segunda-feira, 25 de maio de 2009

Africa nossa: Entre o 25 e o 27 de Maio

Com os ingredientes de sempre, o encontro com a memória e com a amizade terá lugar nesta segunda-feira, 25 de Maio, Dia de uma África que já foi bem pior, quando em Angola se massacraram, por razões políticas, milhares de jovens na sequência dos acontecimentos do 27 de Maio de 1977. Esta África, lamentavelmente, ainda não pertence ao passado e muito menos está enterrada definitivamente, como foram as suas vítimas angolanas em valas comuns a quem, uma vez mais, estamos aqui a prestar a nossa mais profunda homenagem à espera que algum dia destes a sua memória seja reabilitada como dignos filhos desta pátria. Em África continuamos a ter notícias tristes e sangrentas sobre a eclosão de agudos surtos de violência e intolerância políticas um pouco por todo o lado, embora a tendência já não seja tão preocupante. É, contudo, uma tendência que ainda é frágil e está pouco sustentada, mesmo lá onde o exercício das urnas democráticas e da alternância política já é uma realidade com alguns anos de estágio certificado por conceituadas agências internacionais. Os exemplos recentes de violência política falam bem desta África violenta que às vezes está apenas adormecida, quando tudo parece correr bem. A proximidade do 25 de Maio, Dia de África, com o 27 de Maio, Dia que agora já ninguém quer saber para nada, é de facto uma oportunidade para relacionarmos as efemérides e olharmos para o lado mais complicado e mais nebuloso do nosso continente, porque ele efectivamente continua a existir, a fazer vítimas, a condicionar fortemente o livre exercício da cidadania e a própria imagem de todo um continente. Este lado tem a ver com o exercício físico do poder político por parte de um conjunto de lideranças africanas que mesmo no limite das suas capacidades físicas e etárias continua a pensar em tudo, menos em retirar-se na maior das calmas e ir para casa descansar e escrever as suas memórias. Pelo que julgo saber, muito poucos terão sido os representantes desta geração que deixaram para a posteridade livros com um tal cunho. Não gostam de escrever memórias porque nada têm para transmitir às gerações futuras, para além de uma experiência política maquiavélica muito pouco recomendável para menores de idade que são os nossos jovens. Por isso, preferem não escrever nada, evitando deste modo deixar para o futuro as impressões digitais de um passado pouco saudável, que vai certamente desaparecer com eles. Com esta “paixão” pelo poder estas lideranças não gostam sequer que alguém lhes fale em sucessão ou em transição. Tudo é tabu. Mais grave do isso e porque não permitem que o debate seja iniciado, o próprio país começa a entrar em pânico só de pensar na possibilidade deles desaparecerem. Já é altura dos políticos africanos, de uma vez por todas, os mais velhos e os mais novos, assumirem a política como um serviço público, como outro qualquer com direito à reforma e deixarem de pensar que depois deles não haverá mais ninguém com capacidade para segurar o leme de um barco, por vezes tão mal dirigido durante o seu consulado. É só isso que lhes estamos a pedir nesta jornada africana, cuja proximidade com o nosso 27 de Maio não é possível ignorar.

segunda-feira, 18 de maio de 2009

5ª Edição do Almoço Evocativo do 27 de Maio (actualizado)

Com os ingredientes de sempre, o encontro com a memória e com a amizade terá lugar no próximo dia 25 de Maio pelas 14 horas no jango da Chá de Caxinde, na baixa de Luanda. É Dia de África, é feriado e calha numa segunda-feira. Quatro mil kwanzas mais uma bebida ao gosto de cada um, será este ano o custo do reencontro. Para mais informações sobre as inscrições estão disponíveis os contactos 912506443/912501144 O recado de sempre aos patrocinadores que têm sabido corresponder ao nosso apelo sobretudo com molhados (bebidas). No seu género, este almoço acaba por ser uma referência solitária na nossa desértica paisagem política onde tem sabido sobreviver à voragem do tempo e à conspiração do silêncio, depois de todo o barulho que já foi feito em relação à data, quando neste país só se ouvia uma voz e só se contava uma versão dos factos. O género é o da preservação da memória e da homenagem a toda uma geração que foi sacrificada no altar da violência e da intolerância do estado, que foram de facto e de jure os valores mais intrínsecos e estruturantes que fizeram morada entre nós ao longo de toda a primeira república popular. Vivemos num país onde a história ainda é ministrada nas nossas escolas como uma disciplina de formação e condicionamento político-ideológico dos nossos jovens. Em relação ao 27 de Maio o que se consome actualmente é uma historiografia oficial, a também conhecida "história dos vencedores", que a honestidade intelectual deveria aconselhar-nos a saber colocar na respectiva prateleira, que sem ser bem a do esquecimento, também já não está em condições de asfixiar pela via da intimidação (aberta ou velada) as outras parceiras da mesma empreitada. A história que por si só já é considerada uma “disciplina fundamentalmente ambígua”, encontra no passado angolano um território onde as areias são demasiado movediças, pelo que não será tão cedo que iremos ter entre nós a história de todas as histórias que andam por aí à solta. Para já vamos mesmo ter de investir o máximo na recolha da memória viva que todos os dias se perde um bocado com a morte dos protagonistas. Depois em função do andar da carruagem, logo se verá. Continua a estar tudo em aberto!

