domingo, 22 de março de 2009

Sem cadernos eleitorais não voto nunca mais!

Tem início dentro de mais alguns dias o período anual de actualização do registo, o que significa falar necessariamente da actualização dos cadernos eleitorais e da sua importância estratégica enquanto pilar fundamental e estruturante do processo eleitoral. Como se sabe, os tais cadernos, previstos na lei como sendo a principal garantia de rigor, controlo e transparência do processo eleitoral, particularmente orientada para a nevrálgica vertente do apuramento dos resultados, acabaram por ser os grandes ausentes da disputa realizada em Setembro do ano passado. Foi-se assim por água abaixo a tão propalada e aclamada solução tecnológica do Consórcio que organizou o registo eleitoral, tendo a unicidade do voto ficado dependente apenas de um bocado de tinta indelével, o que é manifestamente insuficiente para se prevenir a ocorrência de situações de duplicidade. De facto todo o projecto do registo eleitoral que custou uns largos milhões de dólares ao erário público não faz qualquer sentido sem a utilização dos cadernos eleitorais que são parte integrante e indissociável do mesmo, constituindo-se, aliás, na sua peça mais estratégica. Os cadernos funcionam como uma espécie de apoteose do registo eleitoral, sendo eles, por estarem na parte final do processo, que efectivamente confirmam a eficácia de todo o sistema, o que não aconteceu com as eleições legislativas de Setembro último. Para além da identificação de todos os cidadãos com capacidade eleitoral activa, diremos que o objectivo fundamental do registo é a produção dos cadernos eleitorais que permitem depois que se passe a fase seguinte que é a votação propriamente dita no dia D. A lei angolana é demasiado clara sobre a importância incontornável dos cadernos, ao referir que só após se verificar que a identidade do eleitor está em conformidade com o Caderno Eleitoral, o que pressupõe riscar ou colocar um sinal estabelecido no documento, ele estará em condições de receber o boletim de voto para consumar o seu direito democrático. Este é que o procedimento normal (modo de votação) que deve ser seguido e que não foi em Setembro pelas razões que todos conhecemos (mais ou menos) mas nem todos aceitamos de ânimo leve como o fizeram algumas entidades que têm responsabilidades acrescidas a nível nacional. Custa-nos por isso aceitar que o Tribunal Constitucional num dos acórdãos produzidos na sequência das reclamações que lhe foram endereçadas tenha passado tão ao largo da gritante e preocupante ausência dos cadernos eleitorais no dia da votação, como se fosse apenas um pormenor e não a base de todo o sistema. Mais grave do que isso foi o TC entender que “o uso obrigatório da tinta indelével que se verificou em todo o País, identificou os cidadãos que já tinham votado e, tal como se verifica noutros sistemas eleitorais, oferece garantia técnica suficiente, idónea e notória de asseguramento da unicidade do voto”. A fazer jurisprudência este entendimento derruba pela base os fundamentos do edifício eleitoral angolano, constante da legislação em vigor, onde a tinta indelével surge apenas como uma medida de protecção complementar da unicidade do voto que é executada já depois do cidadão ter consumado o seu direito. De facto quem melhor que os cadernos eleitorais garante os direitos e os interesses dos cidadãos? Quem melhor que os cadernos eleitorais assegura “que todos eles (princípio da universalidade) e somente eles (princípio do registo eleitoral) possam votar e votem uma única vez (princípio da unicidade de voto)”? Como garantir efectivamente que a vontade dos eleitores foi livremente expressa nesta ou naquela direcção se a base de controlo de todo o processo que são os cadernos eleitorais esteve ausente? Fica-nos por isso difícil entender o preclaro Juiz Conselheiro do TC, Onofre dos Santos, quando afirmou o ano passado que “todas as violações de procedimentos previstos na lei, por muito que devam ser assinaladas e merecer censura, não deverão prevalecer contra os resultados desde que estes correspondam à vontade livremente expressa dos eleitores e não tenham condicionado, afectado ou diminuído a sua capacidade de votar nem as garantias de que apenas os