em profundidade, muito bem (mal) de um país que é o nosso. Traçam o seu retrato fiel em breves mas muito dramáticas pinceladas que marcaram o seu quotidiano a ferro, fogo, destruição dos bens públicos, repressão política, falta de liberdade de imprensa, empobrecimento forçado da população, corrupção generalizada, enriquecimento súbito e ilícito de uma minoria, desgovernação, opacidade, abusos do poder e violações sistemáticas dos direitos humanos. Estamos a falar de um país que em 1975 desistiu da realização daquelas que deveriam ter sido as primeiras eleições democráticas da sua história (embora circunscritas a três partidos fortemente militarizados por força de um acordo com a potencia colonial), tendo optado pela violência como solução para resolver as diferenças entre as lideranças que tinham emergido de uma atabalhoada guerra de libertação nacional, que seria salva em Lisboa pelo Movimento dos Capitães de Abril. Eu sei que o meu amigo Kiambata não gosta muito de ouvir estas “dikas”, relacionadas com o impacto do 25 de Abril, mas de facto, não sei como contar a história de outra maneira, depois de ter ouvido todas as outras “estórias” que me foram sendo contadas aqui e acolá, enquanto aguardo, com bastante expectativa, por uma oportunidade para ler a história oficial do MPLA (até 1975) que acaba de ser publicada. Tudo o que de errado se passou por aqui começou exactamente naquele ano de 1975, quando os angolanos em vez de votarem no seu futuro foram conduzidos, pelas suas lideranças pouco esclarecidas da época, a uma guerra fratricida. 2-Estamos em 2008 em condições substancialmente diferentes quer de 1975 quer de 1992, embora alguns traços do passado se mantenham firmes no presente a ameaçar seriamente o futuro após o 5 de Setembro. Entre estas diferenças, a maior delas, aquela que nos deixa dormir mais tranquilamente é certamente a existência de apenas um exército nacional apartidário e republicano. Lamentavelmente, em Cabinda as coisas ainda não estão como deveriam estar, mais de dois anos após a “rendição” de Bento Bembe e dos seus correligionários, pois continuamos a receber comunicados de guerra nos nossos e-mails, com mortes e feridos a desfilarem por entre informações difíceis de confirmar no terreno dos alegados confrontos. O exército do crime violento tem estado a crescer e a reforçar-se, diante do pouco sucesso que as “discursivas” políticas de combate à pobreza têm exibido na base, isto é, junto das comunidades e dos guettos. Esta “performance” levou os investigadores da Universidade Católica a voltarem este ano, no seu relatório anual sobre a economia angolana, a aconselharem (pela segunda vez) o Governo a distribuir de forma mais directa o rendimento nacional, com a adopção, nomeadamente, do modelo brasileiro da cesta básica gratuita para as famílias mais carentes. Agradecemos é que não confundam, como já fez um diplomata angolano baseado em Nova-Yorque, esta cesta básica com aquela que é vendida nos supermercados do perdulário “regime” do PRESILD. Este “regime” logístico faria todo o sentido se de facto se concentrasse no apoio à produção nacional, aos agricultores e camponeses com a movimentação dos seus meios rolantes, fixos e financeiros por esta Angola adentro à procura de todos os tomates, batatas e abacaxis que andam por lá a apodrecer. A produção de alimentos em Angola bem precisa deste apoio imediato pela via da comercialização. Não é nenhum favor que o Governo presta a economia real, se de facto tivermos o mesmo entendimento sobre o conceito da sustentabilidade na economia. Milhões e milhões já saíram dos cofres públicos em direcção a projectos que resultaram em nada, tendo o resto sobrado para os bolsos particulares de sempre que de tão abarrotados, já não sabem o que fazer com tanto dinheiro acumulado. 