quarta-feira, 9 de maio de 2012

Liberdade de Imprensa: A superficialidade de uma narrativa



Na declaração que o Sindicato dos Jornalistas Angolanos (SJA) fez publicar este mês pela passagem de mais um 3 de Maio, o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, há uma chamada de atenção para a nossa realidade mediática que gostaria aqui de partilhar com os leitores deste blog, por achar que ela coloca com alguma profundidade e abrangência o dedo na nossa “ferida”.
A narrativa sobre a liberdade de imprensa em Angola está efectivamente ferida por uma grande superficialidade, quando todos achamos que as coisas estão a mudar para melhor, o que, aparentemente, não deixa de ser verdade, se a comparação for feita com os tempos do partido único e da “ditadura democrática revolucionária”.
Como é evidente esta comparação, passados todos estes anos e já com mais dez de paz definitiva no lombo, não nos pode deixar satisfeitos de forma alguma.
O que a actual narrativa ignora é que a celebração do 3 de Maio, não é bem um saco sem fundo ou a cartola do mágico de onde se podem tirar todos os coelhos, desde que se utilize a expressão-chave, chamada liberdade de imprensa.
Para falar deste modo, no âmbito do vale tudo, pode ser num outro dia qualquer, menos no 3 de Maio, pois esta data pelo seu conteúdo concreto, não permite passes de mágica e outros truques muito usados, nomeadamente, pelo discurso político oficial que está cada vez mais “inteligente”.
Na sua declaração deste ano sobre o 3 de Maio, o SJA faz referência ao facto do país, cerca de 37 anos depois de se ter tornado independente, só possuir até hoje um jornal diário que tem a particularidade de ser propriedade do Governo.
Tal realidade, aponta o SJA, traduz bem a decepcionante realidade que se vive em Angola do ponto de vista da efectiva liberdade da comunicação social, conforme ela é encarada pela Declaração de Windhoek de 1991, que está na origem da comemoração do 3 de Maio.
Mais do que isso, o SJA acha que é inaceitável existência do monopólio estatal que se mantém sobre a actividade da radiodifusão com cobertura nacional, a par de outras dificuldades que se colocam ao surgimento de novas rádios independentes.
“A realidade mediática angolana tem estado a evoluir de forma contraditória e nem sempre consentânea com o seu papel de alavanca das transformações sociais”- pode ainda ler-se no documento do SJA.
Soube esta semana que cerca de 59 mil assinaturas já foram recolhidas pelo movimento dos leigos católicos que está empenhado em conseguir do Governo de JES a autorização para que a Emissora Católica deixe de ser apenas de Luanda para passar a ser de Angola como, aliás, reza a sua própria designação.
Será exigir muito?
Nada melhor pois, que regressarmos por alguns instantes ao texto original da “Declaração de Windhoek para a Promoção duma Imprensa Africana Independente e Pluralista”, para fazermos a avaliação do estado da liberdade de imprensa em Angola e em consequência tirarmos as nossas conclusões.
A Declaração de Windhoek abre as suas “hostilidades” contra todos aqueles que continuam refugiados num conhecido passado ideológico, destacando como sua bandeira o artigo 19 de uma outra declaração, por sinal a mais conhecida mundialmente, entre todas aquelas que já foram aprovadas pelas Nações Unidas.
Estamos a falar, obviamente, da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Em conformidade com o referido artigo-bandeira, em Windhoek ficou assente que “o estabelecimento, manutenção e fortalecimento duma imprensa independente, pluralista e livre são indispensáveis ao progresso e preservação da democracia bem como ao desenvolvimento económico duma nação”.
Na capital namibiana ficou definido que a imprensa tem de ser “independente do controle governamental, político ou económico ou do controle de materiais e infra-estruturas essenciais à produção e disseminação de jornais, revistas e periódicos”.
Ao trocar por miúdos o conceito de imprensa pluralista, a Declaração de Windhoek entendeu-o “como sendo o fim do monopólio de qualquer tipo e a existência do maior número possível de jornais, revistas e periódicos que reflictam a mais vasta gama possível de opiniões no seio de uma comunidade”.
Na essência aqui temos o que é fundamental quando falamos em liberdade de imprensa nos dias que passam, depois da Conferência-Geral da UNESCO e a Assembleia-Geral das Nações Unidas terem adoptado a Declaração de Windhoek.
Ela tem servido de farol que demarca até que ponto os governos em todo o mundo honram as suas obrigações no sentido de manterem e promoverem a liberdade, independência e diversidade dos meios de comunicação social.
Sobretudo em Africa, desde Windhoek que já não é mais possível falar em abstracto da liberdade de imprensa, como um discurso de boas intenções para efeitos propagandísticos dos Governos quando se pretendem defender dos ataques que são alvo nesta matéria ou dos partidos quando estão em campanha eleitoral.
Depois de Windhoek passou a ser possível de forma mais ou menos objectiva medir, avaliar, determinar o estado da liberdade de imprensa em cada país.
É pois tendo em conta o conteúdo desta Declaração que não temos muitas dúvidas em concluir que em Angola continuamos mal quando se fala em liberdade de imprensa, com a agravante da tendência ser ainda pior.