Nova edição da Purga

Esta 3ª edição, agora da «TEXTO», contém mais 50 páginas que a antiga, com novos dados que reforçam tudo o que antes tínhamos dito. E incluí, ainda, uma análise das dezenas de reacções ao livro, nos meios de comunicação social e em sites e blogues, reacções à esquerda e à direita, do excelente ao péssimo, passando pelos insultos e até pelas ameaças de morte. Donde se comprova que a defesa dos direitos do homem e a denúncia do que poderíamos designar como crimes contra a Humanidade é, em certos casos, uma tarefa perigosa. Todo o material que serviu de suporte a este livro, documentos, entrevistas gravadas e transcritas, jornais e revistas, inclusivé filmes dos acontecimentos, foi depositado na Torre do Tombo, para consulta nos termos e prazos legais. Um abraço do Álvaro Mateus

Novamente o debate racial

1-Nas últimas semanas e depois do Bilhete de Identidade (BI) ter voltado ao parlamento tendo em vista a sua reformulação, alguns dos nossos mais conceituados fazedores de opinião, onde nesta altura Yanick Gombo já é a estrela mais reluzente, abordaram nas suas colunas mais ou menos sonoras, a questão racial, conferindo-lhe alguma visibilidade numa sociedade em que era suposto a mesma já não suscitar tantas preocupações. A referência de proa ao Afroman tem a ver com a sua música mais recente que ele próprio, numa manifestação de auto-censura, de acordo com as suas palavras, decidiu não incluir no último disco. A música conseguiu, entretanto, “fugir” de casa e já está na rua e na internet a fazer subir ainda mais a sua cotação no mercado, onde já se diz que ele é o rei das vendas e das multidões. Acredito mas não mudo de equipa. Com os ouvidos atentos a tudo e a todos, continuo a ser um fã incondicional do Matias Damásio, depois de já ter eleito o "Coisas da Vida" de André Mingas como o melhor trabalho até agora produzido pela pela renovada música angolana de raíz. Estou, obviamente, a falar do semba. Devo confessar que tive alguma dificuldade em acompanhar o Yanick neste seu novo "balanço", tantas, tão cruzadas e tão asperas, foram as críticas que ele fez a tudo e a todos na sua quilométrica e curvilínea prosa. Por exemplo, fiquei sem perceber se ele está contra ou a favor dos relacionamentos entre pessoas de raças/cores diferentes ou se há algum problema mais grave neste âmbito para além dos supostos complexos que Yanick diz existirem. Para além dos “beefs” do Yanick, retive ainda as preocupações do Ismael Mateus (IM) que sinceramente me deixaram a pensar durante alguns dias devido à profundidade das mesmas, quando ele, por exemplo, diz que os negros deste país não podem andar a pedir licença para serem negros. É muito grave o que ele diz, mas continuo a pensar e a defender o mesmo quando em debate está a questão racial e todas as suas problemáticas conexas. Acho que não se deve confundir a arvore com a floresta, por mais que algumas das arvores por força de determinados ventos mediáticos, a certa altura do nosso precurso, se queiram substituir à paisagem. Sou o primeiro a abraçar o conselho do IM. Tem de facto de "haver tranquilidade nestas questões." 2-Depois do segregacionista colonial-fascismo ter sido violentamente atirado para o caixote de lixo da nossa história, por culpa de dois ditadores de pacotilha que estiveram no poder em Lisboa durante cerca de 50 anos, Angola assumiu a sua verdadeira identidade como sendo um país de maioria negra. Não tenho a menor dúvida a este respeito, nem poderia ser de outra forma, tendo em conta o carácter bastante homogéneo da nossa população do ponto de vista da sua composição racial. Para além da população negra de origem bantu e da abandonada minoria koisan que habita na nossa parte mais meridional, Angola tem no seu espaço territorial, como resultado da própria colonização, uma percentagem de angolanos tidos como não negros e que podem ser reunidos no grupo dos mestiços de vários matizes. A sua identidade racial tem suscitado por vezes alguma controvérsia quando se trata de proceder a sua identificação mais formal, como aconteceu com o Bilhete de Identidade que agora está a ser revisto. Como é evidente não nos poderíamos esquecer da percentagem ainda menos expressiva dos angolanos brancos que completam o nosso “xadrez étnico” e fazem de Angola um país relativamente estável e consolidado do ponto de vista da coabitação entre os seus vários grupos étnicos. Antes de mais, devo referir que não há absolutamente nada de anormal e muito menos de condenável, o país, que somos todos nós, querer conhecer qual é exactamente a composição da sua população sob todos os pontos de vista, incluindo, obviamente, o racial. Os censos populacionais servem exactamente para se proceder a este necessário, importante e estratégico levantamento periódico (com intervalos de 10 anos) que Angola já não realiza há mais de 35 anos, pois o último exercício do género, que se tem conhecimento, aconteceu ainda durante a vigência do regime colonial em 1970. 