segunda-feira, 6 de julho de 2009

A polícia está a perder a guerra contra a criminalidade?

Nos últimos dias voltamos a ter os noticiários preenchidos (recheados) por informações bastante preocupantes relacionadas com a situação da criminalidade em Luanda e não só. Entre assaltos, agressões e homicídios, retivemos as declarações do Comandante Geral da Polícia apelando segunda-feira última (29/5) os seus pares a duplicarem os esforços das respectivas áreas e unidades em prol de um mais efectivo e eficaz combate aos meliantes do nosso desassossego. "Tudo vamos fazer para que se desenvolvam acções que possam ir ao encontro das preocupações da nossa população: a melhoria do sistema de segurança pública, em especial nas zonas suburbanas de Luanda"- prometeu Ambrósio de Lemos, o nosso “Bomboxi”. O Comandante Geral reuniu-se com o seu Estado-Maior de Luanda, isto é, com os comandantes das nove divisões que integram a mais conturbada e populosa “região militar”do país, nesta nova guerra que, quer queiramos, quer não, “já estamos com ela”. É mesmo de guerra que se trata, pois a criminalidade, não sendo um fenómeno tipicamente militar, acaba por ter manifestações muito semelhantes, particularmente ao nível da organização do confronto. Não sabemos com que estatísticas reais e outras informações mais sensíveis ao nível da “intelligence” a Policia estará neste momento a trabalhar (será mais um segredo dos deuses?), mas não temos muitas dúvidas em relação a existência de uma situação que já tem contornos alarmantes e corre o sério risco de ficar fora de controlo das autoridades. O extraordinário crescimento dos guettos de Luanda já é neste momento o grande adversário das autoridades e de qualquer estratégia de combate, que apenas tenha em conta o recurso à repressão. As tendências recentes sempre apontaram para aí, caso não houvesse uma alteração substancial na situação de pobreza, miséria e exclusão social que continua a caracterizar o quotidiano de uma percentagem significativa (muito mais de 50%) da população angolana. Pelos vistos, os tristes e dramáticos indicadores do nosso desenvolvimento humano não dão mostras de estarem a ter um comportamento mais auspicioso. Entre estes indicadores, o Índice de Gini é aquele que mais nos preocupa e que pior fala de Angola do ponto de vista que estamos aqui a tentar abordar, com todas as deficiências resultantes da nossa condição de leigos na matéria, o que não nos impede de termos o nosso voto, nesta e noutras matérias, que mexam com a estabilidade e a paz social deste país. [Índice de Gini é um instrumento utilizado para medir o grau de concentração de renda de um país, ou seja, mede a distribuição de renda entre as classes sociais segundo a renda domiciliar per capita. O seu valor varia de 0 (zero), quando não há desigualdade (a renda de todos os indivíduos tem o mesmo valor), a 1(um), quando a desigualdade é máxima (apenas um indivíduo detém toda a renda da sociedade e a renda de todos os outros indivíduos é nula)] O Relatório sobre o desempenho da economia angolana em 2008 divulgado esta semana pela Universidade Católica de Angola recorda que em 2005 “foi registado um Índice de Gini de 0,62 – senão o mais elevado do mundo, seguramente dos mais elevados do planeta – indicativo da ocorrência duma assimetria muito grande na distribuição do rendimento nacional”. O Relatório recorda ainda que é “a partir deste ano é que ocorrem as mais elevadas taxas de crescimento do Produto Interno Bruto, fazendo pressupor pela existência duma correlação entre aprofundamento da desigualdade social/aumento da riqueza nacional anual/incremento da pobreza”. A desigualdade que se regista em Angola, destaca o Relatório da UCAN, “é 2,5 vezes superior à da Noruega. Os reflexos sociais são imediatos. Na Noruega há mais cidadania, as pessoas respeitam-se e respeitam os códigos de conduta social, havendo, por conseguinte, mais espaço à afirmação do mérito e a reprovação moral dos actos desonestos e dos desvios de conduta”. O Relatório alerta ainda para o facto da região africana em que nos encontramos ser a única no mundo em que a sua população pobre (que vive com menos de dois dólares por dia) aumentará até 2030. Esta sombria perspectiva, aponta o documento, “deve ser tomada como um aviso e um alerta ao Governo angolano e a toda a sociedade, uma vez que a reversão deste flagelo social e económico é uma responsabilidade e uma obrigação de todos os cidadãos”. Da Universidade para o país real, vamos encontrar no outro lado da barricada, do crime/delinquência, pessoas inteligentes ou espertas que já perceberam que diante das actuais injustiças e fragilidades sociais do país, podem ir muito mais longe nos seus propósitos se “trabalharem” melhor, se forem mais eficazes no recrutamento de novos efectivos para as suas hostes. Afinal de contas, o seu maior aliado acaba por ser a incapacidade das políticas públicas produzirem resultados concretos a altura dos desafios e da urgência da luta contra a pobreza. Estes potenciais efectivos, tendo em conta os indicadores sociais do nosso profundo desequilíbrio, nascem e crescem rapidamente todos os dias. Estão nas paragens de toda a cidade à espera de entrar para a primeira gangue que passe por eles. E entram mesmo, por mais campanhas de sensibilização que se façam. Os candidatos ao crime não precisam de filmes. Eles precisam de ter o mínimo, primeiro para entrar para escola e depois para não abandonarem os estabelecimentos à procura de comida. Eles precisam de ter acesso ao primeiro emprego. Eles sonham com casa própria e com família. Por mais esforços que a Policia faça, a guerra contra a criminalidade não se vai vencer com mais divisões, com maior profissionalismo, com mais efectivos ou com melhor iluminação pública das artérias e vielas desta cidade. Com esta constatação não se pretende, de forma alguma, desencorajar os esforços da polícia em melhorar a acção das suas divisões e dos seus efectivos no combate à criminalidade. Longe disso, pois sabe-se que a ausência da policia ou a sua fragilização significaria o caos total nas actuais condições em que o país se encontra. Antes de mais, a criminalidade é um fenómeno difícil de erradicar em qualquer sociedade do mundo, incluindo as mais prósperas e equilibradas do ponto de vista da distribuição do rendimento. A criminalidade controla-se, sobretudo aquela que tem carácter de massas, que é a que, aparentemente, mais instabilidade social provoca, embora não seja a que produz maiores prejuízos patrimoniais, particularmente ao nível do erário público. Entre nós o combate ao chamado crime do colarinho branco (corrupção institucional) que todos os dias desvia enormes recursos do OGE para contas particulares ainda é o maior e mais complexo desafio nesta frente. Se a polícia está ou não a perder a guerra contra a criminalidade, particularmente em Luanda, só os próximos tempos o dirão. Sozinha, estamos certos, a corporação do Comandante Ambrósio tem muito poucas hipóteses de triunfar ou, pelo menos, de manter controlado o fenómeno a níveis aceitáveis para o mínimo de estabilidade e segurança que qualquer sociedade precisa para se poder desenvolver e respirar sem outras preocupações de maior com a sobrevivência física dos seus membros.
Já não é o que está a acontecer nesta altura. De outra coisa estamos igualmente certos. As actuais demolições, expulsões, esbulhos e realojamentos forçados em desertos, em nome de requalificações e de outros interesses, só podem estar a contribuir para aumentar o exército do crime e a tornar a missão da polícia cada vez mais difícil, senão mesmo impossível. Como fazer diferente (que é possível e desejável) é uma outra questão para uma outra abordagem…