quarta-feira, 5 de agosto de 2020

Comunicação MINUA 16/10/2002


De uma forma geral pode afirmar-se que a comunicação social é o novo fenómeno da sociedade angolana que está a viver uma complicada fase de transição para a democracia.

Os angolanos estão a descobrir e a exercer as novas liberdades democráticas em grande medida por intermédio dos órgãos de informação tanto os estatais como privados, tendo por pano de fundo um ambiente bastante contraditório, onde as tendências autoritárias e repressivas do passado monolítico se mantêm ainda bastante fortes a ofuscarem os novos valores e princípios democráticos que paulatinamente estão a emergir e a afirmar-se.

Com todas as limitações decorrentes da conjuntura política a afectar sobretudo o desempenho da informação estatal, há uma certa convergência de opiniões em apontar a comunicação social como sendo uma das locomotivas do processo de democratização em Angola.
Muito mais locomotiva seria se, de facto, os actuais órgãos de informação estatais assumissem na prática o seu estatuto de meios públicos, o que ainda está longe de acontecer, com todas as excepções que se conhecem.

 A redução desta influência pode medir-se com alguma objectividade, tendo antes de mais como principal referência os esforços desenvolvidos pelo poder político em manter sob seu rigoroso controlo a chamada comunicação social estatal (Rádio Nacional de Angola, Televisão Pública e Jornal de Angola).
A excessiva governamentalização é o principal traço da sua actuação, que se traduz, nomeadamente, pela sua recusa em veicular pontos de vista que possam chocar com os defendidos quer pelo partido no poder como pelo governo de JES.

Os jornalistas mais esclarecidos que hoje trabalham na média estatal são os primeiros a reconhecer esta situação de grande dependência dos desígnios do poder político.

Por exemplo, nas recentes Jornadas Técnicas de Radiodifusão organizadas em Fevereiro deste ano pela Rádio Nacional, foi exactamente esta a conclusão do grupo de trabalho que analisou a programação informativa daquela estação emissora.

A insistência nas mesmas fontes, entenda-se executivo e ou partido no poder, alternando raras vezes com as fontes da sociedade civil, ajuda a criar a imagem de que somos única e simplesmente lambe-botas do poder instituído”.

Esta constatação foi muito mal recebida pela direcção da RNA, tendo os seus autores sido seriamente aconselhados a reformularem a sua apreciação.

Com a maior parte da comunicação social existente no país sob o controlo editorial do governo está à partida grandemente limitado o seu impacto/influencia, sobretudo quando se trata de questionar a actuação do executivo em matérias fundamentais da vida nacional.

Mesmo assim, não se pode dizer que os jornalistas que trabalham para o estado sejam completamente amorfos na sua actuação, havendo a registar alguns momentos altos da sua prestação, com destaque para alguns dos seus colaboradores que se têm esforçado bastante por manter o profissionalismo nos limites apertados que o colete-de-forças rubro-negro (1) vai permitindo.
O grande problema que se coloca ao desempenho da comunicação social estatal é nos períodos de crise, quando o Governo, como acontece actualmente com a nova guerra, decide orientar o país para um determinado rumo.
Aí de facto a informação cede lugar quase completamente à propaganda, com a censura, a auto-censura, a manipulação e a desinformação a regressarem em força às redacções.

O tratamento dispensado pelo Jornal de Angola à primeira manifestação coordenada da oposição contra o aumento dos combustíveis realizada em Luanda (11.03.2000) ilustra bem este “atrelamento” à estratégia governamental.
Para uma manifestação onde estiveram à vontade cerca de 1000 pessoas que já era muito pouco para uma cidade de três milhões de habitantes, o Jornal de Angola reduziu drasticamente o número dos participantes para “pouco mais de 100”.

A informação privada, com todas as condicionantes decorrentes do seu limitado alcance em termos de cobertura nacional, tem sabido conduzir-se de uma forma mais independente e actuante, o que já levou o Presidente Eduardo dos Santos a reconhecer o seu papel na sociedade.
Tal observação, vinda da parte de quem veio, não deixa de ser importante tendo em conta anteriores considerações menos simpáticas do dirigente angolano em relação ao papel dos jornalistas.

Por estar basicamente concentrada em Luanda, onde funciona o centro do poder, a média privada é hoje a grande referência de todas as conversas particularmente ao nível da classe política.
Apesar de ser muito mal vista pelos representantes do poder, estes estão cada vez mais atentos às suas matérias que já estiveram na origem de algumas decisões tomadas pelo executivo.

O acalorado debate realizado em Janeiro 2000 na Assembleia Nacional sobre a liberdade de imprensa, atesta bem a importância que ela atingiu em Angola.
Como resultado deste debate o parlamento recomendou o governo “ a formulação e adopção de uma adequada estratégia de desenvolvimento da comunicação social nacional, pública e privada, incluíndo o fomento da imprensa regional, assim como o estudo de formas de subsídios e isenções a conceder à mesma”. (2)

A imprensa tem contribuído bastante para travar os excessos das autoridades, particularmente no domínio da violação dos direitos humanos que continuam a ser constantes, numa sociedade onde os índices de violência aumentam todos os dias.

O cidadão comum prefere primeiro falar aos órgãos de informação para denunciar qualquer situação que esteja a lesar os seus interesses, do que recorrer aos órgãos de administração da justiça.
A experiência angolana já demonstrou que uma denúncia pública através da imprensa tem resolvido melhor os seus problemas, pelo menos de forma mais célere.

