quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

A lei da probidade e a revisão da lei dos crimes contra a segurança

[Na sequência do post anterior, transcrevemos para este as nossas opiniões sobre a Lei da Probidade Pública e a revisão da Lei dos Crimes contra a Segurança de Estado, solicitadas e publicadas pelo "O País" na sua última edição do ano passado.] Reconheço ser a Lei da Probidade Pública mais uma tentativa quase desesperada (e pouco mais) para se fazer face ao estado deplorável em que se encontram as nossas instituições públicas do ponto de vista do desempenho ético/deontológico dos seus responsáveis (altos, médios e baixos) e quadros. Estamos, obviamente, a falar da corrupção institucionalizada, a nível político e administrativo, que já se generalizou e ameaça seriamente derrubar o mínimo de seriedade que qualquer Estado tem de garantir aos cidadãos na sua intervenção diária junto da sociedade e da opinião pública e publicada e da comunidade internacional, a qual está ligado por um conjunto de pactos e convenções. Angola está neste limite. Se der mais um passo em frente, será em direcção ao abismo que nos persegue desde a ascensão do país à independência. Para já este diploma vai continuar a ser mais uma bela peça da retórica político-jurídica de um Estado/Governo que já nos habituou a outros momentos do género, sem consequências mais práticas e sustentadas no plano da alteração da realidade que se pretende. Diante de mais esta iniciativa não posso deixar aqui de recordar a adormecida lei que em 1996 (salvo erro) criou a Alta Autoridade Contra a Corrupção (AACC) e cujo titular aguarda até hoje pela sua nomeação ou eleição. Considero que o fundamental na nova lei (se ela tiver mais sorte que as outras) e depois do partido maioritário ter desistido inexplicavelmente da AACC, será o papel que a Procuradoria-Geral da República vier a desempenhar, depois de termos ouvido da boca do seu titular o anúncio relativo à criação do Departamento de Combate e Prevenção à Corrupção para responder às atribuições relacionadas com a entrada em vigor da Lei da Probidade Pública. Até lá, resta-nos a esperança de que a sociedade civil angolana se fortaleça e assuma ela própria, com os recursos ao seu alcance, uma verdadeira ofensiva contra a privatização do Estado e dos bens públicos que se assiste actualmente, tendo por pano de fundo um discurso oficial politicamente correcto, mas que não passa disso mesmo. A nossa esperança está igualmente na acutilância que a imprensa dedicar ao assunto, com os olhos colocados bem no topo da pirâmide, onde de facto os efeitos da corrupção são devastadores para um país que tem os índices de miséria e pobreza do nosso. Por fim, seria uma injustiça ignorar algumas “limpezas de balneário” que aconteceram recentemente em alguns ministérios nevrálgicos, como o Interior e o Urbanismo e as Obras Públicas, que parecem apontar claramente para esta necessidade de se colocar alguma ordem no circo das nossas maldades. ================================================ Revisão da Lei dos Crimes contra a Segurança de Estado ================================================ Tenho bastantes dúvidas em relação a manutenção desta lei, agora residualmente revista, que entrou para o nosso ordenamento em 1978, um dos anos mais negros da nossa história, inspirada pelos manuais mais repressivos do estalinismo. Só a recordação deste facto histórico causa-me arrepios, quando olho para a tal lei por mais revista que ela possa ter sido. Ao julgo saber, não foi bem o caso. Para além do famigerado artigo 26, pouco mais de substancial terá sido alterado. Acho que o nosso ordenamento tem legislação mais do que suficiente para cobrir o espaço da referida lei, que acaba por se constituir numa certa redundância e que só foi mantida devido a alguma arrogância política que continua a fazer morada em Angola, do tipo somos nós que mandamos, ponto final. A redundância em causa, pelos vistos, terá alguma utilidade para reprimir os direitos fundamentais dos cidadãos sobretudo ao nível do exercício da liberdade de expressão, num país onde os tribunais normalmente ignoram a força da Constituição, quando se trata de julgar direitos em conflito.