domingo, 28 de novembro de 2010

Uma espessa cortina de fumo

Este sábado um pequeno grupo de amigos do António Jaime (AJ), assassinado há três anos, reuniu-se para almoçar, recordar a sua pessoa, homenagear a sua memória e celebrar a amizade, como sendo o valor mais importante que o falecido nos legou.
O nosso propósito foi o de rentabilizar ao máximo esta herança, fazendo a melhor aplicação de um capital que é aparentemente invisível e pouco atraente para quem só pensa "naquilo".
É uma herança que é muito nossa e que jamais ninguém nos irá retirar.
Não foi preciso sequer qualquer habilitação de herdeiros para ficarmos com toda ela.
Nos tempos que correm a amizade verdadeira também corre o sério risco de se transformar numa espécie em vias de extinção.
Com o António Jaime aprendemos que a amizade é um valor absoluto que não deve estar sujeito a qualquer lei do mercado, nem condicionado por qualquer tipo de conjuntura.
Ele soube como poucos separar o valor chamado amizade de todos os outros interesses que levam as pessoas a aproximarem-se umas das outras.
António Jaime soube sempre preservar a amizade. Os seus amigos eram os mesmos de sempre.
O António Jaime foi morto aos 39 anos de idade por desconhecidos na madrugada no dia 24 de Novembro de 2007 , poucos minutos depois de ter deixado a discoteca Mayombe. Era um sábado.
Fui último dos seus amigos com quem ele falou, pois estávamos juntos naquela madrugada até os nossos destinos se terem separado de forma tão brutal e definitiva, quando apenas pretendíamos chegar ao Alcobaça por caminhos e viaturas diferentes para tomar um caldo, antes de irmos repousar. Só fiquei a saber da sua morte horas depois, cerca do meio dia.
Acredito que AJ antes de sucumbir crivado pelas várias balas dos seus algozes, incluindo o chamado tiro de misericórdia (que designação mais sinistra), ainda terá falado com um deles, mas isto só o saberemos no dia em que o crime for esclarecido, se algum dia
tal vier a acontecer, que é o que todos desejamos em nome da justiça que lhe é devida, que é devida aos seus familiares, que é devida a todos nós.
De toda a conversa que foi "produzida" nas várias horas que estivémos juntos este sábado, mesmo depois da EDEL/ENE nos ter retirado o direito à luz eléctrica (apesar de termos as contas em dia, sem qualquer dívida) destacamos aqui o facto preocupante de praticamente todas as fontes policiais com quem cada um de nós, ao longo destes três anos, foi contactando procurando saber de novidades, terem sido convergentes no desencorajamento do prosseguimento da investigação rumo ao esclarecimento do crime.
Ou seja, a ideia com que ficamos é que, para além de não haver qualquer interesse no esclarecimento, há mesmo uma cortina de fumo que foi lançada e uma postura de quase hostilidade/intimidação em relação a todos quantos querem saber do andamento do processo.
De facto é muito estranho que estes sinais tão perturbadores nos cheguem do sector que mais interesse deveria exibir no prosseguimento da investigação, com a agravante das fontes produtoras de tais sinais serem pessoas colocadas em níveis bastante elevados da hierarquia policial.
Uma destas fontes chegou mesmo a ameaçar-nos de forma velada, com um "conselho de amigo", alertando-nos para o risco de morte que estaríamos a correr em caso de insistência na necessidade de se esclarecer o homicídio do nosso kamba.
Não sendo tal comportamento uma novidade entre nós, tendo em conta outras atitudes do género, a sua banalização (subestimação) não é, certamente, a melhor forma de lidar com os referidos sinais.
Os resultados destas e de outras "omissões" estão à vista de todos, com os últimos acontecimentos da crónica policial.
Definitivamente, não se trata de criminalidade "normal".
Foi preciso, contudo, dois oficiais da própria corporação serem abatidos a sangue frio, uma verdadeira carnificina, a fazer lembrar-nos o "modus operandi" do ataque que vitimou o AJ, para o alarme soar.