 Numa sociedade com as características da angolana, onde as instituições funcionam bastante mal, onde os direitos individuais dos cidadãos são todos os dias atropelados, onde o critério político (filiação ou simpatia partidária) ainda é fundamental para se avaliar quase todo o tipo de situações, a imprensa é hoje a grande alternativa que os cidadãos e a sociedade civil têm à sua mão para fazerem valer os seus direitos e os seus pontos de vista.

Os partidos políticos da oposição que hoje são os grandes críticos do controlo que o partido no poder detém sobre a comunicação social estatal, devem igualmente à média privada o pouco espaço de intervenção que ainda vão conseguido obter para manifestarem as suas posições sem o receio de verem os seus pontos de vista truncados ou censurados, como tem acontecido vezes sem conta quando são objecto de algum tratamento nos órgãos estatais.

 


O papel da comunicação social no combate à violência contra as crianças (Junho 1998)*


1-O jornalista devia ser por vocação solidário com as grandes causas da sociedade civil, entendida esta, como o conjunto de homens, mulheres, velhos, jovens e crianças que se movimentam activamente através da mais diferentes organizações e associações não-governamentais/ não partidárias com projectos de intervenção orientados, fundamentalmente, para o apoio e promoção das comunidades.

Uma movimentação independente que, apesar de evitar rotas de colisão, faz questão de manter uma distância critica em relação aos principais centros do jogo do poder institucionalizado, o que em principio não tem nada a ver com nenhuma postura de ruptura ou de oposição global. 

Antes pelo contrário, pois o movimento em causa também tem como referências importantes para a sua acção e sobrevivência, o diálogo, a concertação, a colaboração e a partilha de responsabilidades com todas as restantes estruturas sócio-politicas existentes .

Trata-se apenas de trabalhar em paralelo, sem uma estratégia virada para a conquista do poder, tendo como preocupação fundamental uma participação eficaz e desinteressada na resolução dos grandes e pequenos problemas que afectam a sociedade, sendo, naturalmente, um deles a situação particularmente dramática em que se encontram as crianças angolanas.

Pelas suas características é uma movimentação que devia suscitar da parte dos jornalistas e dos órgãos de comunicação social toda a atenção possível em matéria de cobertura, no âmbito do chamado jornalismo cívico, o que nem sempre acontece, para não fazermos outras considerações menos simpáticas em relação a algumas prioridades editoriais.

Prioridades que privilegiam o supérfluo em detrimento do essencial, que ignoram o dia-a-dia do cidadão comum para se preocuparem quase exclusivamente com a actividade oficial, com a propaganda governamental, com a intriga política, quantas vezes de costas completamente voltadas para os grandes dramas sociais, onde, a violência multifacetada que hoje atinge as crianças angolanas, assume proporções cada vez mais alarmantes.

2-Na nossa sociedade, para a maior parte dos nossos baixinhos, ser criança há muito que deixou de ser o período da vida mais protegido, mais despreocupado, mais inocente e mais feliz da vida de um ser humano.

Ser criança hoje em Angola é um dos maiores problemas que se pode ter na vida, fundamentalmente, devido à irresponsabilidade dos adultos, que apostaram na guerra como solução para resolver os problemas nacionais, como se fingissem não saber que a guerra, por si só, é o maior problema que muito dificilmente é capaz de resolver outros problemas devido a sua própria natureza problemática e profundamente traumática.

A guerra, pelo menos entre nós, já provou que só cria problemas ainda maiores do que aqueles que se propunha dar solução.

Para a desgraça das nossas crianças, a irresponsabilidade dos adultos já se transformou numa incapacidade crónica de criar em Angola o mínimo de condições para que a vida faça sentido e tenha o seu curso normal desde que, com nove meses (ou menos), somos convidados ou forçados pela mãe natureza a abandonar o estado fetal.

É assim que entramos na escola da vida sem ninguém nos ter consultado previamente, nomeadamente, em relação ao país que gostaríamos de escolher para viver.

Entre os problemas que as crianças hoje enfrentam em Angola, a violência é, sem dúvida, o mais dramático e mais abrangente, pois já é, por assim dizer, uma “maka ecológica” de grandes proporções.
Uma verdadeira catástrofe nacional.

Para um número crescente de crianças angolanas a sua condição etária começa por ser a primeira causa que explica sua grande infelicidade e sofrimento.

Sendo a camada mais vulnerável de qualquer pirâmide social, as crianças são, possivelmente, a faixa etária que mais é afectada por todas as maleitas que ocorrem em determinado país que esteja a viver uma situação de profunda crise generalizada, como é o caso paradigmático de Angola.

É pois para a violência contra as crianças que entre nós assume as mais diversas formas, com a violência institucional a liderar as sondagens, que os médias devem orientar de forma particularmente acutilante as suas atenções, se estiverem de facto interessados em desempenhar um papel positivo na luta mais geral que hoje se trava um pouco por todo o lado contra todas as violações dos direitos humanos.

Trata-se de uma luta que em Angola deve ganhar toda a pioridade à luz do assustador património de violência que o país possui nas suas entranhas e que volta e meia faz a sua aparição em grande plano, a par das suas manifestações mais diárias, que muita pouca atenção, salvo raras excepções, merecem da opinião pública, que parece estar a viver já uma fase de anestesia geral, no âmbito da banalização do que é anormal ou, se quiserem, da inversão dos valores.