3-Para conhecermos exactamente quantos e quem somos nós para todos os efeitos, o que Angola tem que fazer é organizar urgentemente o seu primeiro recenseamento geral da população no pós-independência, pois não acho que a via do BI seja a mais adequada para se conseguir obter toda a informação que se deseja sobre a composição da população angolana. Mais preocupado com as questões ligadas ao desenvolvimento económico, à distribuição do rendimento nacional, à transparência da governação e à luta contra a pobreza e o respeito dos direitos humanos, porque é por aí que vamos resolver as grandes e gritantes injustiças deste país, não costumo dar muita importância ao debate da questão racial, o que não quer dizer que ela não exista e que o proposto tema não seja relevante. Fui certamente uma das pessoas deste país que não me preocupei nem um bocado com a “maka” da introdução da raça no BI, diante da dimensão dos nossos múltiplos e gravíssimos problemas sócio-económicos. Em abono da verdade para mim nunca houve “maka” nenhuma e até achei divertido o assunto depois das histórias que fui tendo conhecimento na hora da identificação oficial dos nossos “diamulas”, com uns a entrarem negros e a saírem mestiços e vice-versa. Ainda no âmbito deste “dossier” achei igualmente interessante a informação segundo a qual foi um deputado do MPLA o responsável pela introdução da “emenda da raça” no projecto governamental que Paulo Tchipilika levou ao Parlamento. Não foi, portanto, o Governo a tomar tal iniciativa. Na hora da votação registou-se uma grande e pouco usual concordância entre as maiorias das bancadas do “Eme” e do “Galo Negro” no sentido do elemento raça ser introduzido no BI, contra uma minoria que votou contra. Nunca consegui saber quem foram os deputados que se opuseram à “racialização” do nosso BI. Aguardo pois com alguma expectativa pela próxima votação do novo projecto de BI ( sem o elemento raça) que o Governo fez chegar ao Parlamento. Sei que o autor da anterior emenda não faz parte neste momento da composição do actual hemiciclo. 4-Em termos de prioridades, como já referi, a minha agenda é outra, pois acho que algumas das tensões que continuam a assaltar e a preocupar a nossa sociedade, incluindo as raciais, só serão ultrapassadas quando a gestão sócio-económica deste país pensar mais seriamente, para além dos discursos e de toda a estafada retórica política que anda por aí, na enorme mancha de pobreza que nos envergonha enquanto país com tantas potencialidades e virtualidades. De facto e para além do petróleo, o nosso outro grande produto de exportação são as imagens de miséria social e de degradação humana ao lado dos luxuosos e blindados condomínios, que andam pelo mundo afora a falar bem mal do país real que é Angola. Enquanto isso não acontecer, enquanto os angolanos não beneficiarem dos dividendos da paz, as tensões políticas, sociais, tribais, regionais e raciais, vão de facto multiplicar-se e agravar-se e todo o terreno será fértil para se lançarem as sementes da confrontação, do ódio e da violência. Não quero com este “alerta”, enviar qualquer recado menos encorajador aos proponentes do debate racial que desde já gostaria que reflectissem nesta problemática de uma forma o mais abrangente, descomplexada e isenta possível, isto é, tendo em conta todos os seus contornos e todas as queixas e reclamações que se vão ouvindo aqui e acolá. Com efeito e se olharmos com olhos de ver, sem as habituais ramelas do preconceito, nos “dois lados da barricada” facilmente encontraremos recriminações mútuas, sendo as manifestações mais ou menos racistas ao nível dos indivíduos assumidas tanto por negros, mestiços e brancos. É só assistirmos a uma discussão de rua para ver com que insultos é que ela começa e termina. Parece não haver muitas dúvidas a este respeito. Acabamos por registar queixas vindas de todos os lados, sem incluir aqui as instituições onde a questão parece ser ainda mais sensível. Antes de chegar a outras conclusões em termos mais percentuais, o que pretendo é convidar/desafiar todos aqueles que estão realmente interessados em discutir o assunto com o propósito sério de contribuir para a sua eventual solução, a passarem para a fase seguinte do debate racial o que implica necessariamente uma maior frontalidade. Frontalidade para deixarmos a fase da generalização, que é aquela que ainda estamos com ela, para passarmos à fase da identificação concreta dos casos mais graves e recorrentes que envolvam manifestações de rejeição do outro apenas por causa da sua raça. É igualmente nesta fase que teríamos de identificar as instituições e locais de diversão onde a pratica do racismo tem vindo a ser detectada pela vigilância da nossa sociedade e reflectida em alguns escritos e letras musicais. Como fazer este “trabalho” com alguma eficácia é que parece ser o grande problema. Para já, apenas temos para oferecer o método do debate contraditório e os espaços da comunicação social disponíveis que também não são muitos.