eleitores possam ter exercido o seu direito de voto e que o possam ter feito uma única vez”. Em meu entender só mesmo com a utilização dos cadernos eleitorais é possível ter-se este controlo, é possível verificarem-se todas as reclamações, é possível segmentarem-se os resultados, mesa por mesa, município por município e por aí adiante. Só mesmo com os cadernos eleitorais e à semelhança do que se faz em todo o mundo democrático que já atingiu a maioridade, é possível realizarem-se eleições livres, justas e transparentes. Em matéria de democracia os cadernos eleitorais estabelecem a fronteira entre a confusão e a civilização. Foi o que nos propusemos fazer o ano passado com toda a legislação aprovada e com todo o sistema que foi montado pelo tal Consórcio. Lamentavelmente não conseguimos. Falhámos redondamente na fase mais decisiva do processo, na sua recta final, com toda aquela confusão que teve Luanda como palco principal (mas não único) e cujos autores estão por “descobrir” e responsabilizar, se é que algum dia o serão, para não variar. Por tudo isto e muito mais tomei a grave decisão, enquanto cidadão-eleitor, de só voltar a participar em eleições no meu país, quando me garantirem que os cadernos eleitorais serão utilizados na sua plenitude e em conformidade com o que a nossa lei dispõe. É tão simples quanto isso. “Sem cadernos eleitorais não voto nunca mais!”- será o meu slogan eleitoral de agora em diante para pressionar quem de direito a não repetir a barraca de Setembro. Como sei que esta garantia só poderei obter (confirmar) na hora de entrar na assembleia de voto, vou ter de aguardar pela convocação das próximas eleições, que em princípio deverão ocorrer ainda este ano, no âmbito da normalização da vida politico-constitucional do nosso país, após mais de 15 anos de interrupção da vida de um Estado Democrático de Direito, que tínhamos começado a edificar em 1992. Na altura, ainda a vivermos a época das vacas gordas e com o PIB a dar saltos de cavalo na propaganda oficial e no jornalismo de ressonância, fui das pessoas que não vi um grande inconveniente na concretização faseada desta normalização, com a realização primeiro das legislativas e um ano depois das presidenciais. Agora já não posso aceitar que este desiderato que foi objecto de um consenso nacional com as reservas que se conhecem, seja atirado para as calendas gregas, com o argumento de que é necessário fazer aprovar primeiro a nova constituição e só depois convocar as eleições presidenciais. Curiosamente até estou de acordo que se aprove a constituição neste entretanto, desde que as eleições presidenciais se realizem dentro do prazo previsto, o que já não nos parece possível com a agravante de em 2010 termos o CAN na agenda. De acordo com o meu amigo Ismael Mateus tal só seria possível se o modelo de legitimação do Presidente da República, a ser incluído na futura constituição, for a opção pela via indirecta, isto é, através do parlamento. Trata-se, como se sabe, e depois das declarações feitas por JES em Lisboa, de uma opção que continua bem em cima da mesa, apesar de KK, o homem que pisca à direita e vira à esquerda, se ter esforçado por nos convencer que a conversa das indirectas não passava de uma invenção do Chivukuvuku e de mais alguns analistas. “Esqueceu-se” do Moco que é do seu partido e que já foi seu superior hierárquico. Como também se sabe, esta opção viola de forma particularmente ostensiva o próprio consenso nacional que esteve na origem do calendário da normalização que foi aprovado no Conselho da República em 2007 e que agora está a ser posto em causa. Para além de todos os argumentos jurídicos que já foram esgrimidos, se tivermos o mínimo de honestidade, temos de reconhecer que ninguém na altura pensou que ao elegermos a nova Assembleia Nacional, estávamos igualmente a escolher o novo Presidente da República. Tudo, em termos de campanha eleitoral, como é evidente, teria sido diferente. É pois em nome deste mínimo de honestidade que o país deveria continuar a orientar o seu rumo em direcção ao futuro que a todos pertence e que todos desejamos que seja o mais próspero, mas sobretudo que não tenha nada a ver com o passado de guerra e devastação. Caso contrário estamos mal, muito mal mesmo.