3-No seu recente relatório sobre as fontes dos conflitos em África e as razões que explicam a sua persistência, o Secretário-Geral das Nações Unidas Koffi Anan disse que uma especial atenção deve ser prestada às necessidades das crianças que vivem em zonas afectadas pelo flagelo da guerra.

Anan citou para o efeito, como primeiro importante passo tendo em vista uma abordagem internacional da problemática da violência contra os mais novos, as conclusões do trabalho sobre o impacto dos conflitos armados nas crianças, realizado pela senhora Graça Machel, hoje Graça Mandela, na sua condição de representante especial do Secretário-Geral das Nações Unidas.

De notar que a actual Primeira-Dama Sul-Africana, no âmbito da elaboração do seu relatório, visitou o nosso país, onde, ao que parece, terá sido particularmente inspirada/tocada pela triste realidade das crianças angolanas para produzir as suas conclusões mais preocupantes.

O relatório em causa define as crianças como “zonas de paz”, conceito que o Secretário-Geral das Nações Unidas quer ver urgentemente expandido e adoptado à escala planetária para os mais variados efeitos.

Embora em termos de aplicação este conceito tenha mais a ver com situações de conflito aberto, e enquanto se aguarda que a situação em Angola se esclareça melhor, pois, sem ser ainda de guerra declarada é cada vez menos de paz definitiva, é perfeitamente aceitável a sua utilização entre nós.

Pensemos pois nas crianças angolanas como “zonas de paz” para, como jornalistas, declararmos guerra aberta a todos aqueles que em plena luz do dia ou na calada da noite têm a mira das suas armas apontadas para elas.

Fruto de toda a conjuntura que se conhece, Luanda é hoje palco de incríveis e terríveis cenas quotidianas de violência onde as vítimas são crianças de ambos os sexos, mas também já são elas, quantas vezes, as próprias protagonistas da violência, visíveis nos famosos e sangrentos “bilos”(1) que vão acontecendo um pouco pelos quatro cantos desta urbe tresloucada.

Como é evidente, a maior violência que se abate sobre as crianças para além da guerra, é a da própria incapacidade do Estado em dar satisfação às necessidades mais elementares da sociedade de uma forma geral e que se reflecte na situação das famílias.
Uma incapacidade que está na origem da consolidação do fenómeno crianças de rua ou na rua, onde os problemas de violência são mais pronunciados a carecer de uma intervenção urgente.

4-É neste contexto que os médias são chamados a desempenhar um importante papel, dando toda a cobertura possível, naturalmente dentro das normas exigidas pela deontologia profissional, às denúncias que se fazem sobre as actuações truculentas dos agentes da administração e de cidadãos prepotentes, entre muitas outras que integram o dia-a-dia deste espectáculo impróprio para menores.

Os jornalistas e os médias não estão em condições de resolverem um problema tão complexo como é o da violência contra as crianças, mas com a sua actuação frontal e corajosa podem ajudar a contê-la dentro de limites mais aceitáveis, do que são aqueles que hoje assistimos.

Por mais convictos que possam ser os mentores e os autores da violência, eles não irão nunca assumir os seus actos ou querer ver os seus nomes ligados às suas “façanhas”, por razões óbvias.
Em todo o lado continua a ser muito feio bater ou abusar sexualmente de uma criança, sobretudo se tal desempenho se tornar conhecido da opinião pública, o que só será possível através da comunicação social.

Por tudo quanto se sabe do actual modus vivendi e operandi da sociedade angolana, não seria um exagero afirmar aqui que, a curto prazo, a única barreira existente para enfrentar com algum êxito todos aqueles que hoje violentam menores, passa necessariamente pela comunicação social e pela sua capacidade de fazer “barulho”.

É o único “barulho” que ainda tem possibilidade de assustar os algozes; de fazer com que eles recuem; que eles se afastem das suas presas; mesmo que seja apenas temporariamente, numa altura em que o silêncio é sem dúvida a melhor colaboração que pode ser prestada aos inimigos das crianças desprotegidas.

Identificadas que estão as causas e os principais agentes da violência que hoje se abate sobre as crianças que vivem em situações particularmente difíceis em Luanda e noutros centros urbanos do país, facilmente chegamos a conclusão que de facto também aqui “quem não chora não mama”. Só que já não resulta chorar/soluçar em silêncio.

É preciso amplificar este choro, para que ele seja ouvido em toda a cidade.
Para que ele saia das vielas escuras onde o crime campeia e a violência se banaliza para entrar nas casas de todos com a força da denúncia pública de preferência bem identificada.

Só a comunicação social está em condições de operar um tal milagre sem haver necessidade de grandes investimentos, embora saibamos à partida que o milagre será superficial, pois a violência na nossa sociedade já é estrutural.

Isto quer dizer que um aparente recuo estatístico de casos de violência como resultado de alguma acção mediática mais concertada, pode não ter um grande significado em matéria de alteração mais sustentada do comportamento social dos protagonistas.
A alteração estrutural exige muito mais.
Tem a ver com um conjunto de factores que nos ultrapassam enquanto parte de um todo.
Não será para hoje, nem para amanhã, nem para o próximo ano.

Trabalhemos para já, apenas com o objectivo de alterarmos a curto prazo a conjuntura ou pelo menos de conseguirmos que ela deixe de ser tão agressiva, tão desumana, tão insensível para com as crianças.
Isto é possível.