Lando Fufuta:Um exemplo na luta contra o silenciamento

De seu nome completo José Lando Fufuta, é também conhecido como sendo o Presidente da Associação de Apoio para o Desenvolvimento da Baixa de Cassange. Pelo andar barulhento e algo fumarento desta pequena carruagem da sociedade civil angolana, não tarda que a associação do Sr. Fufuta venha a ser ilegalizada por quem de direito, acusada de estar a poluir politicamente o saudável meio ambiente que se vive no país.
Como é evidente, estamos longe de partilhar desta avaliação climática, embora reconheçamos alguns progressos no nosso boletim meteorológico que já não tem nada a ver com o passado. Lamentavelmente, ainda continuam a chover neste país demasiados canivetes e picaretas contra os direitos fundamentais da pessoa humana, o que já não deveria acontecer.
Lamentavelmente e o que é mais grave, a própria legislação quando não é omissa, acaba por estar em desacordo com a constituição em matéria de liberdades e direitos fundamentais.
É o caso da Lei das Associações, fortemente atacada pelo vírus da inconstitucionalidade. Enquanto ela não for revista, quem de direito pode ilegalizar quem quiser e quando bem lhe apetecer. É só a associação descontente abrir o bico para protestar que leva logo com um cartão vermelho, porque a norma diz que tais organizações podem ser livremente constituídas, mas não podem utilizar como seu instrumento de trabalho um direito fundamental que é a liberdade de expressão. Ponto final. Paragrafo. Pela sua postura abertamente crítica em relação ao comportamento das autoridades na região de onde é originário, o Sr. Fufuta não é bem uma flor que os círculos oficiais deste país gostem de cheirar muitas vezes ao dia. E quando tal acontece, o que se passa é que a tal flor deixa imediatamente de poder cheirar os microfones da comunicação social pública, melhor dizendo, da comunicação social governamental. Há muito que o Sr. Fufuta é persona non grata.
Toda a gente sabe disso, começando pelo próprio, que é certamente um angolano que aprendeu rapidamente a conferir todo o valor ao pluralismo informativo, como um dos pilares mais sólidos da liberdade de imprensa.
Graças ao pluralismo, este país já não tem só uma rádio, um jornal e uma televisão. Graças a ele, o Sr. Fufuta vai continuando a falar e a defender a sua causa, quer o governo goste dele, quer não. Depois de ter ouvido o Conselho Nacional de Comunicação (CNCS) criticar a comunicação social pública em Fevereiro deste ano por estar a silenciar os partidos da oposição e as sensibilidades mais críticas da sociedade civil, o Sr. Fufuta decidiu testar o Conselho apresentando-lhe em Abril uma queixa contra a RNA e o Jornal de Angola por “fechamento deliberado”. Por falta de provas o Sr. Fufuta perdeu a acção intentada contra a média estatal, mas conseguiu que o CNCS reafirmasse na sua deliberação o direito que os cidadãos têm de fazer ouvir a sua voz através da comunicação social. “Sem entrarmos exactamente no mérito da queixa, afigura-se importante referir que à luz das obrigações legais que impendem sobre os meios de comunicação social públicos, constitui conduta reprovável o alegado “fechamento deliberado” como aponta a Associação de Apoio para o Desenvolvimento da Baixa de Cassange, ao comportamento da midia estatal. Saliente-se que todos os órgãos de comunicação social têm a responsabilidade social de “informar o público com verdade, independência, objectividade e isenção, sobre todos os acontecimentos nacionais e internacionais, assegurando o direito dos cidadãos à informação correcta e imparcial”, (alínea b) do artigo 11º da Lei n. 7/06, de 15 de Maio). O mesmo artigo na sua alínea c) refere ainda que a imprensa deve “assegurar a livre expressão da opinião pública e da sociedade civil”. Para além disso o Sr. Fufuta conseguiu ainda que o CNCS voltasse “a recomendar aos órgãos de comunicação social que tenham em devida conta, à luz das obrigações legais, o dever de ouvir todas as sensibilidades e sectores da nossa sociedade sempre que em causa estiver a salvaguarda do interesse público.” O interesse público, é bom que fique claro, não é apenas assumido ou defendido pelo governo como à primeira vista se poderia supor. A permanente lavagem cerebral por intermédio dos “choques mediáticos” a que estamos sujeitos reforça igualmente esta ideia de exclusividade. Quantos e quantos governos já não foram pelo ralo abaixo exactamente por estarem contra o interesse público, fazendo prevalecer os interesses particulares da sua nomenklatura. Salvaguardar o interesse público também é, por exemplo, “promover a boa governação e a administração correcta da coisa pública”. É igualmente “assegurar a livre expressão da opinião pública e da sociedade civil”. Aparentemente derrotado, apenas por razões técnicas, o Sr. Fufuta acaba por ser um exemplo que importa seguir e destacar. Com o Sr. Fufuta aprendemos uma vez mais que neste país, calados, para além de não mamarmos também não vamos a sítio e muito menos contribuímos para que os poderes públicos se democratizem. A democratização da média estatal continua a ser um grande objectivo em Angola que ainda está muito longe de ter sido alcançado e que às vezes, até parece que se está a distanciar a grande velocidade, quanto mais nos aproximamos dele. Dá para entender?

