sexta-feira, 20 de agosto de 2010

E os outros infernos do pós-independência?

Tarrafal não era, certamente, um paraíso, como não era Roben Island onde Mandela purgou a maior parte dos 27 anos que esteve preso pelo apartheid. Conheci as duas cadeias apenas como turista. Mas conheci também uma outra e ouvi falar de outras tantas em Angola, já depois da independência. Desta feita já não foi como turista. Foi como preso ilegal de uma sinistra e tenebrosa policia política que marcou a ferro e fogo os primeiros anos da nossa dipanda. Só os que, entretanto, estiveram presos nas duas épocas poderão fazer a comparação com a devida propriedade entre os dois tipos de cadeia. Muitos deles estão aí, bem vivinhos da silva, e ainda têm bem conservadas as respectivas memórias em relação ao tratamento e a qualidade do serviço prestado pelos dois estabelecimentos prisionais: O do opressores colonialialistas e o dos nossos camaradas libertadores. Da memória, por sinal bastante fresca, que conservo da minha passagem pelas "nossas" cadeias, não tenho qualquer dúvida em afirmar que, na Angola do pós-independência, o inferno também esteve aqui e pelos vistos continua bem presente no péssimo atendimento que continua a ser prestado pelos estabelecimentos prisionais angolanos. Há um pormenor fotográfico que me chama a atenção nesta comparação entre o passado e o presente, entre o colonialismo e a independência. O meu já falecido pai que passou pela cadeida da PIDE de São Paulo em Luanda, onde com a minha mãe o ia visitar com seis anos idade (longe de imaginar o que se viria a passar comigo), deixou-me fotografias da sua estada naquele local ao lado dos seus companheiros, por sinal todos muito bem vestidos, com alguns deles a exibirem mesmo sorrisos. Eu, que cerca de 15 anos depois, viria a passar pela mesma cadeia, mas já sob a apertada e musculada gestão dos nossos camaradas, não tenho uma única prova fotográfica para deixar para os meus filhos. E não tenho, porque fotografias e papéis escritos eram rigorosamente proibidos pelos nossos guardiões. Eles sabiam bem porquê. Nós na altura também já imaginavamos. O que estavamos a viver naquela época não devia deixar muitos rastos para o futuro. Qualquer dia, ainda alguém me vai pedir provas sobre a existência dos nossos infernos carcerários nos "paraísos" criados pelas nossas independências.