Uma das soluções passa, como já referimos, por um acompanhamento mais sistemático das ONGs que trabalham com as crianças, pois elas são, antes de mais, privilegiadas fontes de informação sobre a problemática da violência contra as crianças.
Por seu lado, numa perspectiva interactiva, as ONGs devem procurar fazer chegar aos médias toda a informação sempre que lhes for possível, procurando em cada órgão sensibilizar algum jornalista em particular que se mostre mais próximo da problemática infantil.

Uma outra solução para dar uma maior visibilidade ao dossier violência contra as crianças deverá ser a criação de um programa de rádio do tipo “livro de reclamações” especialmente dirigido para a divulgação de queixas relacionadas com actos de violência contra as crianças, mas não só. Seria uma espécie de Rádio SOS crianças.
Tendo em vista uma maior cobertura em termos de espaço nacional, poderia optar-se pela elaboração de um programa que fosse transmitido pelas várias rádios que já operam no país.

É um projecto perfeitamente viável que poderia juntar o conjunto das ONGs que trabalham com as crianças, numa altura em que a existência de rádios privadas é, à partida, uma garantia de maior a abertura e transparência informativa.

Esta parece ser uma intervenção perfeitamente exequível no âmbito da contribuição que a comunicação social pode dar na luta contra a violência que hoje as crianças sem eira nem beira são vítimas um pouco por todo o lado.

É preciso que as crianças excluídas e violentadas façam ouvir a sua voz todos os dias, pois esta sociedade, sobretudo ao nível dos poderes públicos já não reage a histórias pontuais, que passam rapidamente ao esquecimento.
É preciso acreditar que a água mole em pedra dura tanto bate até que fura.
É aí que os jornalistas e a comunicação social podem fazer de imediato alguma coisa, o que, aliás, já têm feito.

* Texto da comunicação apresentada pelo autor durante o seminário promovido pelo FISH sobre a violência contra as crianças, que decorreu em Luanda entre os dias 20 e 23 de Julho 1998.

 

 


