terça-feira, 15 de novembro de 2011

A minha homenagem a Siona Casimiro (2)

Do militante partidário activo e engajado já na República Popular dos anos 70/80, Siona Casimiro soube perceber anos mais tarde que as fidelidades partidárias atrapalhavam profundamente o desempenho independente do jornalista e resolveu pôr de lado a apertada camisola politico-ideológica do passado para envergar apenas a batina solta da profissão, de um métier que ele já dominava muito antes e melhor que todos nós, cujo tirocínio tem inicio na década de 60, conforme atesta o conteúdo do seu livro que hoje nos trouxe até aqui para o seu lançamento.

A mudança de rumo e de opção valeu-lhe o saneamento político na instituição chamada Angop, que ele havia ajudado desde o princípio a criar e o desemprego como prémio de consolação, como aconteceu com outros de nós que bem no inicio da abertura optaram, com a proclamação do libertário e independente SJA, por fazer ouvir bem alto o seu grito do Ipiranga, quando, aparentemente ele já não se devia justificar.
Afinal de contas o pior estava apenas a começar, como se viu nos anos subsequentes com as ameaças, perseguições, ostracismos, intrigas e calúnias.
Só quem como o Siona e o autor destas linhas viveu a época (inicio dos anos 90) pode compreender as “originalidades” do processo político angolano, no arranque de uma transição democrática que até hoje está por concluir, mais de 20 anos depois, do Governo e da UNITA terem dado em Évora sob mediação de Durão Barroso o ponta-pé de saída na procura da paz e da democracia que deveria ter culminado em Bicesse, mas não terminou, como se sabe, pois Bicesse foi apenas uma trégua.
Os caminhos atrás referidos embora já definidos nos manuais da especialidade e aceites por alguma universalidade quanto baste para a nossa satisfação de estarmos em maioria neste debate, continuam a ser recusados por muitos de nós, mais por força de um omnipotente contexto politico-institucional do que propriamente pela convicção dos colegas que não gostam muito de ouvir os sermões do Papá Siona sobre o jornalismo como um sacerdócio, um dos temas mais recorrentes da sua pedagogia que ele faz questão de partilhar com todos nós, sempre que a oportunidade surja.
SC tem se destacado ao longo de todos estes anos que já leva o nosso processo de democratização como uma das vozes críticas mais construtivas do jornalismo que se faz entre nós, numa cruzada permanente a favor dos valores profissionais que estruturam a actividade jornalística.
Como activista da liberdade de imprensa SC tem sabido dar o seu contributo a nível nacional e internacional na denúncia das violações recorrentes deste direito fundamental que lamentavelmente continuamos a assistir em Angola.
Nem sempre estivemos de acordo com as visões jornalísticas do Siona, nem sempre o nosso relacionamento foi feito de sorrisos e cumplicidades, o que é bom e saudável, pois do lado de quem acha que a liberdade de imprensa é muito mais do que uma intenção e um discurso, não pode haver sectarismo, nem dogmas. A nossa lógica, definitivamente, não é a do quartel militar. A nossa hierarquia é a dos valores. O nosso modus operandi é o debate e sempre que possível a tentativa de conseguirmos o consenso.
Com Siona Casimiro aprendemos todos a não desistir do jornalismo, como uma aposta definitiva sendo ele de facto já uma referência de permanência na profissão, tendo em conta a sua longevidade, o que salta à vista se contabilizarmos conta os inúmeros casos de ex-colegas que por aqui já passaram em direcção sobretudo ao mundo da política e dos negócios.
SC é um decano que hoje se apresenta aqui sem condecorações, sem galardões, sem menções honrosas , enfim, sem um único prémio, dos muitos que já foram distribuídos por aí, acompanhados dos respectivos e estimulantes envelopes, pelos quais também tem passado uma parte da sinuosa distribuição do rendimento nacional.
O decano apresenta-se hoje aqui apenas com um livro para partilhar memória, conhecimentos e experiências para não permitir que o esquecimento tome conta de uma parte importante da luta de libertação nacional contra o colonialismo português.
A história de Angola, com as minhas atenções concentradas exactamente no período que o book do Siona cobre, continua por escrever e o que vamos tendo são apenas versões dessa história.
Sendo ou não discutível que são os jornalistas que escrevem a história em capítulos diários, esta história seria muito mais difícil de redigir um dia se os jornalistas não estivessem lá onde a história tem acontecido.
Siona Casimiro esteve lá e por isso hoje está aqui.
Bem hajas Siona!