quarta-feira, 6 de junho de 2012

Um aniversário importante para o saber Made in Angola


 [O Centro de Estudos e Investigação Científica da Universidade Católica de Angola (CEIC) assinala esta quarta-feira os dez da sua existência com a realização de uma conferência comemorativa que reúne no Hotel Alvalade em Luanda académicos angolanos e estrangeiros em torno do tema “Crescimento Económico e Crise na última década”.]
Modéstia à parte, mas reconheço-me facilmente entre os poucos jornalistas angolanos que mais e melhor atenção tem prestado ao desenvolvimento desta instituição ao longo desta sua primeira década.
Mesmo assim, acho que fiz muito pouco a favor da disseminação do conhecimento que tem vindo a ser produzido e acumulado naquele “laboratório”, cujo produto mais emblemático é, sem dúvida, o seu Relatório Económico Anual que vai igualmente assinalar a sua décima edição este ano.
O CEIC apresenta-se hoje como uma presença independente quase solitária no panorama do debate científico em Angola capaz de apresentar estudos e análises consistentes que podem servir de referência a todos quantos, jornalistas ou não, estejam realmente interessados em conhecer o país para além da informação oficial que é elaborada pelas distintas agências governamentais.
Num país extremamente politizado e partidarizado, onde tudo está subordinado à estratégia governamental, esta necessidade de procurar fontes alternativas em matéria de conhecimento torna-se ainda mais necessária e premente.
Enquanto jornalista o trabalho deste Centro sobretudo na área da análise económica da realidade angolana tem sido uma das poucas fontes com que tenho contado para confrontar a informação oficial e estabelecer o necessário contraditório, sempre que possível.
Pelo espírito de grande abertura e independência que tem norteado a acção do CEIC, a instituição é das poucas vozes ao nível da sociedade civil que tem contribuído para o mínimo de debate académico contraditório que ainda vai existindo em Angola.
Lamentavelmente, o boom das universidades privadas que se está a verificar ainda não conseguiu transformar a quantidade em qualidade científica e técnica e acaba por ser muitas vezes absolutamente inócuo no que toca ao impacto social dos seus resultados.
Em abono da verdade sou das pessoas que acho que as políticas públicas que têm vindo a ser ensaiadas em Angola poderiam ser muito melhor pensadas, delineadas e executadas, antes de mais se o próprio Executivo aceitasse dialogar de boa-fé com instituições do nível do CEIC, o que de facto não tem acontecido para além das intenções e das promessas.
Esta ausência de diálogo, que acaba por traduzir mais uma recusa do Executivo em partilhar saberes e experiências com os seus parceiros sociais, também ajuda a explicar os resultados decepcionantes de muitas estratégias já traçadas ao nível do desenvolvimento sócio-económico.
O CEIC já é uma referência inteligente da nossa sociedade civil por mérito próprio, mas muito dificilmente conseguirá um dia destes que lhe seja outorgado o tão cobiçado estatuto de associação ou instituição de utilidade pública.
Haverá certamente alguns privilégios que este estatuto oferece aos seus beneficiários, que só são aceitáveis se de facto a sua actividade tiver alguma relevância na solução dos grandes problemas sociais que este país enfrenta.
O CEIC é daquelas instituições que pelo seu trabalho, que é do maior interesse público, já deveria beneficiar deste estatuto que o Governo volta e meia tem atribuído a organizações que, de uma forma geral, são convergentes em relação às suas origens político-partidárias.
Sabemos que a vida do CEIC em termos de recursos necessários à sua sobrevivência não tem sido nada fácil. O Centro vive de algumas doações anuais que podem a qualquer altura deixar de existir. Pelas provas já fornecidas é altura das diferentes entidades públicas, que passam a vida a encomendar estudos a consultores e instituições estrangeiros de muito duvidosa competência e idoneidade, olharem para o Centro com outros olhos. Com olhos de ver.
Díriamos mesmo, com olhos mais patrióticos, pois eles os investigadores do CEIC são nossos, já são o orgulho da nata universitária angolana pelo trabalho que têm vindo a desenvolver.
Eles já merecem estes outros olhares. Eles podem, entretanto, fazer muito mais se lhes for dado trabalho. O Centro pode assim crescer e afirmar-se ainda mais como uma referência do saber em Angola.
De facto, já o disse noutras ocasiões, é altura de se gastar cá dentro, muito do dinheiro público que hoje se desperdiça lá fora com estudos económicos que acabam por não ter qualquer utilidade.
Já é altura dos próprios investigadores e consultores angolanos começarem a pressionar quem de direito a produzir a competente legislação para apoiar e estimular o crescimento deste segmento do mercado do saber.
(Este texto foi publicado na última edição do semanário"Sol" /versão angolana)