terça-feira, 28 de julho de 2020

Informação versus difamação (Dezembro 2007)*


A problemática que o binómio deste painel encerra, “Informação versus Difamação” dificilmente algum dia será resolvida a contento das partes, pois cada caso envolvendo este conflito será sempre um caso a ser analisado de per si, por mais que nos aproximemos de um consenso em torno do direito fundamental e estruturante do Estado Democrático que é a Liberdade de Imprensa e de Expressão (artigos 32 e 35) no seu relacionamento com os direitos de personalidade igualmente protegidos pela constituição no seu artigo 20º.
Enquanto a Liberdade de Imprensa não pode estar sujeita a qualquer censura, nomeadamente de natureza política, ideológica e artística,
os direitos de personalidade são fortemente protegidos pelo Código Penal no seu capítulo referente aos crimes contra a honra, que incluem a difamação, a calúnia e a injúria.
Sendo para os leigos quase a mesma coisa, estes três crimes têm, contudo, tipificações e molduras diferentes que convergem, entretanto, para o mesmo objectivo que é o de impedir a violação daquilo a que genericamente alguém definiu como sendo a nossa honra que é “o conjunto de atributos morais, físicos e intelectuais de uma pessoa, que a tornam merecedora de apreço no convívio social e que promovem a sua auto-estima”.
A questão que, de uma forma geral, todos os especialistas colocam na abordagem desta problemática tem a ver com a preponderância ou não de um direito sobre o outro quando a liberdade/expressão, que é de facto um direito fundamental, choca com o direito ao bom nome/reputação de alguém que decide recorrer aos tribunais para fazer valer a sua boa imagem, por mais desgastada que ela possa estar aos olhos da opinião pública e publicada.
Neste confronto em que a batata quente é atirada para as mãos dos juízes, as coisas complicam-se bastante para o jornalismo e os jornalistas, pois a procura da verdade em nome do interesse público, que tanto nos anima e atormenta, deixa de ser o critério fundamental, uma vez que do outro lado da barricada, do lado da defesa da honra, estão critérios absolutamente subjectivos mas que são igualmente tidos como legais/ legítimos.
É este pelo menos, o entendimento que o nosso ordenamento jurídico ainda tem desta problemática quando, por exemplo, só à título excepcional, admite a prova da verdade dos factos imputados num processo em que o jornalista é acusado de difamação.
Por outras palavras, isto quer dizer que o jornalista se pode transformar rapidamente num criminoso de delito comum, caso o juiz assim o entenda, apenas porque o queixoso se sentiu ofendido com uma determinada referência menos simpática para com a sua pessoa contida numa determinada matéria dada à estampa na imprensa.
Veremos mais adiante como é se pode difamar alguém no espírito da lei em vigor.
Importa aqui referir que alguns ordenamentos jurídicos e jurisprudências por este mundo afora já terão resolvido a bem este contencioso ao adoptarem o principio de que a verdade não pode ser ofensiva da honra de alguém e muito menos ser tida como matéria para um crime passível de condenação a vários meses de prisão e ao pagamento de pesadas multas que inviabilizam projectos e lançam no desemprego dezenas, senão mesmo, centenas de trabalhadores.
Neste âmbito, a Alemanha, onde prevalece a doutrina da prossecução de interesses legítimos que dá um conteúdo mais sólido à própria liberdade de imprensa, parece-nos ser o país que, ao nível da Europa, pelo que é do nosso conhecimento, melhor tem procurado estabelecer um equilíbrio adequado entre a protecção da personalidade e os direitos fundamentais da liberdade de expressão e de imprensa.
Parafrasearemos aqui o jurista alemão Lenckner, para com ele concordarmos que “o que aqui está em causa é a opção entre: fazer a imputação de um facto desonroso com o risco dele não poder ser comprovado ou omiti-la e, por vias disso, pôr eventualmente em perigo interesses legítimos. O interesse por uma protecção o mais compreensiva possível da honra entra assim em colisão com o interesse de publicitar factos que, numa consideração ex-ante, se revestem de significado para a prossecução de quaisquer interesses legítimos”. (1)
A jurisprudência alemã respondeu a esta preocupação com um muito sério aviso à navegação dos jornalistas e da comunicação social sem, contudo, pôr em causa o seu direito de informar e o da sociedade de ser informada livremente.
Foi assim devidamente valorizada a liberdade de imprensa como um direito estruturante do próprio projecto democrático desde que em causa esteja o interesse público.
A lei angolana diz, por exemplo, que a promoção da boa governação e a administração correcta da coisa pública é um dos fins que a imprensa deve prosseguir no quadro do interesse público que a doutrina alemã considera serem os interesses legítimos.
Tais interesses têm de estar suficientemente bem vincados para se evitarem as confusões com outras motivações mais pessoais ou de grupo que, lamentavelmente, continuam a alimentar a imprensa com um jornalismo de muito duvidosa qualidade, onde a devassa, a intriga, as acusações gratuitas, a desinformação, a intoxicação e a má-fé ainda são notas mais do que dominantes.
 “ Quem, para a prossecução de interesses legítimos quiser fazer imputações de factos susceptíveis de ferir a honra de outrem tem antes de se informar conscienciosamente sobre se estes factos são verdadeiros”.
“O jornalista só deve arriscar a notícia que atenta contra a honra de outrem depois de comprovar cuidadosamente a fiabilidade das suas fontes”.
Estas são apenas algumas das muitas referências que povoam os textos da jurisprudência alemã e que, certamente, nos ajudam a perceber como é que a honra é tratada naquele país quando a liberdade de informar entra em choque aberto com os direitos de personalidade.
Nesta apreciação do que se passa além-fronteiras, talvez seja interessante referir que o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem tem feito pender a balança no sentido do predomínio da liberdade de expressão.
Em instância de último recurso, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (2) tem sido frequentemente chamado a dirimir situações de conflito entre a liberdade de expressão e o direito à honra e à reputação, nomeadamente, de políticos, outras pessoas com notoriedade social e instituições.
Contrariamente às jurisdições nacionais, mais comprometidas com a defesa destes valores, o Tribunal Europeu tem feito pender a balança no sentido do predomínio da liberdade de expressão.
Pode ler-se num dos acórdãos do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos que “a liberdade de expressão vale não somente para as "informações" ou "ideias" favoráveis, inofensivas ou indiferentes mas também para aquelas que ofendem, chocam ou inquietam.
Esses princípios, prossegue o acórdão, “assumem particular importância no domínio da imprensa. Se ela não deve ultrapassar os limites fixados em vista, nomeadamente, da protecção da reputação de outrem, incumbe-lhe, contudo, transmitir informações e ideias sobre questões políticas bem como sobre outros temas de interesse geral”.
No exercício da sua profissão tendo como principal ferramenta a liberdade de imprensa que se traduz no direito de informar, de se informar e de ser informado, sem impedimentos, nem discriminações, o jornalista está entre nós diariamente confrontado com os limites resultantes da interpretação dos crimes contra a honra, sendo, sem dúvidas, o mais movediço deles o crime de difamação.
Movediço porque absolutamente subjectivo, não carecendo de qualquer prova material, pois basta a intenção ou a sua ausência, o denominado “animus difamandi”, para se ser condenado ou inocentado.
