Em pouco mais de 24 horas e pela primeira vez na minha trajectória profissional, tive no último fim-de-semana (sexta e sábado) a oportunidade de visitar, a convite do Ministério da Energia e Águas, os gigantescos aproveitamentos hidroeléctricos de Capanda e Cambambe situados no Médio Kwanza, que distam da capital entre 200 a 300 quilómetros.
Além-fronteiras haverá, certamente, estruturas muito mais imponentes do que estas nossas duas, mas a partir de agora muito dificilmente ficarei a olhar para qualquer uma delas como boi para palácio ou a fazer perguntas básicas sobre o que é isto ou o que é aquilo.
A visita começou, entretanto, em Laúca onde, entre Capanda e Cambambe, está a nascer, igualmente no Médio Kwanza, o que será o maior empreendimento do sector, com uma previsão de conclusão da obra que aponta para 2017, com todos os “ses” que se conhecem e que a realidade angola é fértil em alimentar e potenciar até ao limite.
A nova barragem foi projectada para produzir mais de 2000 MW, o que perfaz e ultrapassa largamente a capacidade das barragens de Capanda (550 MW) e Cambambe (970MW), já com esta última completamente “remodelada”, na sequência das intervenções/investimentos que estão actualmente em curso, conforme pudemos constatar.
Estamos a falar de uma zona cujos estudos de aproveitamento hidroeléctrico foram feitos ainda durante o tempo colonial, mais exactamente na década de 50 por uma entidade chamada Hydrotechnic, de acordo com o que reza a história, que não pode ser apagada por ninguém.
Na época foi apresentado pela referida entidade um planeamento hidroeléctrico do Médio Kwanza que previa a construção de sete aproveitamentos, sendo cinco deles a fio de água, com uma produção a rondar os 1.200 MW.
Um segundo plano elaborado na mesma altura, mas por uma outra entidade, defendia a construção de apenas cinco barragens, entre Capanda e Cambambe, mas com uma produção superior a 2.200 MW.
Ao que julgamos saber, é este segundo plano que está agora a ser implementado pelo Governo angolano.
Este “recuerdo” serve para dizer que em termos de projecção e concepção técnica, o aproveitamento do Médio Kwanza, que deu o nome ao actual GAMEK, é um “dossier” que já estava nos gabinetes há mais de 50 anos.
O próprio alteamento da barragem de Cambambe e a construção de uma segunda casa de máquinas era igualmente um projecto que já estava perfeitamente definido e que quando se decidiu construir Capanda no início da década de 80, foi apresentado como sendo a melhor alternativa tendo em vista o aumento da capacidade energética disponível.
Depois de tudo quanto se passou com Capanda que ficou 20 anos parada com todos os grandes prejuízos financeiros que se conhecem, resultantes da devastadora conjuntura de guerra que então caracterizava o país, pelos vistos teria sido muito mais acertado e avisado fazer o investimento em Cambambe.
Pelo que consta, este debate foi tido na época num ambiente que também não era o melhor conselheiro para se tomarem as mais ponderadas e esclarecidas decisões estratégicas.
Seja como for, Capanda hoje já é uma realidade e o investimento em Cambambe está em marcha.
A contabilização do impacto negativo de todos os atrasos que os projectos públicos normalmente conhecem em Angola, é algo que ainda não faz parte da “nossa cultura” e pelos vistos não vai fazer tão cedo, pelo menos enquanto o país tiver os generosos recursos financeiros disponibilizados pela alta do preço do petróleo no mercado internacional.
Para quem como nós, para além das imagens televisivas/fotográficas, não tinha uma ideia da real dimensão e complexidade do que é uma barragem e muito menos de como é que uma tal infraestrutura funciona, esta visita a Laúca/Capanda/Cambambe apenas pecou por ter sido tão tardia.
Sendo eu um jornalista que sempre esteve muito ligado às questões económicas, acabei por me interrogar com alguma perplexidade sobre como foi possível só agora ter tido esta oportunidade de ver com os meus próprios olhos o que é uma barragem.
Valeu efectivamente desta vez ter sido mais tarde do que nunca, pois estou convencido que ainda vamos a tempo de tirar todo o proveito das informações recolhidas, que nos irão ajudar em muito a fazer avaliações mais objectivas deste estratégico sector da vida nacional.
A oportunidade surgiu numa altura em que nunca se falou tanto dos problemas da energia eléctrica no país na sequência de mais uma aguda crise no fornecimento à cidade de Luanda e que teve a particularidade “política” de ter sido despoletada logo a seguir à realização das eleições de 31 de Agosto.
Como primeira nota que serve para dar satisfação a algumas das questões mais sensíveis que nos têm sido colocadas, sobretudo no Facebook, sobre os propósitos desta deslocação no âmbito de uma visita ministerial, diremos que nos foram dadas todas as condições de trabalho para no terreno nos inteirarmos da realidade dos factos.
Não sentimos a existência nem de perto, nem de longe, de qualquer tipo de limitações no que toca o acesso a todas as fontes de informação disponíveis, incluindo o próprio Ministro, que esteve sempre pronto a falar em “off” com os jornalistas durante a deslocação.
Esta nota serve igualmente para esclarecer que não fomos convidados para ir a Capanda “ajudar” o Governo a resolver nenhum problema de imagem relacionado com o impacto político obviamente negativo que resultou dos permanentes apagões que voltaram a fustigar a capital.
Foi efectivamente uma missão informativa a todos os títulos, estando na dependência de cada um dos jornalistas que lá esteve, tirar as conclusões que melhor entender, com base naturalmente na realidade constatada, sem a mão invisível de algum “spin doctor” de serviço.
A comitiva dos jornalistas de que fiz parte que acompanhou a deslocação do Ministro da Energia e Águas, João Baptista Borges teve efectivamente a possibilidade de fazer todos os retratos da realidade que nos foi dada a ver. Como é evidente também não era possível esconder nada, mesmo que houvesse uma tal intenção em nome de outros interesses mais propagandísticos, que hoje, lamentavelmente, condicionam o desempenho particularmente da comunicação social pública.
Reservo para uma próxima oportunidade aqui no SA um outro encontro com os seus leitores, onde falarei um pouco mais em detalhe das minhas impressões, na perspectiva da satisfação das crescentes necessidades energéticas do país, tendo como principal centro consumidor a cada vez mais pantagruélica capital Luanda, que sozinha e sem consumo industrial, já terá nesta altura um pico de consumo na ordem dos 900 MW.
Tendo em conta as recorrentes estiagens, desta visita ficou muito claro para mim que o País não pode ficar dependente da energia hidroeléctrica e muito menos esperar que em 2017 entrem em actividade as novas capacidades que estão na forja.
O risco de asfixia já é uma ameaça bem real.
 NA- Texto publicado no Semanário Angolense (14-12-12)