domingo, 20 de setembro de 2009

(Flashback/Setembro 2007) Grupo de Trabalho da ONU sobre detenções arbitrárias visita Angola

Seja o que for que terá motivado a visita deste grupo de trabalho internacional, desde logo a sua presença em Angola não é, de todo, uma boa notícia para a imagem do Governo em particular e do Estado angolano de uma forma mais geral. Seria sem dúvida uma notícia ainda mais desastrosa para esta imagem, no ano em que o Governo se “matriculou” pela primeira vez no novo Conselho dos Direitos Humanos da ONU, se o Executivo de Sua Excelência não emitisse os competentes vistos de entrada para os cinco membros independentes deste grupo. Uma tal recusa disfarçada com outros condimentos mais diplomáticos já havia acontecido num passado recente com o Relator Especial da ONU para as questões da habitação condigna, de acordo com uma denúncia feita na altura pela combativa ong SOS-Habitat. Abrimos aqui um parêntese para dar a conhecer a quem ainda não sabe, que o responsável da SOS-Habitat, o Luís Araújo, terá sido, segundo as nossas fontes, aconselhado a gozar umas merecidas férias além fronteiras. Isto, para evitar que algo de mais grave lhe possa acontecer ao esqueleto, do tipo esgotamento físico-mental, como resultado da sua actividade ao serviço dos direitos humanos. Esta profissão (activista cívico) voltou a ser de alto risco entre nós, sobretudo agora com a nova “guerra” das terras urbanas e rurais que já é um facto, enquanto se aguarda pela autorização do Parlamento para que a mesma possa ser oficialmente declarada. Nesta “guerra” que ainda esta semana nos trouxe notícias dramáticas de uma batalha realizada no Quifica, lá para as bandas do Benfica, de um lado estão os pobres que, desesperadamente, se querem urbanizar nas fronteiras das grandes cidades com destaque para Luanda. A tendência para a urbanização, com a consequente desertificação das zonas rurais é mundial e já há muito pouco a fazer para a contrariar. A Cidade do México fala bem deste êxodo. Na outra trincheira, está a classe média alta e os ricos que têm do seu lado o camartelo do Governo e das administrações locais por força dos interesses convergentes dos seus dignitários e respectivas famílias preocupados em não permitir que a mancha ameaçadora da pobreza e da exclusão social se aproxime muito das suas habitações e dos seus luxuosos condomínios que estão a ser erguidos a todo o vapor na cintura peri-urbana da capital. Nas zonas rurais a situação é igualmente complicada com o “assalto” às terras ancestrais dos indígenas, sendo nesta altura o município do Waku Kungo um dos principais palcos desta movimentação “bélica”. Em Angola, o conceito marxista-leninista da luta de classes volta assim a fazer todo o sentido, cerca de 20 anos depois do PT ter sido “substituído” por um EME- social-democrata, entenda-se, completamente aburguesado. É por estas e por outras, que os mais ácidos detractores da estratégia governamental, estão cada vez mais convencidos que o Executivo em vez de eliminar a pobreza conforme se tinha comprometido, achou que era mais eficaz e prático combater directamente os pobres para acabar rapidamente com aquele flagelo social que não dignifica em nada o novo membro da OPEP, que se prepara para fixar a sua quota em dois milhões de barris por dia. A confirmar-se a existência esta estratégia é evidente que ela, para além de não resolver rigorosamente nada, só vai complicar ainda mais a já de si precária estabilidade que se vive em Angola, a antecipar cenários de violentos confrontos sociais, conforme tem vindo a alertar o Frei João Domingos nos seus sermões dominicais dirigidos especialmente aos nossos “peixes trungungeiros”. É pena que ninguém lá de cima ouça, com olhos nos ouvidos, este pregador a clamar no deserto de um país que se está a desumanizar a cada dia que passa, por força da ganância e da avidez, que se vão certamente reforçar com o aproximar das eleições, como sendo os dois principais valores da actual nomenklatura. É lamentável que os (nada) católicos membros do Governo se estejam a marimbar para tantos e tão sérios avisos à sua navegação. Aqui fica mais um deste vosso pregador… Mas voltemos à notícia da visita do Grupo de Trabalho da ONU sobre Detenções Arbitrárias que, segundo a nota de imprensa que nos foi enviada pela Celeste, terá tido início na passa terça-feira com uma duração prevista de 10 dias. Considerando que este Grupo desde a sua criação em 1991 só visitou dois países africanos (Africa do Sul e Guiné-Equatorial) sendo Angola o terceiro, é de admitir que o mesmo esteja na posse de informações muito preocupantes sobre a situação da privação da liberdade em Angola. Sintomáticas destas preocupações, estão as deslocações do Grupo às províncias de Cabinda e da Lunda-Norte (Dundo), duas regiões do país de onde, para além de Luanda, nos têm chegado mais (e más) notícias sobre violações dos direitos humanos. É de admitir igualmente que o mediático caso Miala tenha sido a gota de água que fez transbordar o copo do Grupo aconselhando-a a deslocar-se o mais rapidamente possível a Angola. No meio de todas estas preocupações ressalta como nota menos negativa, a aparente disponibilidade das autoridades, patente no programa da visita do GT, em dialogar com os especialistas das Nações Unidas, o que não poderia ser de outra forma, depois das novas responsabilidades internacionais que o Governo assumiu este ano. É evidente que só no final desta pouco confortável visita será possível, com base nas constatações dos cinco “turistas”, ter uma ideia mais exacta de como decorreu a sua missão em terras angolanas que tem na agenda um leque bastante variado de contactos, onde se incluem visitas a prisões, centros de detenção para estrangeiros e hospitais psiquiátricos. Como membro do Conselho da ONU para os Direitos Humanos, o espaço de manobra do Governo nesta matéria está agora muito mais apertado. Depois dos louros diplomáticos colhidos com a eleição para aquele organismo internacional, o Governo só agora se terá apercebido que o conteúdo da carta de compromisso voluntário que subscreveu, como condição de entrada, é mesmo para cumprir.