O crime de difamação será assim, possivelmente, aquele que mais choca com o direito fundamental que é a liberdade de imprensa/expressão, pois basta o juiz ser convencido pelo advogado da acusação que o jornalista teve a intenção de magoar o seu cliente, mesmo com a verdade dos factos, para tudo se complicar.
Como agravante, algo paradoxal, somos confrontados com a situação de, no exercício de um direito fundamental, o jornalista correr o sério risco de perder um outro ainda mais fundamental que é a sua própria liberdade.
Nas condições impróprias para o consumo humano que caracterizam o nosso universo carcerário, a perda de liberdade pode significar na prática uma penalização ainda mais severa que ameaçará, inclusivamente, a integridade física do condenado.
Os crimes contra a honra ou os direitos de personalidade foram parcialmente transferidos para a Lei de Imprensa onde são considerados crimes de abuso da liberdade de imprensa o que quer dizer que não houve qualquer evolução nem alteração na abordagem desta problemática mais específica que tem a ver com a descriminalização dos alegados excessos que se cometem no exercício da liberdade de imprensa e de expressão.
A ideia que muitos de nós defendemos neste debate aponta efectivamente para a substituição da tutela penal pela responsabilidade civil e disciplinar, numa altura em que a classe continua a não possuir nenhum mecanismo de auto-regulação, o que é absolutamente lamentável e em muito tem contribuído para o mau jornalismo que se faz entre nós.
Penso que, por exemplo, a retirada temporária ou mesmo definitiva da carteira profissional a um reincidente jornalista em actuações lesivas da ética e da deontologia, teria um impacto muito mais positivo na melhoria do nosso produto final do que o seu envio para uma cadeia infecta.
 Para darmos rapidamente a esta plateia uma ideia sobre como é que estes três legítimos obstáculos à liberdade de impressa/expressão se apresentam no nosso ordenamento jurídico diremos que a difamação consiste em imputar um facto ofensivo a honra e consideração de alguém ou reproduzindo a imputação. Na difamação para se ser condenado basta apenas escrever-se ou dizer-se que alguém foi trabalhar embriagado, enquanto que, na calúnia, para além da imputação do facto supostamente ofensivo, o mesmo tem de ser qualificado como crime e ser comprovada a sua falsidade.
Não basta pois dizer que alguém é bêbado mesmo que o seja pois a bebedeira em Angola não é um crime, não havendo por conseguinte lugar para a calúnia, ficando apenas de pé a difamação.
 Na injúria o crime contra honra consuma-se com a atribuição ao queixoso de uma qualidade negativa, como por exemplo, dizer-se ou escrever-se que alguém é um perfeito idiota, o que como se sabe é um recurso que se utiliza muito no debate político, quando por exemplo temos diante de nós alguém que acha que o nazismo até foi uma bênção para a humanidade pelo tratamento que deu aos judeus.
Neste caso a suposta ofensa a honra do queixoso por difamação ou injúria deve ser entendida como sendo absolutamente legítima do ponto de vista do exercício de um direito superior àquele que protege a personalidade, que é a liberdade de expressão, sem o qual o debate político contraditório e acalorado inerente a qualquer projecto democrático deixaria de ter qualquer respaldo. Na calúnia e na difamação tem que haver testemunhas da ofensa, isto é, o crime só se consuma mediante conhecimento de terceiros, enquanto que na injuria basta o conhecimento do facto pelo injuriado.
Na difamação que parece ser o crime mais “utilizado”, o nosso código admite a prova sobre a verdade dos factos quando os queixosos são funcionários públicos no exercício das suas funções, entendendo-se esta condição como sendo extensiva aos membros responsáveis de qualquer corporação que exerça autoridade pública. Admite-se ainda esta prova nos crimes de difamação, se o facto imputado for de índole criminosa sobre que houver condenação ainda não cumprida ou acusação pendente em juízo.
De notar que actualmente, quer o Código Penal quer a Lei de imprensa já não contêm qualquer disposição especial de protecção à figura do Chefe de Estado ou seu homólogo estrangeiro, como acontecia no passado, sendo assim permitida a apresentação da prova dos factos imputados em caso de um processo difamação desencadeado pelo Presidente da República.
Restam, no entanto, segundo faz notar uma avaliação da nova lei de imprensa produzida pela Human Rights Watch (HRW), várias provisões do Código Penal que fornecem maior protecção contra a difamação e a injúria às personalidades públicas do que aos cidadãos comuns.
O artigo 114 estabelece que as penas para os crimes de difamação serão aplicadas a qualquer acto que ofenda a consideração devida a uma autoridade pública. O artigo 181 também prevê prisão de um ano para qualquer pessoa que ofenda, através de palavras, ameaças ou actos, várias autoridades públicas, inclusive ministros, conselheiros de estado, membros do parlamento ou comandantes da força pública.
Essas disposições, na opinião do estudo realizado pela HRW, são contrárias ao princípio bem estabelecido em direito internacional segundo o qual a “média” deve ser especialmente protegida pela lei quando cobrindo assuntos de interesse público e segundo o qual políticos e outras figuras públicas devem tolerar maior nível de escrutínio e possíveis críticas.
Tanto a Corte Europeia de Direitos Humanos quanto a Comissão Inter-Americana sobre Direitos Humanos reafirmaram esses princípios em sua jurisprudência, conforme, aliás, já foi aqui referido.
Se nos fosse permitido fazer algumas sugestões à guisa de conclusão sobre esta relação potencialmente conflituosa entre a liberdade de informar e o direito ao bom-nome de quem, eventualmente, achar que foi difamado na imprensa, aconselharíamos o poder judicial a tentar equacionar da melhor forma a importância dos interesses em disputa, partindo do principio que existe uma certa hierarquia entre diferentes direitos e que a existência do “animus difamandi” tanto condena, como a sua ausência absolve.
Ao dizer que um determinado político bebe mais do que a conta das suas responsabilidades sociais permite, a intenção do jornalista, mesmo sem ter comprovado devidamente o facto, poderá ter muito mais a ver com a defesa de um bem público que é a qualidade da própria governação do que com algum ataque mais pessoal e gratuito visando dar cabo da carreira profissional e do prestígio social do visado.
Afinal de contas os políticos, sobretudo quando estão no poder, devem dar o exemplo.
Aos homens da comunicação social aconselharíamos a serem mais profissionais no sentido do respeito pelas normas mais elementares do jornalismo, sobretudo quando estão em causa situações de conflito, evitando a manipulação das fontes e a lei do menor esforço.
Muitas situações embaraçosas que os jornalistas têm enfrentado nos tribunais seriam facilmente evitáveis se, antes de publicarmos uma determinada matéria, tivessem tido o cuidado de procurar falar com todos os protagonistas.
A linguagem defeituosa, onde a adjectivação desnecessária sobressai como a estrela de um espectáculo que acaba por não acrescentar nada à informação que se pretende veicular, é nesta altura um dos pequenos/grandes vícios do nosso jornalismo, responsável por muitos ataques à honra de terceiros.
Resta-nos aconselhar os jornalistas a agirem sempre de boa-fé, como intermediários, operadores ou gestores e nunca como parte activa dos factos, partindo do principio que ninguém é culpado de nenhum crime até o seu processo ter transitado em julgado, um outro direito constitucional, o da presunção da inocência, que tem de facto sido muito mal tratado pela imprensa em todo o lado.
 *