3-Mas voltemos ao que interessa, quando apenas 13 dias nos separam do dia D. Garantidas que estão as condições básicas para que o pleito eleitoral decorra sem os anteriores sobressaltos, interessa-nos que os angolanos após os trinta dias de campanha votem em (sã) consciência, o que vai certamente acontecer, com as inevitáveis margens de erro que qualquer processo deste tipo carrega. Desgraçadamente e por força de um analfabetismo herdado dos “cinco séculos”, que os mais de trinta anos de dipanda ainda não conseguiram erradicar, a população angolana continua a não ser muito famosa em disciplinas como a escrita e a leitura. Trata-se de uma limitação que vai pesar na hora do voto, na hora de colocar o X ou o V na bandeira. Interessa-nos que os angolanos vejam que este processo, pelas suas particularidades históricas, antes de ser um ajuste de contas com o nosso adversário político mais directo, é sobretudo um reencontro da própria nação consigo mesma, após tanta kanvuanza. Um reencontro que a ser bem sucedido, independentemente dos resultados, vai permitir que os angolanos a partir de agora ganhem confiança em si próprios, nas instituições e nas lideranças. Uma confiança absolutamente necessária, porque estas serão apenas as primeiras eleições de um novo e virtuoso ciclo que vai contar com mais eleições, com muitas mais eleições. Vai haver tantas eleições de agora em diante que mesmo aquela malta do cachecol, do boné e da bandeirinha que gosta mais de votar vai ficar cansada. Os que apenas ganharem juízo nestas eleições não desesperem nem percam a esperança de voltarem dentro de quatro anos, porque o sistema permite que tal aconteça sem qualquer tipo de batotas. Isto quer dizer, que em democracia não há derrotados em definitivo. Veja-se o caso do actual Presidente brasileiro, Lula da Silva, que só ganhou à quarta tentativa, sendo neste momento um dos Chefe de Estado mais populares que já governou aquele gigante latino-americano. Os que ganharem não se esqueçam que mesmo as maiorias absolutas não são varinhas mágicas para governar com sucesso e apoio popular garantido sem outras reservas. Não se esqueçam igualmente que ganharam apenas para governar quatro anos e para cumprir as promessas milionárias que andaram a fazer durante a campanha. Veja-se o caso do Engenheiro Sócrates e do seu governo maioritário acossado por constantes manifestações públicas de descontentamento em relação ao seu desempenho neo-liberal, com dezenas de milhares nas ruas chamando-lhe nomes muito pouco simpáticos. A uns e outros, os vencedores e perdedores do próximo dia 5 de Setembro, queremos desejar muito juízo que é o que tem faltado a este país. Mas o grande problema destas eleições é se houver mesmo um empate técnico, que ainda é um cenário perfeitamente admissível nesta altura. Aí é que a porca vai torcer o rabo…

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Komba pelo meu Kinaxixe

Estive fora de Luanda por cerca de 15 dias. Foi o tempo suficiente para me apunhalarem pelas costas. No meu regresso à Banda a primeira notícia que recebi foi-me dada por uma das minhas filhas mais novas, a Xita, que parece ter herdado de alguém que lhe é muito próximo o faro para as novidades. Papá, disse-me, vão começar as obras no Kinaxixe, local que ela conhece muito bem, embora seja como eu uma autóctone da Vila-Alice (VA). Aliás, ela é mais da Vila do que eu, pois eu sou originário da Maianga onde nasci e vivi os primeiros cinco anos da minha infância antes de me transferir para a Rua Alda Lara do glorioso bairro Kuba, uma das trincheiras mais firmes da resistência anti-colonial localizada na parte meridional da VA, tendo como fronteira a Estrada de Catete. A notícia que a Xita me estava a dar tinha a ver, obviamente, com o inicio da destruição do Mercado do Kinaxixe, seis anos depois do processo ter arrancado como mais uma crónica de uma morte anunciada e de ter provocado um dos maiores dos sururus políticos da segunda República. Na sequência deste desenvolvimento foi criada em 2002 uma das raras Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI) que a nossa Assembleia Nacional produziu ao longo de 16 anos de um prolongadíssimo e super-governamentalizado mandato que vai certamente entrar, como um “case-study”, para a história das democracias parlamentares multipartidárias. A outra Comissão Parlamentar de Inquérito criada pela Assembleia Nacional eleita em 1992 foi para apurar a violência étnica que se abateu em 1993 sobre os bakongos na cidade de Luanda. O trágico episódio ficou tristemente conhecido por “Sexta-feira sangrenta”, tendo a CPI criada para averiguar o criminoso ataque, resultado de uma iniciativa que teve muito a ver com o dinamismo do malogrado deputado do PDP-ANA, Mfulumpinga Landu Victor. Se estivesse vivo, Mfulumpinga seria sem dúvidas um das grandes estrelas da actual campanha eleitoral, que pela sua mornez, de facto está a precisar de alguém com o “fenotipo” do assassinado político. Convenhamos que num país com as características de Angola, onde a falta de transparência das instituições oficiais é uma das grandes preocupações da sociedade no seu