segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

O Papa, a rebelião dos cabindas e o desbloqueio da Emissora Católica

A visita do Papá Bento XVI ao nosso país dentro de aproximadamente um mês está a ser aguardada com diferentes expectativas em função dos diferentes interesses que cada um de nós, eventualmente, estará a alimentar, se de facto atribuir alguma importância, para além da protocolar e diplomática, ao visitante. Esta importância aqui, tem a ver com as potencialidades/capacidades do forasteiro poder, de algum modo, influenciar positiva ou negativamente o curso dos acontecimentos em Angola, sem se imiscuir neles. No caso do Papa, como Chefe da Igreja Católica Universal, ele até se pode dar ao luxo de se imiscuir nos nossos assuntos internos, sem violar nenhuma regra da soberania nacional. Esta interferência a acontecer, terá, certamente, por palco o território da Igreja Católica local, onde há já bastante tempo, lavra, na diocese de Cabinda, um conflito aberto entre a maior parte da comunidade católica local e a hierarquia da CEAST personalizada na figura vigorosa do Bispo D. Filomeno Vieira Dias, que o predecessor de Bento XVI nomeou para dirigir os destinos dos fiéis do enclave. No seio desta comunidade tida como “rebelde”, onde se incluem alguns conhecidos “sacerdotes malditos”, a expectativa que se alimenta em relação à visita de Bento XVI não é, obviamente, a mesma que a das restantes comunidades católicas espalhadas pelo país. Já aqui o dissemos que esta visita do Papa a Angola poderia ser uma boa oportunidade para o Vaticano lançar uma “iniciativa de paz” naquela região, mesmo que, por razões de segurança, o Sumo Pontífice não se deslocasse ao tumultuoso enclave. Ficou assente desde o inicio, que, somente, os caluandas teriam direito a ver o Papá sem saírem da sua querida e cada vez mais engarrafada “nguimbi”, onde agora a dança que está a dar, é a dança do BRÉU… BRÉU… BRÉU. BRÉU, BRÉU, BRÉU… Acho mesmo que nunca se venderam tantos geradores como agora, depois de Capanda ter entrado em acção, consumo que pode estar na origem da escassez de combustível que se verifica nas bombas de Luanda, uma outra dança que também já é cíclica, assim como o refrão dos porta-vozes Sonangol, a dizerem-nos que não há falta de nada e que as bichas são apenas uma ilusão óptica de pessoas obcecadas em ver fantasmas em todo o lado. Para além dos caluandas todos os outros fiéis católicos que quiserem ver o Papa, terão de fazer uma peregrinação que vai de facto trazer até Luanda muita gente de fora, incluindo alguns cabindas. Mas voltemos à Cabinda onde, até do ponto de vista da resolução do conflito político, note-se, as coisas parecem estar a querer voltar a estaca zero, havendo mesmo vozes a admitirem que, mais tarde ou mais cedo, o Governo vai ter de abrir uma nova ronda de negociações com a FLEC que continua a resistir politica e militarmente. Bento Bembe, transformado actualmente em fiscal humanitário das cadeias governamentais, já deu tudo o que tinha para dar. E, pelos vistos, deu muito pouco para a importância que lhe foi dada, apesar de não lher ser entregue nenhuma pasta no Governo, onde é, exacatmente, ministro sem pasta. Mas como dizíamos, o Papa não faria mais do que o seu dever de bom pastor de almas, se aceitasse encontrar-se com os descontentes de Cabinda com a nomeação de D. Filomeno para Bispo de um território que de facto tem algumas particularidades muito especiais, que o próprio MPLA reconheceu ainda durante a guerra de libertação nacional. Como é evidente, também já se esqueceu de tais promessas feitas no calor da guerrilha que atacava no Mayombe. Seria, quanto a nós, um grande gesto do pastor, se ele se encontrasse com as suas ovelhas mais ranhosas aqui em Luanda e as convencesse a retomarem o seu lugar no grande rebanho dos católicos angolanos. Sem grandes esperanças de que tal venha a acontecer, achamos que ainda há tempo de se pensar e trabalhar nesta possibilidade, pois o que os “rebeldes” mais desejam é serem ouvidos, antes de serem crucificados.
É o chamado último desejo que até os condenados à pena de morte por graves delitos têm direito. Aqui fica pois o desafio à imaginação de quem tem a grande responsabilidade de ser um líder espiritual de tantos milhões de homens e mulheres, com todas as falhas que se lhe possam apontar e que por sinal até já são mais do que muitas, no meio de várias gaffes. A outra expectativa, mais capaz de vir ao encontro dos desejos que muitos outros (que não estão em conflito com a hierarquia) alimentam, tem a ver com a possibilidade desta visita de Bento XVI servir para desbloquear a interdição que pesa em Angola sobre a plena aplicação do artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH). Para quem não conhece, o tal artigo diz que “todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber e difundir, sem consideração de fronteiras, informações e ideias por qualquer meio de expressão”. No caso concreto, os católicos e não só, como se sabe, estão impedidos por uma sinuosa lei ordinária, de ouvirem a menagem da Emissora Católica de Angola (ECA) fora de Luanda e arredores. O tema da expansão do sinal da ECA a todo o território angolano, corre o risco de ser o mais mediático nesta digressão do Papa à capital angolana. A expectativa está a ser alimentada pelos próprios círculos católicos, conforme se pode depreender desta notícia que fazemos questão de reproduzir aqui na íntegra: [A visita do Papa Bento XVI à Angola, em Março, poderá desbloquear a situação da Rádio Ecclesia, cujas emissões estão limitadas à cidade de Luanda, acredita o Núncio Apostólico naquele país.Dom Angelo Beccio manifesta, em entrevista à Renascença, esperança de que Bento XVI consiga que o Governo angolano autorize a emissora católica de Angola a emitir para todo o país.O Núncio diz que há sinais concretos neste sentido e espera que a visita do Papa seja mais um factor de paz e de reconciliação nacional.Dom Angelo Beccio fala também das expectativas em relação à primeira visita do Papa Bento XVI a Angola, de 20 a 23 de Março. "Os angolanos vão preparar-se para encarar a visita do Papa como um grande momento de confirmação da Fé e vêem este gesto do Santo Padre como a maneira de honrar esta nação, que recebeu o Evangelho e o primeiro baptismo há 500 anos", afirma.Dom Angelo Beccio espera que a deslocação de Bento XVI também ajude a promover os direitos e o papel da mulher na sociedade.] De que sinais concretos se tratam é algo que gostaríamos de saber o mais rapidamente possível, com a certeza de que o Núncio não fala a toa.
Com esta certeza, que, convenhamos, é muito pouco para quem conhece o movediço território onde aprendemos a sobreviver, ficamos por aqui em mais esta incursão pelas expectativas e prognósticos em torno de uma visita que está condenada a ser um dos grandes acontecimentos políticos deste ano em Angola.
Estamos igualmente certos que com um tal gesto, o de permitir a aplicação do artigo 19 da DUDH em Angola, o grande vencedor seria o próprio Governo, a sua credibilidade e o seu prestígio.
Só nos resta pois aconselhar o Executivo a libertar de uma vez por todas as ondas hertzianas, promovendo-se uma sã concorrência em todo o país em nome do pluralismo, da igualdade e da liberdade de imprensa. Por favor e depois de já terem deixado os eleitores votar, agora permitam que os radio-ouvintes escolham livremente a frequência que têm no coração...