segunda-feira, 27 de julho de 2020

O papel da comunicação social na mobilização da opinião pública (Agosto 2003)*


 Definir o papel da comunicação social na mobilização da opinião pública é, antes de mais, começar por destacar o facto de o país ter mudado da noite para o dia, embora o seu novo rosto ainda esteja para chegar.
Mais precisamente, diríamos que Angola está paulatinamente a mudar, para melhor certamente, com todas as hesitações que se conhecem, porque ficar pior do que se estava antes do 22 de Fevereiro de 2002, é quase uma missão impossível.
Ainda bem, para a felicidade de todos nós, que ninguém mais determinado apareceu nos últimos tempos a tentar saber se de facto é mesmo impossível realizar uma tal missão.
Uma constatação que atesta para já a solidez e a irreversibilidade do processo em curso, sem, contudo, lhe retirar do caminho os obstáculos, as incertezas e as frustrações que continuam a alimentar a crónica diária deste país.
Parte importante deles são, sem dúvida, directamente resultantes da guerra ora terminada, reunidos no pacote da gigantesca crise humanitária herdada.
Obstáculos, incertezas e frustrações que ganharam agora uma maior visibilidade, com a saída do palco do conflito bélico que tanto atormentou o país.
Aos olhos do país, a referida alimentação mediática é visível na produção de notícias por vezes demasiado preocupantes mas em doses que, aparentemente, ainda estão sob controlo, para utilizarmos um dos chavões mais queridos do discurso oficial.
O outro se quiserem saber é o “balanço é positivo, apesar de tudo”.
A comunicação social, tendo o jornalismo como principal instrumento, é chamada a descodificar diariamente este e outros discursos prenhes de chavões e frases feitas que lhe chegam das mais diferentes proveniências, numa operação complicada de dessacralização do texto, que abordaremos mais adiante.
No actual contexto de mudança, que mudanças se esperam da comunicação social, para que ela acerte o passo com os novos ventos que sopram sobre o país, parece-nos ser a questão de fundo subjacente ao tema genérico que nos foi sugerido pelos organizadores destas Sétimas Jornadas Técnico-Científicas da FESA, o que desde já traz implícita uma certa crítica, passível de alguma controvérsia.
É a eterna controvérsia à volta do papel ideal que a comunicação social deve desempenhar em Angola. Uma controvérsia que tantos bons e maus momentos já produziu em matéria de debate de ideias, a prometer-nos, entretanto, não deixar a agenda nacional em paz.
De facto, o entendimento à volta desta problemática, se é que algum dia ele será alcançado, vai continuar a exigir de todos os interessados esforços suplementares orientados para a procura de um denominador comum, por menor que seja.
Esta procura que não tem nada a ver com os unanimismos do passado, também se enquadra, quanto à nós, no próprio processo de reconciliação.
Uma controvérsia que em termos mais académicos poderia ser explicada pelo conflito permanente existente entre as duas principais concepções teóricas relativas a articulação do jornalismo com a ética.
De acordo com a professora universitária portuguesa Francisca Ester de Sá Marques, a primeira concepção, a liberal, propõe a tese de que o público ou a sociedade tem ou deve ter autonomia suficiente para determinar suas próprias regras e normas, a partir de uma ordem natural, onde a liberdade individual aparece como o pressuposto fundamental, em detrimento do exercício colectivo. A segunda, a igualitária ou estatal, defende que o Estado, ao constatar a limitação da liberdade individual, e com base numa ordem gerada, fundamenta-se como o guardião das regras e normas sociais, portanto, responsável pela protecção da liberdade colectiva dos homens.
A liberal, leva em consideração a liberdade expressiva do cidadão no exercício da sua soberania democrática, baseada numa sociabilidade cujos processos de livre interlocução e de interacção garantem o entendimento e a acção comum.
A estatal, embora compreenda a liberdade expressiva do cidadão, procura regular, através da condução da liberdade colectiva, as relações sociais entre os grupos, e entre estes e os indivíduos, como a guardiã do sistema de valores e, consequentemente, da cultura. O Estado define-se como o gestor moral convencional das várias dimensões da experiência, sobretudo do entendimento e da interacção humanas que ocorrem tanto no espaço público, quanto no espaço privado. (1)
Tendo por pano de fundo estas duas concepções teóricas fica um pouco mais fácil evoluirmos no território que nos é oferecido para abordarmos o papel que a comunicação social deve ter na mobilização da opinião pública, no actual contexto que o país vive, onde a principal nota dominante é de facto, e sem qualquer dúvida, a paz militar tão duramente alcançada.
Uma paz que vai naturalmente criar, aliás, já está a criar, as condições para que o país resolva os seus gravíssimos problemas sociais e económicos, acumulados, agravados e ampliados, ao longo das várias de décadas de persistente conflito militar.
Partimos pois do principio que esta mobilização da opinião pública, só pode ser feita num sentido, o sentido da normalização a todos os níveis, que é, exactamente, aquele que o país está a tentar percorrer, já lá vão cerca de 18 meses, desde que as armas se calaram na maior parte do território nacional, com a bem conhecida e lamentável excepção de Cabinda.