segunda-feira, 11 de maio de 2009

5ª Edição do Almoço Evocativo do 27 de Maio

Com os ingredientes de sempre, o encontro com a memória e com a amizade terá lugar no próximo dia 25 de Maio pelas 14 horas em local a indicar oportunamente. É Dia de África, é feriado e calha numa segunda-feira. Para mais informações sobre as inscrições estão disponíveis os contactos 912506443/912501144 O recado de sempre aos patrocinadores que têm sabido corresponder ao nosso apelo sobretudo com molhados (bebidas).

A liberdade de imprensa e a nova marginal de Luanda

1-Algo surpreendido pelo seu desempenho, devo confessar que gostei imenso de ouvir o Presidente da Assembleia Nacional, Fernando da Piedade Dias dos Santos (Nandó), defender o princípio do contraditório como sendo uma das traves mestras da actividade jornalística. De facto, e logo eu que me estou sempre a recordar do passado policial e securitário de Nandó, nunca me passou pela cabeça vê-lo um dia destes nas vestes de um paladino da liberdade de imprensa, com um discurso tão de acordo com os mais radicais e íntegros princípios do jornalismo de referência. "Nós partilhamos dessa visão do processo comunicacional e, com as autoridades competentes do Estado, devemos assumir o compromisso de fazer com que as potencialidades dos Meios de Comunicação Social, porventura não usadas ou insuficientemente exploradas até aqui, sejam canalizadas para o reforço da liberdade de expressão, do respeito dos valores éticos e deontologia jornalística, do aprofundamento do diálogo inter-cultural e da superação de estereótipos ainda existentes". Nandó falava por ocasião do Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, o 3 de Maio, na abertura de um colóquio alusivo a data, promovido no dia seguinte pelo Parlamento. O que o Presidente da Assembleia Nacional não se deve esquecer de agora em diante é das suas próprias palavras sobre o jornalismo e da história do peixe que (normalmente) morre pela boca. É apenas isso que lhe pedimos e que certamente lhe vamos cobrar quando chegar a altura de acertarmos algumas contas mais complicadas com as liberdades fundamentais, tão usadas no discurso mas tão esquecidas na prática e no dia-a-dia. Terão sido as primeiras palavras de Nandó sobre a imprensa e a liberdade?
Não sabemos.
O que sabemos é que ele desta vez falou muito bonito mesmo, como nunca tínhamos ouvido de ninguém lá de cima. Nota 10 para o seu assessor que ainda não sabemos quem é. Com mais esta iniciativa a Assembleia Nacional mantém (reforça) a nota positiva que já lhe havíamos atribuído aqui há duas semanas, quando dissémos que a nova legislatura estava a emitir sinais diferentes no seu relacionamento com o Governo. Esta semana tivemos a 4ª Comissão chefiada por Nzau Puna a contactar o governo sobre a maka das casas, das demolições e dos realojamentos no deserto do Zango. Ainda não houve balanço, porque os contactos vão prosseguir. Agora só falta mesmo a 6ª Comissão ir até ao Zango ver como é que os angolanos são forçados a viver quando lhes são negados os seus direitos fundamentais pela administração de um Governo que eles elegeram muito recentemente. Não é nada disso! 2- O Governo, na pessoa de Higino Carneiro, inaugurou mais uma marginal em Luanda, esquecendo-se de nos dizer o que é feito da outra marginal que está em obras desde 2007, com todas as consequências desastrosas que se conhecem para a paisagem da nossa baía. Nenhum dos jornalistas presentes no acto de arranque da obra da nova marginal (Luanda sudoeste) perguntou a Higino Carneiro o que se está a passar com as obras paralisadas. Também não perguntaram nada sobre as consequências sociais e ambientais da nova obra que se vai estender por mais de oito quilómetros. Mas será mesmo que estiveram lá jornalistas? De facto e de jure andar com um microfone e uma máquina de gravar não confere a ninguém a categoria de jornalista. Nunca conferiu. Jamais irá conferir. Então quem é que esteve lá? Ouvimos antes Bento Soito, o Vice de Luanda, dar a conhecer, através da LAC, que as obras do Projecto Baía deverão reatar no próximo dia 18. Soito disse que não podia dizer mais nada porque também não sabia. Disse para irem perguntar ao Higino Carneiro. Soito disse, entretanto, que o Governo de Luanda também não estava a gostar nada de ver a baía naquele lastimável estado de choque. Pelos vistos ninguém está a gostar, o que já não é nada mau para inicio de conversa.

O titanic angolano está em risco?

