quinta-feira, 27 de agosto de 2009

(Flashback-Agosto/2007) Os kotas da dipanda não souberam cuidar do futuro dos seus kandengues

Com a morte de Holden Roberto completou-se um ciclo da nossa história que foi protagonizado por lideranças autocráticas que tinham como denominador comum a valorização excessiva do papel do Chefe no conjunto do aparelho partidário/governamental e da sociedade. Uma sobrevalorização que teve no culto da personalidade a sua manifestação mais preocupante e perversa com consequências que permanecem até aos dias de hoje e que podem ser observadas facilmente no quotidiano deste país e muito particularmente da sua governação. O sucessor de Agostinho Neto, apesar de ser de uma outra geração (logo a seguir), mantém mais ou menos intacta esta herança, não obstante os vernizes e batons que se vão usando aqui e acolá em maquilhagens mal conseguidas. Uma herança que começa por ser fortemente ideológica (concepção unipessoal do poder) no caso dos regimes de esquerda com toda aquela cantilena à volta da vanguarda e da lucidez do líder, que já contou com o nosso coro nos idos de 70. (Estávamos no início da nossa “carreira política”. Bem cedo nos apercebemos, entretanto, que esta história da vanguarda e da clarividência do líder era tudo uma grande treta pelo que não tardou muito que tivéssemos tomado a “histórica” decisão de não voltar a integrar mais nenhuma formação, nem obedecer a qualquer disciplina partidária, voto de castidade que conseguimos preservar até aos dias de hoje.) A referida herança é um património que não tem a ver apenas com Angola, sendo antes de mais o resultado da evolução do próprio processo histórico da humanidade, onde os longos séculos de poder monárquico ainda mantêm refém a jovem república, no que diz respeito ao funcionamento mais intimo do poder e do relacionamento dos seus diferentes protagonistas. Claramente os pais da nossa independência, com todo o mérito que tiveram pela sua entrega aos grandes ideais da liberdade e da libertação, não eram pessoas preparadas para um outro jogo político que não fosse aquele onde eles tinham o controlo completo da situação. Onde eram os mestres. Onde tudo girava e gravitava à sua volta. Onde os seus desejos eram ordens. Onde a contestação, a crítica e o espírito do contraditório eram os grandes ausentes de uma gestão feita a uma só voz e de uma só vez. Ou vai ou racha! A trajectória dos dois primeiros fala bem deste relacionamento com o poder, enquanto que o terceiro, que foi esta semana a enterrar, teve os últimos anos do seu consulado marcado por um atribulado relacionamento com a contestação interna que acabou por afectar gravemente a saúde política da terceira maior força partidária do país, que continua a ser a FNLA com base nos resultados eleitorais de 92. (Apesar do PRS ter mais representantes no Parlamento, a FNLA foi o partido que no conjunto do país mais votos obteve, daí a sua permanência no terceiro lugar do nosso ranking partidário) No caso da FNLA a contestação interna também não foi o melhor e mais genuíno exemplo de coabitação democrática na diferença, já que a mesma foi claramente favorecida por uma determinada e bem conhecida conjuntura, numa altura em que a “renovopatite” era um dos instrumentos políticos utilizados para se isolar o máximo possível o então líder da rebelião armada. Naquela altura pelos seus reiterados apelos ao diálogo com Jonas Savimbi como sendo a única via para se alcançar a paz, o veterano nacionalista Holden Roberto era claramente um alvo a abater pelos falcões do regime, o que foi parcialmente conseguido com a preciosa ajuda da “sociologia” de Lucas Ngonda e dos seus pares, sem que, com tal constatação, se pretenda aqui retirar qualquer legitimidade à sua ruptura com o “Velho”. Seja como for, Holden Roberto no intimo das suas concepções politicas e ideológicas, mesmo numa outra conjuntura, dificilmente aceitaria que alguém mais novo que ele se apresentasse com um projecto diferente para liderar a “sua” FNLA. Para ele Lucas Ngonda era apenas o filho mal agradecido de um seu contemporâneo. Para além de outros episódios de intolerância para com a diferença e o pluralismo, Jonas Savimbi respondeu àqueles que do interior da sua organização o criticavam por já estar ultrapassado, perguntando-lhes onde é que eles andavam quando ele fundou a UNITA e deu inicio a luta de libertação. Isto para dizer claramente ao seus críticos internos, sendo certamente Abel Chivukuvuku um deles, que o partido era muito dele e que quem se sentisse mal que se mudasse para um outro barco. Agostinho Neto começou por esmagar a Revolta Activa e a Revolta do Leste e depois deu cabo do resto na sequência dos acontecimentos de 77, que se traduziram na maior purga política realizada no seio de uma família política em Africa. Os três “papás” da Dipanda figuram numa galeria de notáveis no que diz respeito ao seu contributo para a história de Angola, tendo certamente como referência maior o surgimento de um país independente há mais de trinta anos neste promissor rincão africano. Para além disso, pouco mais fizeram, tendo sido exactamente a sua intolerância sistémica e a falta de visão futurista que estiveram na origem do adiamento em que o país esteve mergulhado durante estes anos todos. Imaginem só o que seria hoje deste país, que continua a dar pena, se Holden Roberto, Agostinho Neto e Jonas Savimbi em 75 se tivessem entendido à bem da Nação? Os três conseguiram a independência à sua maneira ignorando o país que era de todos. Curiosamente cada um deles proclamou a independência a 11 de Novembro de 1975 no território que controlava militarmente, emitindo assim um claro e premonitório sinal sobre o futuro que já era presente naquele hastear de bandeiras. O futuro que estava ali a ser hasteado chamava-se guerra sem quartel entre irmãos desavindos. Venceu a independência de Agostinho Neto, como disse uma vez sorridente o seu sucessor, mas acabamos por perder todos nós, porque os nossos pais não souberam cuidar do futuro dos seus filhos, que hoje andam por aí aos milhões transformados em zungueiros a sobreviver desesperadamente com menos de um dólar por dia nos bolsos.