segunda-feira, 18 de abril de 2011

A responsabilização das fontes oficiais

Na sua edição do passado dia 2 de Abril de 2011, o "Semanário Angolense" atribuiu-me a paternidade da ideia, segundo a qual “as entidades oficiais que não se aprestem a colaborar na prestação de informações de interesse público à mídia deverão ser levadas ao tribunal”. Em abono da verdade, o que eu disse na comunicação que apresentei sobre “O acesso às fontes e o jornalismo angolano” durante a conferência organizada pela Open Society foi que a actual lei é muito vaga a este respeito, pois apesar de garantir aos profissionais o acesso às fontes de informação necessárias ao exercício do direito do cidadão à informação e de orientar as entidades oficiais no sentido de facilitarem um tal acesso, acaba por ser omissa em relação às consequências resultantes da ausência desta colaboração. Acrescentei que os jornalistas são normalmente acusados de serem sensacionalistas e de outras práticas menos correctas, mas as fontes oficiais (e não só) que se recusam a dar informação acabam por passar em branco quando se faz o julgamento do produto final, entenda-se, quando por qualquer motivo o caso chega a tribunal. Na entrevista que no mesmo dia concedi a Angop, quem trabalhou as minhas declarações escreveu na abertura da sua notícia que “o jornalista Reginaldo Silva defendeu em Luanda, que as entidades oficiais, públicas ou privadas que se recusam a colaborar, por qualquer motivo, na prestação de informações de interesse público aos jornalistas, quando solicitados, devem merecer alguma consequência nos termos legais”. Na mesma notícia foi ainda dito, que eu questionei assim “o facto de a lei de imprensa dizer que as fontes oficiais, públicas ou privadas terem o dever de colaborar e de prestar informação aos jornalistas, mas não acarretar esta exigência qualquer sanção pelo não acatamento deste dever, havendo, deste modo, uma omissão.” Fui depois citado como tendo afirmado que “esta questão levanta alguma preocupação, porque os jornalistas, muitas vezes, quando têm problemas com a Justiça, acusados de sensacionalistas e de outros comportamentos menos éticos, são punidos, mas a verdade é que os jornalistas fazem algum esforço para contactar as fontes e as vezes não obtém qualquer colaboração”. Ainda segundo a notícia da Angop, eu afirmei que “a lei devia ser mais precisa no sentido de exigir que as fontes oficiais colaborassem com a comunicação social no sentido de prestarem a informação de interesse público”. Concluí, sublinhando que “uma vez que a lei é omissa, esta questão em análise deve ser vista em próxima legislação de imprensa”, tendo ainda esclarecido que as entidades oficiais “não são só as governamentais como também as igrejas, ongs, associações, clubes desportivas e outras que têm responsabilidades públicas”. No comunicado do Conselho de Ética e Deontologia do Sindicato dos Jornalistas Angolanos (COED), datado no mês de Janeiro, que subscrevo por inteiro, é manifestada “alguma preocupação com os critérios que normalmente decidem alguns processos contra jornalistas a favor dos reclamantes, sem qualquer intenção de interferir com a independência do poder judicial.” O COED acha que “nem sempre é devidamente valorizado nas sentenças o conceito legal que representa o interesse público em nome do qual, muitas vezes os jornalistas se movimentam e acabam por colidir com os chamados direitos de personalidade sem a deliberada intenção de manchar a reputação do queixoso”. O Conselho reputou ser da maior importância, para a consolidação da própria liberdade de imprensa, “que a jurisprudência entre nós, em matérias relacionadas com os direitos de personalidade, evolua rapidamente para uma abordagem mais dinâmica e equilibrada, considerando em primeiro lugar a protecção do bem maior que representa a defesa do interesse público”. Importa aqui salientar, por ser da maior importância para esta abordagem, que um dos aspectos que dá conteúdo ao interesse público do ponto de vista da informação jornalística, é a promoção da “boa governação e a administração correcta da coisa pública”. Destacamos este aspecto porque é nossa convicção que grande parte dos casos judiciais que envolvem jornalistas tem na sua origem matérias relacionadas com denúncias/acusações que afectam personalidades que têm responsabilidades públicas. Embora “ipsis verbis” não tenha defendido a criminalização da falta de colaboração das entidades oficiais (públicas e privadas) na prestação de informação de interesse público quando solicitada pelos jornalistas no exercício da sua actividade, acho que uma das consequências jurídicas desta silenciosa postura deveria ser a absolvição liminar dos acusados em processos que envolvem os chamados crimes de abuso da liberdade de imprensa/direitos de personalidade. A não ser atendido este pedido, a mencionada falta de colaboração deveria figurar no mínimo, como uma atenuante extraordinária, caso ficasse provada a inocência do queixoso. É importante esclarecer aqui que nos crimes de difamação, se o demandante for uma personalidade pública no exercício das suas funções, o jornalista tem o direito de fazer prova das suas afirmações. Acho mesmo que, se na instrução do processo ficasse suficientemente provado que o jornalista só publicou uma determinada informação depois de, sem sucesso, ter tentado contactar todas as partes envolvidas, o mesmo nem sequer deveria ser pronunciado, devendo o processo ser imediatamente arquivado. Este tipo de responsabilização indirecta das fontes oficiais (públicas e privadas) teria um efeito muito positivo na própria abertura/transparência das instituições e dos seus responsáveis, que é o que a própria Constituição exige no seu artigo 52 ao apontar que “todo o cidadão tem o direito de participar na vida política e na direcção dos assuntos públicos, directamente ou por intermédio de representantes livremente eleitos, e de ser informado sobre os actos do Estado e a gestão dos assuntos públicos nos termos da Constituição e da lei”. É pois importante que a próxima legislação sobre a imprensa no que fiz respeito à responsabilização das fontes oficiais, resulte de algum consenso mais sério entre a classe e o poder político em nome de um direito fundamental (direito à informação), mas que acaba por não ter garantias suficientes para ser um direito real/efectivo. (Este texto foi publicado na edição deste fim-de-semana do SA)