sábado, 1 de maio de 2010

Chegou ao fim o regabofe nas finanças públicas?

Do conjunto das informações, avaliações e considerações feitas no decorrer do balanço apresentado sobre os primeiros três meses do novo Executivo, retivemos a ênfase colocada na necessidade prioritária de se sanearem as finanças públicas. Trata-se de uma tarefa que em princípio já está em marcha com o apoio de uma renomada consultora internacional, embora de concreto, no balanço apresentado quarta-feira, nada tenha sido dito. Sem ser nossa intenção contestar o recurso a esta consultora, embora não conheçamos os termos de referência da sua intervenção, nem tenha havido nenhum concurso para o efeito, gostaríamos aqui de salientar que o último diagnóstico sobre a situação das finanças públicas angolanas é bastante recente e teve o patrocínio e a participação directa de altos especialistas do Banco Mundial, com o financiamento de várias instituições europeias. Pelos vistos, muito dinheiro foi gasto com este trabalho, sem qualquer serventia, para não variar. O diagnóstico em referência a que foi dada a designação de “Revisão das Despesas Públicas e da Responsabilização Financeira (PEMFAR) de Angola-2005” foi preparado em estreita colaboração com o Governo da República de Angola.
Não poderia ter sido de outra forma. Neste exaustivo levantamento estão apontados todos os “buracos” que integram a “manta de retalhos” em que se transformaram as nossas finanças públicas onde a lei é violada a cada esquina e as instâncias de auditoria e fiscalização pura e simplesmente não funcionam. Muito mais do que isso, os consultores apontaram de forma concreta todos os passos a dar (reformas estruturais) com a necessária urgência e determinação, no sentido de se ultrapassarem os clamorosos problemas identificados na gestão das nossas finanças públicas. Entre ausências, omissões e violações, com a agravante de todas as recentes recomendações constantes do PEMFAR terem sido ostensivamente ignoradas, o regabofe instalou-se nas finanças públicas, onde já tem estatuto de cidadania. Finalmente, o gravíssimo problema foi assumido frontalmente pelo Executivo como sendo a referência principal das atenções reformadoras da “tímida” estratégia conhecida por “Tolerância Zero”. Nada mais certo, em nosso entender, do que começar por aí a arrumação da “Casa-Grande”, com todas as consequências que se adivinham positivas para a vida de todos nós que nos encontramos a viver na “Sanzala”, caso efectivamente esta intervenção seja consistente com a intenção proclamada de gerir o que é de todos com transparência, rigor, parcimónia e justiça. De outra forma vamos ter a “secar” num gabinete qualquer do nosso labiríntico universo institucional, mais um diagnóstico, como aconteceu com o PEMFAR e com tantos outros que já foram produzidos ao longo dos últimos anos pelos mais iluminados “brains” da consultoria local e internacional, normalmente contratados a peso de ouro para a sua alegria e prosperidade pessoal. Para termos todos uma noção deste regabofe que vai pelas finanças públicas é altura de se começarem a fazer contas estimativas em relação aos recursos que, pelos mais diferentes e engenhosos estratagemas, desaparecem do circuito ou não chegam a quem de direito. As nossas estimativas são tão elevadas que nem nos atrevemos a revelá-las aqui, pois ainda somos acusados da prática de um novo e grave “crime de lesa-pátria” que é a especulação jornalística. De uma coisa, porém, estamos certos: Enquanto se mantiver a actual drenagem dos recursos públicos para locais não previstos no Plano e no OGE, a luta contra a pobreza e a exclusão vai continuar a ser uma mera ficção. A prova do que afirmamos poderá ser depois medida, nomeadamente, no aumento exponencial da criminalidade, mas não só.
(Este texto foi solicitado e publicado pelo semanário "O País" na sua edição deste fim-de-semana)