terça-feira, 4 de maio de 2010

Uma aposta séria na independência editorial

Oito anos depois, “A Capital” está aí bem “vivinha da silva” e ao que tudo indica disposta e com forças suficientes (que é o mais importante) para enfrentar a nova etapa da concorrência que, a este nível, devia ser balizada pelo próprio Estado. É ponto assente que até agora o Governo não tem sabido (ou não tem querido?) assumir as suas responsabilidades constitucionais, com o propósito de impedir o monopólio/oligopólio que no horizonte já começa a ameaçar o mercado da liberdade de imprensa com os seus asfixiantes tentáculos. Esta etapa, note-se, está a ser “imposta” ao mercado dos jornais e das revistas, pela entrada em cena e com alguma força, do capital privado, que, ao que parece, nem sempre é tão privado assim, pelo menos na sua origem, o que tem estado a alimentar algumas sérias e legítimas dúvidas quanto às suas reais motivações estratégicas. Com o risco de estar a incorrer em alguma imprecisão histórica, diria que, tendo como limite o espaço da segunda República (1992-2008), “A Capital” foi o último dos companheiros da primeira etapa da trajectória da imprensa privada (iniciada em 95 com o Folha-8), a surgir nas bancas como um projecto editorial independente tutelado apenas por jornalistas. Foi assim que começou a imprensa privada angolana. Admito que depois de “A Capital” terão surgido mais alguns títulos que poderiam ser incluídos nessa primeira etapa dos semanários luandenses, mas como não conheço muito bem os seus proprietários, fico-me por aqui nesta separação de águas. Etapa sem dúvida decisiva, que teve o grande mérito histórico de desbravar em Angola um caminho inóspito e bastante hostil, rumo à pouca liberdade de imprensa (para além do discurso oficial) que hoje possuímos, mas da qual já não abdicamos. Nem nós, enquanto jornalistas, nem o próprio país no seu conjunto, cuja lenta e contraditória democratização em muito tem estado dependente dessa liberdade fundamental. Já é difícil imaginar Angola sem liberdade de imprensa. Sendo o “caçula” do grupo, “A Capital” desde logo deu mostras que queria fazer alguma diferença temática e mesmo qualitativa com a oferta que já existia, tendo a sua aposta sido concentrada nas questões sociais de Luanda, com destaque para a criminalidade, onde o semanário dirigido pelo “puto” Tandala mantém uma liderança que todos lhe reconhecem. De facto “A Capital” destacou-se pela informação e mesmo por alguma investigação jornalística digna desse nome, que tem vindo a produzir em relação às ocorrências criminais que se verificam na nossa sociedade. Tendo em conta o peso crescente da criminalidade em Angola, com destaque para o chamado crime de colarinho branco, achamos que é aí que “A Capital” deve continuar a concentrar as atenções do seu jornalismo investigativo com a dinâmica e a profundidade que este género mais específico exige de quem o cultiva. Pelos montantes envolvidos e pelas graves e dramáticas consequências sociais de tais desvios, a corrupção de alto nível (esqueçam a do polícia) é neste momento um dos maiores crimes que tem lugar num país onde as cadeias estão apenas cheias com pilha-galinhas. Como seria de esperar, “A Capital” não conseguiu resistir ao apelo da política pura e dura, nem seria aconselhável que o fizesse, considerando a sua importância nos destinos da vida de qualquer país e muito em particular de um país real chamado Angola, onde até o sonho dos músicos já é ser político. “A Capital” conseguiu ser assim uma das tribunas da nossa imprensa mais livres e abertas ao debate político contraditório, quer através dos seus renomados colunistas residentes (mas não só), quer pelo próprio acompanhamento jornalístico que tem feito da vida nacional, nomeadamente, do percurso dos partidos, das instituições oficiais e dos titulares de cargos políticos e públicos. Oito anos depois, “A Capital” mantém-se fiel ao espírito do jornalismo independente e irreverente com que veio ao mundo angolano, que acaba por ser o seu grande capital que é o capital da credibilidade e da frontalidade. No actual universo da imprensa angolana, os concorrentes menos equipados do ponto de vista financeiro, que, grosso modo, são os da primeira hora, só têm para já, como vantagem concorrencial, esse imenso capital editorial. Parece muito pouco para fazerem frente aos novos gigantes, mas é tudo quanto o jornalismo tem para oferecer a uma sociedade que acredita na liberdade de imprensa. Neste 8º aniversário de “A Capital” para além dos parabéns, gostaríamos de desejar ao Tandala e aos seus “muchachos” todas as energias deste mundo para continuarem por aí bem firmes e com a bandeira da liberdade de imprensa bem içada no mastro das vossas ambições. Eu sei que não tem sido fácil, mas vale a pena continuar por este trilho. (Este texto foi-me solicitado e publicado este fim-de-semana pelo semanário "A Capital")