quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Os angolanos vão deixar de mendigar para passarem a cobrar o que lhes é devido

1-Que mais dizer desta campanha em cima do dia D? Este será, possivelmente, o meu derradeiro apontamento sobre o que foi a campanha eleitoral, sem termos ainda em conta o comportamento dos eleitores no exercício do único poder soberano que a nossa constituição confere aos angolanos de uma forma geral. Temos de facto o poder de votar e de escolher os nossos “distantes” representantes. Se fosse verdade deveria dizer os nossos directos delegados, mas não é, pelo menos na prática. Escolhemos, mas depois a tal democracia representativa que “estamos com ela”, não nos permite controlar o seu desempenho no dia-a-dia das instituições e muito menos retirar a nossa confiança. É aí que terminam as ilusões de termos algum poder, enquanto eleitores e começa o sofrimento e a decepção de milhões por este mundo que acreditam que o voto pode ter alguma utilidade. Temos que esperar depois mais quatro ou cinco anos, para voltarmos a acertar as contas com as promessas feitas durante esta campanha que foram muitas e ambiciosas, sobretudo por parte do partido que mais receia perder estas eleições, ou não ultrapassar a fasquia programada. É de facto o partido que tem mais medo de perder estas eleições, tendo esta sensação ficado bem explícita na forma frenética como o seu primeiro jogador que é igualmente o treinador da equipa (depois de ter deixado de ser arbitro) entrou em campo a partir da segunda semana do desafio que está quase a chegar ao fim. 2-A grande novidade destas eleições em Angola é que elas anunciam o inicio de uma nova época com a renovação regular dos mandatos pela via das urnas, tendo por isso, entre outras consequências mais imediatas, um impacto muito positivo no desempenho da governação e na distribuição do rendimento nacional. A partir de agora, caso a normalidade constitucional não venha a ser interrompida por mais nenhum “tsunami” parecido com o de 92, vamos ter uma governação, certamente, muito mais preocupada com os resultados imediatos das suas políticas para além dos discursos, das promessas e das propagandas. As eleições ganham-se com resultados concretos, sendo prova disso a programação que foi feita com os investimentos públicos de que resultaram todos os projectos que às catadupas foram inaugurados na última semana da campanha. Por si só e independentemente dos resultados, as eleições representam uma nova esperança dos angolanos verem os seus gravíssimos problemas sociais serem resolvidos a médio prazo. Representam por um outro lado um sério travão à voracidade com que as elites dirigentes deste país e as suas “entourages” familiares têm gerido os recursos do país através de complicados esquemas publico-privados, de tráfico de influencias e de abuso do poder, onde os beneficiados são sempre os mesmos, com a acumulação de colossais fortunas sem qualquer justificação nem mérito. Tudo a custa do “braga”. É de admitir que diante do grande receio que é a perda do poder no próximo pleito eleitoral, as elites governantes, se se mantiverem as actuais, tenham a partir de agora muito mais de cuidado e atenção na distribuição do rendimento nacional, colocando de lado um pouco do “trungungú” que tem vindo a caracterizar a sua gestão. O processo político angolano deverá evoluir assim, com o lastro das eleições pendurado nas anafadas fatiotas do poder (seja ele qual for) que desde logo vai emagrecer, começando por perder alguns quilos da sua arrogância petulante, para se tornar mais humilde, mais responsável e sobretudo mais próximo das desesperadas preces populares. De facto as eleições inauguram este ciclo virtuoso, que sem ter o condão de uma varinha mágica qualquer, vai pelo menos fazer os angolanos acreditar que é possível melhorar o país sem mendigar, nem esperar por envelopes e outras doações. Em pé de igualdade e sem mais pais, nem mães, nem tios da nação, os angolanos vão aprender a cobrar dos governantes as promessas não cumpridas com a sua consequente penalização política na hora do novo acerto de contas nas urnas. Passada a fase emocional que ainda marcou profundamente esta campanha, estamos certos que o voto, a curto prazo, passará a ser entendido como um cheque racional emitido por cada um de nós a ordem de um determinado concorrente e com um prazo limite para ser descontado, findo o qual um novo cheque terá de ser emitido. Deixará assim de haver cheques em branco como aconteceu até agora.