conjunto, o surgimento de apenas duas comissões parlamentares de inquérito para um mandato de 16 anos é de facto muito pouca “fruta”. Muito pouca “fruta” que traduz bem o fraco desempenho da função fiscalizadora da Assembleia Nacional, que, efectivamente, andou esses anos todos a reboque das encomendas legislativas do Executivo, sem grande espaço de manobra para assumir devidamente as outras vertentes do seu poder. Pelo que julgamos saber a CPI que se debruçou sobre o dossier Mercado do Kinaxixe apenas terá caucionado a gestão privada daquela instalação, com a sua recuperação e modernização, sem nunca ter dado luz verde à destruição daquele património que acabou por acontecer seis anos depois. Este assunto merece certamente alguma investigação para se apurar o que realmente a CPI do Kinaxixe recomendou no final do seu atribulado mandato. O Kinaxixe desapareceu assim da nossa paisagem urbana e histórica por força de um camartelo cego que continua a ter demasiado poder para ser parado por quem quer que seja neste país. No seu lugar e enquanto não se erguem as torres da ganância, da ostentação e da ignorância típicas do novo-riquismo que anda por aí furioso e à solta, ficou um imenso vazio que nos asfixia a alma e nos deixa profundamente tristes com a perda de mais um emblemático local da nossa memória. Para quem como eu cresceu passando todos os domingos por aquele mercado em direcção a classe central da Igreja Metodista, não é fácil aceitar um tamanho atentado contra o património da nossa cidade. Não estamos, obviamente, contra o surgimento dos shoppings nem dos arranha-céus, mas não podemos aceitar que eles nasçam destruindo tudo quanto é história e memória desta cidade, num país, onde o que mais existe é espaço de sobra o desenvolvimento de novas urbanizações, para a edificação de novas cidades. Como não estamos de acordo com este “assalto” que já é uma tendência sólida em termos de gestão do espaço urbano luandense, a influenciar os decisores do poder político cada vez mais permeáveis a este tipo de “sedução”, tendo em conta as suas contrapartidas, só nos resta fazer aqui o nosso komba pelo Kinaxixe. Com o passar dos anos, no fundo da minha ingenuidade, ainda cheguei a acreditar que o mercado seria poupado. Ainda cheguei a acreditar que todos aqueles que se ergueram contra o Projecto Baía, teriam agora razões muito mais sólidas para lavrarem em público o seu protesto. Com raríssimas excepções, só ouvi o seu silêncio. Com esta demissão colectiva da sociedade civil angolana, a especulação imobiliária e o camartelo receberam mais uma forte mensagem de encorajamento.

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Nós, os contínuos do Sr. Keyrós

Sim, somos nós mesmos, os contínuos ou os rapazes, como eles também gostavam (e continuam a gostar) de nos chamar, que fomos entrando a conta-gotas e escurecendo progressivamente as redacções que, entretanto, iam ficando desertas, porque eles, os “senhores jornalistas”, tinham decidido regressar à procedência. Isto aconteceu há mais de 30 anos quando tudo isto começou a mudar e eles, os “senhores jornalistas”, também começaram a fazer as malas e os caixotes para bazar, porque começaram a ficar com medo do caos que vinha das matas na ponta dos fuzis libertadores dos manos kambutas. Os primeiros, a maioria, foram antes da dipanda transformados em coléricos retornados. Os outros que foram pouco tempo depois, antes do 27 de 77, travestidos já em vítimas de uma suposta revolução traída, acabaram por seguir o mesmo caminho de regresso ou de ruptura com uma Angola que tinha deixado de ser aquela com a qual tinham sonhando quando fizeram a quarta classe no Negaje. Um deles, que é proveniente não se sabe bem de que santa terrinha que até hoje esconde na sua biografia, tem-se destacado nos últimos tempos com a publicação no oficioso matutino de textos patéticos onde tenta vender aos seus novos patrões, sabe-se lá a que preço, a imagem de uma angolanidade reforçada com propósitos evidentes no âmbito dos seus conhecidos malabarismos. Todos, como é evidente, tinham o direito de regressar ou de ir procurar noutras paragens do continente, como no paraísos do apartheid mais sul do rio Cunene, a estabilidade e a segurança que de facto e de jure começava a faltar por estas bandas onde a liberdade, a revolução e a guerra civil com uma forte componente externa, assentaram arraiais e fizeram as “pazes”. Não se veja, por conseguinte, nestas linhas passadistas