Os bancos comerciais estão muito preocupados com o impacto negativo do mais recente Instrutivo de Política Monetária do BNA (4/09 de 20 de Abril), ao ponto de já terem feito chegar ao Executivo os seus receios em relação a desestabilização económica e financeira que o mesmo deverá provocar. Na sequência desta nova orientação que tem certamente muito a ver com o impacto da crise global em Angola, já se começou a ouvir falar do regresso à direcção da economia das ideias mais conservadoras (anti-mercado) que fizeram época durante o consulado de Emanuel Carneiro. O actual Ministro das Finanças, Severim de Morais e o novo Governador do Banco Nacional de Angola, Abraão Gourgel, são os dois, em termos de formação académica, oriundos de escolas comunistas. O primeiro formou-se em Cuba e o segundo na já extinta República Democrática Alemã (RDA). Esta coincidência parece estar a alimentar ainda mais os comentários que chegaram ao conhecimento nos últimos dias do Angolense sobre a possibilidade de se estar a assistir a um regresso ao passado, com todos os excessos que se conhecem da intervenção do estado na economia. Em recente carta dirigida ao Ministro das Finanças e ao Governador do Banco Nacional de Angola em nome da Associação Angolana de Bancos (ABANC), o seu Presidente, José de Lima Massano, não teve muitos rodeios em chamar as coisas pelo seu próprio nome, alertando quem de direito para a gravidade da situação em perspectiva. É dito na carta que a “redução de liquidez que resultará do cumprimento do mais recente Instrutivo de Política Monetária, é dos maiores perigos a que se pode expor a banca, pelo que se apela à sua revisão urgente, sob pena de se fragilizar de modo grave o sistema bancário e, assim, a inviabilização de projectos e programas com impacto no crescimento da economia”. Como resultado das novas orientações já são visíveis as reacções da banca comercial em consonância com as mesmas. É tendo em conta esta realidade que a ABANC “regista com grande preocupação que as instituições bancárias, como medida cautelar e de prudência, tenham iniciado um processo de redução acentuada de novas operações de crédito à economia não petrolífera, de agravamento involuntário do custo da intermediação e, não menos importante, de ajustamento de programas de expansão e modernização”. Os bancos comerciais reagem assim às medidas tomadas pelo Banco Nacional de Angola no tocante ao agravamento das reservas obrigatórias e à suspensão da emissão de Bilhetes do Tesouro e de Títulos do Banco Central. A carta da ABANC está a ser digerida pela nova equipa económica liderada pelo Ministro da Economia, Manuel Nunes Júnior, pois até ao momento, pelo que consta, ainda não houve uma reacção do Governo. A ABANC considera que com o actual assalto à liquidez da banca comercial, as instituições financeiras atingidas viram a sua capacidade de manobra afectada de “modo preocupante e inquietante”. Em causa está a “capacidade de o sector honrar compromissos assumidos, executar operações de rotina e perigosamente abrandar ou até mesmo parar a concessão de crédito à economia não petrolífera, com repercussões perversas nos objectivos defendidos pelo próprio Governo no seu Plano Naciona 2009-2012.” O quadro de risco é agravado, pode ler-se na missiva a que o Angolense teve acesso, “ pelo facto de o acesso ao redesconto para a tomada temporária de findos ser excessivamente oneroso e lesivo da manutenção de relações equilibradas de mercado”. Em relação ao mercado cambial as medidas adoptadas pelo Instrutivo do BNA também não convenceram os nossos banqueiros e bancários, pois “atingem de forma indiscriminada os operadores, expondo a estabilidade da banca como um todo”. A ABANC alerta o Governo para a possibilidade das actuais medidas, ao limitarem em demasia a função de intermediação da banca, puderem de forma involuntária contribuírem para um agravamento ainda maior da crise. Neste particular a ABANC faz recurso ao exemplo “de experiências recentes e conhecidas em que a ausência de liquidez no sistema financeiro levou à queda de economias mais robustas com custos elevados para o erário público”.
(Telmo Augusto/Angolense)

