segunda-feira, 27 de julho de 2009

Projecto-Terra ganha visibilidade como referência na luta contra a exclusão

Foi com um misto de satisfação e tristeza que lémos a semana passada no Jornal de Angola um editorial elogioso dedicado ao Projecto-Terra, financiado pela União Europeia, que o Governo angolano numa parceria com a FAO tem vindo a implementar desde 2007. Terá sido, nas nossas contas, a primeira vez que o “nosso Pravda” dedicou tamanha visibilidade ao assunto. ( Eu sei que o “Man Ribas” não gosta muito desta comparação, mas não é por mal que a fazemos, embora admitamos que ela possa ter as mais diferentes leituras, com destaque para a sua conotação jornalística menos simpática.) Satisfação, porque o Angolense tem sido o único jornal que, desde o principio, de facto, tem conferido toda a importância e prestado a necessária atenção que o referido projecto merece no actual contexto, onde os interesses das populações mais desfavorecidas correm o risco de desaparecer do mapa das prioridades nacionais, diante de poderosas e autistas voragens provenientes da estratosfera que Pepetela resumiu numa só palavra: ganância! O ponto de exclamação é nosso, nós que preferimos utilizar o sinónimo trungungu com a mesma pontuação. Para quê tanto trungungu?! É disso que se trata e pouco mais, restando saber o que é que virá depois em matéria de consequências para a própria coesão nacional. Nesta e noutras matérias conexas, o nosso prognóstico é muito mau. Curiosamente o JA, no seu editorial, comunga desta nossa preocupação com o futuro deste país a manterem-se as actuais tendências. Estamos a assistir a uma corrida desenfreada dos poderosos, ligados às mais altas esferas do poder político, a tudo quanto é terra e terreno, numa verdadeira guerra de expulsão e ocupação de todos os espaços sob os mais variados pretextos. O argumento da utilidade ou do interesse público já não convence ninguém, pois vivemos num país onde as fronteiras entre o público e o privado, deixaram praticamente de existir, com o primeiro a proteger o segundo ou a servir-lhe de ponta de lança, tudo muito bem combinado e estrategicamente articulado. A tristeza evocada no inicio é puramente profissional (jornalística) e tem a ver com o facto de, nas duas matérias que o JA dedicou ao assunto na mesma edição (sábado/18 de Julho), um editorial e uma notícia desenvolvida, não se ter feito nenhuma referência aos reais obreiros do alcance da “paz em Capandeio”. Do ponto de vista jornalístico, uma omissão destas é de uma gravidade incomensurável, enquanto se apura se a “lacuna” foi involuntária ou deliberada. Para além do financiamento da União Europeia que tornou possível o arranque do Projecto-Terra, não é possível em toda esta movimentação ignorar a FAO e muito menos os seus especialistas (nacionais e estrangeiros) que em Angola e muito particularmente nas províncias de Benguela, Huambo e Huíla, têm vindo a trabalhar arduamente com os autóctones na delimitação das terras das comunidades tradicionais a fim de lhes ser passado pelos governos provinciais o respectivo “Título de Reconhecimento de Ocupação, Posse e Direitos de Uso e Fruição de Terrenos Rurais Comunitários”. Ao passar completamente ao lado destes protagonistas, o JA de facto não prestou um bom serviço ao jornalismo para além de ter cometido uma grande injustiça. O que se passou a semana passada em Capandeio foi apenas mais um acto dos vários que já tiveram lugar no âmbito deste Projecto de titularização de terras tradicionais. Capandeio ganhou a visibilidade que o JA lhe conferiu porque a cerimónia de entrega do Título foi presidida pelo Governador da Huíla, Isac dos Anjos, que esteve antes, de corpo bem presente, num seminário que o Projecto-Terra organizou no Lubango para debater uma vez mais a problemática fundiária do nosso país. Seja como for, estamos totalmente de acordo com o JA em relação à necessidade de levar o exemplo de Capandeio para “o resto do país porque o desenvolvimento rural não pode viver com os camponeses sobressaltados com a intrusão de outros proprietários ou concessionários de exploração de inertes ou madeiras, como é tão comum acontecer”. Mais de acordo estamos ainda com o nosso matutino, quando o seu editorialista a dado passo chama a atenção para o facto de, nesta do agro-negócio, ser bom que “às comunidades rurais sejam garantidas as terras indispensáveis ao seu sustento e à produção de alimentos para lançar no mercado, como forma de melhorarem as suas vidas e das suas famílias”. O JA quase que nos tirava todas as palavras da boca ao alertar quem de direito para a importância que é saber evitar que “em nome do progresso não se leve a agitação e conflitos às famílias rurais, onde é tudo tão débil, tão precário, que a mínima turbulência pode provocar um desastre humanitário”. Com esta passagem fica quase perdoada a referida e lamentável omissão.
NA- Para mais informações sobre o Projecto-Terra consultar:http://projectoterraangola.blogspot.com/search/label/Dados%20gerais