qualquer crítica ou reparo menos positivo a quem decidiu naquela época partir à procura do que começava a faltar por aqui. O resto da história que só terminou em 2002 já toda a gente conhece, pois foi contada dia após dia nos jornais, nas rádios e nas televisões pelos contínuos e os rapazes que ficaram e aqui continuam até hoje. O direito de viver onde bem entendermos ou de procurarmos refugio/asilo onde for possível (e nos for concedido) já faz parte da cartilha universal dos direitos humanos, com todas as excepções que conhecemos por este mundo afora. Não criticamos, pois, ninguém que partiu ou que foi desta para melhor, mas já não podemos aceitar, de forma alguma, que sejamos condenados por termos ficado na nossa própria terra e por termos abraçado o jornalismo como profissão, sem termos que pedir a autorização aos “senhores” que se foram embora. Mais difícil de aturar, é que um destes antigos retornados que tem agora o estatuto de regressado, nos venha aqui, mais de 30 anos depois, insultar ou tentar diminuir, com inconsistentes, inverídicas e desonestas referências que têm a agravante de serem profundamente racistas, considerando o valor que (não) era dado a figura do contínuo no dicionário colonial. Afinal de contas, onde é que está o grande fracasso humano do contínuo para ser tão subestimado e achincalhado como acaba de ser, de forma algo contraditória, na “história de grande sucesso” dada a estampa pelo Jornal de Angola? Em nome da dignidade de uma classe que nasceu do nada, a partir de voluntariosos jovens angolanos, que não tinham licenciaturas da Sorbonne, mas que tinham muita vontade de aprender a escrever um país diferente, aqui estamos, 30 anos depois, no mesmo sítio, nas mesmas redacções que os “senhores jornalistas” abandonaram convencidos na altura que os contínuos ou os rapazes jamais conseguiriam substituí-los. Das nossas redacções saiu, entretanto, muito boa gente, muito bom contínuo, muito bom rapaz, que hoje dirige este país ao mais alto nível da sua hierarquia. Do poder político ao poder económico. Se os contínuos ou os rapazes da época substituíram bem os “senhores jornalistas” do passado, é uma questão para ser discutida noutra altura, com algumas certezas antecipadas, com base nos percursos que os tais “senhores” seguiram no seu regresso, onde hoje nem sequer são considerados cadáveres. Deixaram pura e simplesmente de existir como referências. Agora que os contínuos e os rapazes os substituíram de facto, de jure e definitivamente já não há qualquer dúvida, sendo o jornalismo angolano que se faz actualmente nos “pasquins”, nos “megafones” ou nos “carros de fumo” a melhor prova desta inequívoca realidade que só nos pode orgulhar. Em nome da dignidade desta classe, aqui estamos para recusar, uma vez mais, lições de pacotilha de esclerosados “professores” que passam a vida a blasfemar dando toda a razão ao que o Zidane fez no Mundial da Alemanha. Transformar uma inocente vírgula (mal) colocada entre o sujeito e o predicado, no pecado maior do jornalismo mundial, para depois fazer dele arma de arremesso constante contra um projecto editorial angolano que já é efectivamente uma referência no nosso panorama, ilustra bem a dimensão ética e os maus fígados do cruzado europeu. Ilustra igualmente os seus propósitos destrutivos contra o pluralismo mediático e muito particularmente contra os contínuos e os rapazes que souberam dar corpo e consistência à imprensa privada angolana que hoje está aí como mais uma sólida instituição da nossa democracia. Quer ele goste, quer não. São propósitos que sempre vão servindo algumas causas locais míopes, ao serviço das quais o cruzado barbudo tem sabido colocar os seus dotes artísticos e a sua espada afiada de adjectivos numa trajectória de violências encobertas e abertas iniciada ainda durante o consulado de Marcolino Moco. Entre estas violências está, certamente, a sua passagem pela patrulha do JA na sua segunda fase, quando, pelos vocábulos utilizados, se percebeu que os novos patrulheiros de serviço já não eram da banda, estavam a ser contratados em terras lusas. Só é de lamentar que o tal cruzado tenha sido, uma vez mais, contratado por compatriotas nossos e com a utilização de dinheiros públicos, embora tenhamos recebido da parte de alguns deles (dos contratantes) sinais de saturação em relação ao seu feitio que o próprio reconhece alegremente como sendo mau. Mau é, obviamente, um grande favor que não nos atrevemos a fazer-lhe.