segunda-feira, 4 de maio de 2009

"Jornalismo de excitação"- Uma tese ao serviço do poder político

Depois da “peregrina tese” por mim defendida sobre a existência em Angola de um “jornalismo de ressonância”, fui nos últimos dias confrontado com uma outra “tese” (ainda não desenvolvida) que parece situar-se nos antípodas da minha e que tem a ver com a suposta prática na média local de um “jornalismo de excitação”. Diria mesmo nos antípodas do próprio conceito jornalístico, onde muito pouco ou quase nada se consegue sem o mínimo de “excitação”, numa altura em que está na moda a referência permanente a adrenalina, como sendo o motor de busca de toda a actividade humana mais ambiciosa nos seus propósitos. É muito fácil, note-se, identificar os produtos que resultam de intervenções onde os membros da classe optam por posturas menos “excitadas” ou mais “flácidas”, sem a tal adrenalina, no seu relacionamento com as fontes ou mais directamente com a própria realidade dos acontecimentos que são chamados a cobrir para os seus respectivos órgãos. O mais grave, é que muitas vezes acabam por ignorar a própria realidade dos factos, substituindo-a, quando estão diante de situações claramente conflituosas, por unilaterais declarações da polícia ou do governo em obediência a outros interesses que são profundamente estranhos à natureza abrangente, contraditória e inclusiva do jornalismo. Ouvir a polícia não significa necessariamente ignorar os manifestantes, nem ocultar as razões dos incidentes, que numa primeira abordagem têm sempre que resultar da apresentação das versões disponíveis. É esta natureza que confere à nossa profissão a credibilidade que ela ainda vai conseguindo manter (a muito custo) junto da opinião pública que sabe cada vez melhor separar o trigo do joio, identificando onde acaba o jornalismo e começa a propaganda, a desinformação, a manipulação e a intoxicação. A “excitação” que se pretende imputar ao jornalismo como um carimbo negativo, a ter em conta situações recentes do nosso quotidiano luandense, parece-nos mais ser uma crítica ao desempenho dos profissionais que querem estar no terreno dos factos, não como porta-vozes, mas apenas como repórteres. Em matéria de cobertura jornalística, Angola não pode ser diferente dos outros países. No “jornalismo de ressonância” o profissional transforma-se num mero transmissor e amplificador das informações que a fonte está a debitar num determinado encontro, sem qualquer preocupação, por exemplo, em relacionar as mesmas com factos anteriores conexos ou previsões futuras pertinentes resultantes de uma imperativa análise circunstancial. Da breve pesquisa que efectuei com recurso ao “Big Google”, colocando entre aspas a referida expressão, apenas encontrei o mesmo autor, que é o nosso antigo Jota Malanza (JM), como sendo o defensor em dois momentos distintos da prática do dito “jornalismo de excitação”. Para além do texto da última segunda-feira (27/4) que o Jornal de Angola deu à estampa, encontrei a mesma expressão o ano passado, proveniente da sua criativa lavra e igualmente debitada no mesmo periódico, onde o colunista constitui efectivamente uma referência solitária na promoção do debate contraditório de ideias dentro e fora da sua família política. Para melhor compreensão do que estamos aqui a tentar discutir, citarei as duas passagens onde JM faz uso da tal expressão. [“Se eu defendo o direito de todos os cidadãos de manifestar a sua opinião sobre a necessária reurbanização de todas as cidades do país – e, mais amplamente, sobre o reordenamento do território nacional no seu conjunto -, discordo em absoluto do incitamento de certos políticos a actos de revolta social injustificada, assim como da cobertura demagógica de um certo “jornalismo de excitação”, que confunde democracia com irresponsabilidade.”