segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Às nossas kínguilas havemos de voltar!

1-De facto e depois de todo o alarido feito a volta da anterior estratégia económica, gizada e implementada em tempo de vacas gordas, quando navegávamos na imensa maré dos dólares baratos, e do “strong kwanza”, com todas as “esterilizações ex-ante” que então se praticavam, é caso para dizer que… e (quase) tudo o vento levou. De facto não sobrou quase nada do “sólido” edifício anterior, para além das “bocas” do discurso oficial, estas resistentes espécies da nossa fauna, que nos fazem lembrar um pouco as “bocas” do antigo ministro da informação de Saddam Hussein, quando as tropas norte-americanas já tinham entrado em Bagdad. A certa altura e já com o tsunami a fazer das suas, o discurso oficial ainda tentou resistir, enterrando, como a avestruz, a cabeça debaixo da areia para (não) ver se a tempestade passava rapidamente sem haver necessidade de se alterar uma só vírgula do texto anterior. Desta vez não deu mesmo. É desse (recente) tempo, a brilhante conclusão de um dos nossos iluminados epígonos locais do jornalismo de ressonância para quem tudo ainda iria ficar melhor do que estava. “Sem crise! Esta é a expressão que melhor traduz o sentimento nacional e internacional quanto à capacidade da economia angolana resistir ao tsunami que vem devastando, nos últimos meses, a estrutura financeira mundial. Angola está em condições não só de resistir à crise mas mesmo de emergir dos destroços acumulados pelo rasto da hecatombe com uma posição reforçada na ordem económica global”. Não sei se ainda anda por cá o autor destas linhas escritas em Dezembro do ano passado num dos nossos jornais de última geração que já vêm com rotativa e tudo. Caso ele venha a tomar contacto com esta mensagem, agradecíamos-lhe que nos contactasse urgentemente para levar umas valentes e bem merecidas reguadas, em nome do próprio jornalismo. Por mais que se queira agradar, não é assim que se escreve. Assim ninguém nos respeita. O jornalismo não foi inventado para lamber botas, para puxar o saco como dizem os brasileiros ou para dourar a pílula e muito menos para enganar a opinião pública. Para tal chega-lhe a concorrência asfixiante da propaganda, da publicidade e da desinformação que com ele coabitam e rivalizam no mesmo espaço mediático, já com uma grande vantagem dos primeiros sobre o nosso produto de eleição e de opção. Com base na competência do informador, o jornalismo foi inventado para ajudar os poderes públicos a verem e a interpretarem melhor a realidade dos factos, com a participação de outras visões, com a promoção do debate contraditório e inclusivo, com o esclarecimento das zonas cinzentas, com a investigação dos casos complicados, com o apuramento da verdade. Não me canso de citar o veterano Claude Julien e o seu já velhinho texto “Sangue e Espectáculo” escrito na primeira metade da década de 80. “A mais sedutora das análises sobre uma política monetária é necessariamente falsa se, como vemos tantas vezes, ela se abstém, em nome de uma especialização acanhada, de incluir um duplo exame das capacidades produtivas e do contexto político-social. Ao não estabelecerem esta relação, alguns observadores, no espaço de poucos anos passam infalivelmente do elogio ditirâmbico a um qualquer pretenso `milagre económico` à triste constatação de um endividamento vertiginoso e perfeitamente previsível” Em matéria de oportunidades a nova crise que estamos com ela, também oferece ao jornalismo angolano uma janela aberta para reflectir sobre o seu papel. Uma janela para arejar o nosso espaço profissional, para o libertar de todas as amarras que lhe são estranhas e que tantas vezes têm prejudicado o seu desempenho, empobrecendo a contribuição positiva que a média pode emprestar, sem qualquer tipo de juros, ao desenvolvimento da economia nacional. Com simpatias ou indulgências o jornalismo não vai a sítio nenhum, pois a sua principal blindagem, para além da competência de quem está na área, é o distanciamento crítico que tem que estar sempre presente, sem folgas, nem feriados. E quando tiverem dúvidas, sigam o conselho da Professora Gabriela Antunes: Fiquem calados! 2- O “day after” da crise em Angola está a trazer-nos de volta tudo quanto pensávamos que já tinha sido atirado para as calendas gregas ou para lá caminhava de forma irreversível. É a dura realidade. É o acordar do sonho que já virou pesadelo para muito boa gente. O “kwanza forte” que estava a começar a melhorar a nossa auto-estima, após mais de três anos de aparente estabilidade nas fasquia dos 75, pode voltar a desaparecer completamente do mapa das nossas poupanças, numa altura em que já ultrapassou o câmbio 90 e se aproxima da barreira psicológica dos 100. Todos quantos entesouraram em kwanzas, sentem-se agora profundamente decepcionados, traídos mesmo, pois (voltaram) acreditaram piamente na promessa da estabilidade macroeconómica, porque lhes foi transmitida (garantida) por uma pessoa de bem chamada Governo. Esta pessoa agora diz que não prometeu nada e que a economia de mercado é mesmo assim. Aguentem-se pacóvios! Pelos estragos já provocados, muitos recordaram-se imediatamente das famosas e desastrosas operações da troca da moeda no tempo dos “kwanzas burros” que os deixaram na banca rota. É uma dívida monumental que nunca lhes foi paga por quem emitia no vazio e depois mandava cortar os zeros, pondo a circular novas cédulas, sem se importar com o passado recente. O pior que pode acontecer a um sistema financeiro é a desconfiança instalar-se nos seus corredores, o que também já está a acontecer, restando apurar qual é nesta altura o seu impacto na estabilidade, se é que ainda se pode usar esta palavra no contexto actual. A principal e mais visível referência deste doloroso “day afyer” é o comércio ambulante de divisas. As muito nossas kinguílas e os menos nossos kinguílos estão efectivamente de regresso ao trabalho em força, embora eles nunca tenham desaparecido totalmente das nossas ruas e mercados. O câmbio de rua voltou a florescer, com a economia a ameaçar regressar aos anteriores níveis de informalização que podem voltar a ocupar espaços preocupantes e muito difíceis de gerir em termos de estabilidade. Com as limitações administrativas impostas pela tutela na movimentação de divisas, os bancos podem efectivamente registar uma acentuada quebra nos seus depósitos, com os aforradores a optarem por outros esquemas mais expeditos e menos burocratizados. A inflação galopante ameaça igualmente regressar ao mercado, pois o anterior travão, que era a aparente estabilidade cambial, já desapareceu, uma ausência que está a ser utilizada para justificar tudo quanto é subida de preços, o que de facto se está a registar ao ritmo da depreciação da moeda nacional. Nesta altura já não faz qualquer sentido falar-se numa inflação controlada e muito menos ao nível dos números que o IPC nos apresenta mensalmente. Os preços estão efectivamente a disparar (e a disparatar os nosso bolsos) e de nada adianta mascarar a realidade com discursos apenas para manter uma determinada imagem. A nível laboral, os eternos explorados trabalhadores angolanos já começaram a reivindicar salários mais de acordo com a nova realidade, o que certamente se vai intensificar nos próximos tempos com a multiplicação das greves e de outras acções de protesto. Os salários que já eram baixos e humilhantes, agora vão ficar piores, isto é, sem quase nenhuma utilidade social, para além de alimentarem o descontentamento e a revolta.