-2009 (…) “Uma nota final para o papel da mídia na alimentação e reprodução da mentalidade catastrofista. Até projectos que se pretendem referenciais começam a cair na tentação do “jornalismo de excitação” praticado entre nós, em termos de cobertura política. Isso é comprovado por uma série de vícios jornalísticos básicos, da assumpção acrítica de declarações dos diferentes actores políticos ao recurso a expressões vulgares para transmitir ou comentar os factos políticos”-2008] Devo confessar-me um dos leitores mais atentos de JM, o que faço com muito gosto mas com sabor a muito pouco. No referido diário ele acaba por se constituir na única pena realmente livre de outras “ressonâncias” que ultrapassam a consciência de quem anda nestas lides mais opinativas e acredita, como nós, que o país mudou para melhor. Acredita mesmo e age em conformidade com tal crença que é o mais complicado no país real que estamos com ele e que não tem nada a ver o com o país dos discursos, das grandes conferências e das intrigas permanentes. Está escrito no meu portal que a minha a minha principal "mania", para além de ser angolano e luandense de gema (calcinhas qb), é pensar que já sou um cidadão livre a viver num país democrático e, mais grave do que isso, agir em conformidade com uma tal suposição. Não me tenho dado mal de todo com esta "mania" de ser angolano e de ser livre, o que significa dizer que o país está a mudar para melhor. Algum dia tinha que ser, embora pela frente ainda haja muita pedra por partir, muita cabeça dura por abrir. Com JM ainda tenho de facto muita pedra por partir no domínio da problematização do fenómeno jornalístico, o que vou fazendo a espaços, sempre que a oportunidade surge para tal, como aconteceu agora nos últimos dias. Curiosamente e ao mesmo tempo que JM criticava o tal de “jornalismo de excitação” num outro texto da sua autoria publicado num outro jornal, era visível o seu agastamento com a “malta da imprensa” menos excitada mas que “também não ajuda”. Segundo ele os jornalistas dessa “malta” mais bem comportada, limitam-se a receber a informação institucional, a assistir as conferências de imprensa, mas “não fazem as perguntas que deveriam fazer, não questionam, não vão ao fundo dos assuntos, enfim acabam por funcionar, conscientemente ou não, como meros relações públicas. Por isso, o público fica sem saber o que realmente se passa e os comentaristas informais como eu, correm o risco de falar à toa”-Sic. Como é evidente estou inteiramente de acordo com as preocupações de JM, que vezes sem conta já dei à estampa. Claramente, nesta postura, está uma profunda ausência de “excitação” dos jornalistas que se comportam como “meros relações públicas”. Haverá pior ameaça para a sobrevivência do jornalismo?
São os mesmos jornalistas que diante de conflitos só podem ter o mesmo comportamento das conferências de imprensa.
Transformam-se em porta-vozes das autoridades.
Demitem-se. Desaparecem. Envergonham o próprio jornalismo. Não parece pois muito coerente da parte de JM criticar os outros jornalistas por uma alegada “cobertura demagógica”, quando o que eles procuram fazer é exactamente no terreno dos conflitos sociais, questionar com a necessária profundidade o que se está a passar, o que não é possível conseguir silenciando um dos lados da barricada. Se fazer isto é demagogia, então estamos conversados…