Até quando?
Pela natureza intrínseca do discurso jornalístico de referência, que entra naturalmente em choque com as motivações do outro discurso seu meio-irmão, que é o da propaganda, a comunicação social só tem uma solução deontologicamente aceitável no que toca à forma como deverá contribuir para a mobilização da opinião pública.
Aliás, a comunicação social, se pautar a sua intervenção pelo conjunto de valores universais que fazem actualmente do jornalismo um produto muito especial no seu relacionamento com a sociedade, ela tem muito pouco a fazer quando se trata de se adaptar a novas conjunturas.
Diríamos que ela se adapta automaticamente, sem qualquer tipo de investimento mais estrutural.
Abrimos aqui um pequeno parêntese para salientar que o jornalismo conta com uma protecção especial na Constituição dos Estados Unidos, clausula esta contida na Primeira Emenda Constitucional.
Esta protecção é dada ao jornal não porque ele seja um ramo de negócio, mas porque serve a um fim único numa sociedade livre.
E esse fim, se nos permitirem a interpretação, é descobrir a verdade e contá-la ao povo.
Em relação ao conteúdo da solução atrás referida, ela tem a ver tão-somente com a divulgação dos factos relevantes que tenham interesse público, assumindo nesta conformidade o estatuto de notícias.
Notícias estas, que acabam por ser, o principal produto de qualquer média que se preze.
O que acabamos de afirmar pertence quase ao domínio do óbvio, mas entre nós tal domínio nem sempre é tão evidente como deveria ser.
Seja como for a definição do que é ou não notícia, longe de ser uma discussão bizantina à volta do sexo dos anjos, assume no nosso contexto uma grande importância estratégica, tendo em vista a clarificação do nosso panorama mediático.
O problema aqui é, claramente, fazer separação do trigo do joio. Entre nós, a confusão ainda é muito grande entre os discursos, tendo como balizas, de um lado o discurso jornalístico e do outro o discurso propagandístico.
Voltamos a beber da filosofia da professora Francisca Ester de Sá Marques para corroborarmos da ideia segundo a qual, o discurso jornalístico quando textualiza a realidade, parte do princípio genérico de que o acontecimento ao ser transformado em notícia é pautado pela verdade, pelo compromisso social, pela exactidão e pela relevância pública, portanto, pela boa intenção de informar com isenção e de garantir a liberdade de opinião.
Por outro lado, chama a atenção a nossa virtual interlocutora, esse mesmo discurso constituído que é pelos textos dos outros discursos tornados públicos (por consenso ou por dissenso) e por seu próprio fazer específico, acaba produzindo efeitos éticos controversos como resultado da reelaboração dessacralizante desses textos que, dependendo dos quadros de significados apreendidos socialmente, são aceites ou rejeitados pela opinião pública.
É, conclui a professora Francisca Ester de Sá Marques, na reelaboração dessacralizante desses textos que o discurso jornalístico esbarra ora numa concepção liberal da ética quando diz que o cidadão tem direito à liberdade de expressão; ora numa concepção igualitária da ética quando tenta controlar os acontecimentos no espaço público à semelhança do Estado.
No caso concreto de Angola, tendo em conta todas as águas que já passaram debaixo desta ponte desde que o processo de abertura política teve inicio, já lá vão mais de 12 anos, não tem sido fácil encontrar um compromisso entre estas duas concepções, o que desde já coloca algumas dificuldades na definição do papel ideal que a comunicação social deverá assumir na mobilização da opinião pública no actual contexto que o país vive.
Em Angola a comunicação social e os jornalistas estão cada vez mais no centro de um cruzamento onde circulam vários e contraditórios interesses; onde o cidadão comum tem cada vez mais dificuldades em entender a lógica e o altruísmo do discurso oficial; onde o Estado que em princípio é uma pessoa abstracta de bem, se confunde muitas vezes com os interesses particulares deste ou daquele servidor público; onde os problemas da transparência, da boa governação e da corrupção institucionalizada já são frontalmente assumidos pelo próprio executivo, ao seu mais alto nível de decisão política.
Segundo outras avaliações mais radicais, o quadro é muito mais cinzento, numa alusão implícita à problemática da distribuição do rendimento nacional pelo conjunto das classes sociais que integram o universo angolano.
A transição do modelo socializante de economia centralizada que o sistema de partido único tentou edificar até finais da década de oitenta, para uma economia aberta de mercado, resguardada por um projecto democrático multipartidário - tem estado a ser extremamente dolorosa e acompanhada por uma crise de valores sem precedentes, cuja tendência parece ser a sua cristalização.
De uma coisa estamos certos, nada voltará a ser como dantes.  
À falta de uma melhor definição, é, de acordo com alguns analistas, de capitalismo selvagem, com o estado-previdência transformado agora no estado-patrão, que se trata, com todas as consequências sociais extremamente negativas daí resultantes, cujo impacto é facilmente visível no tecido humano, a inspirar sérios cuidados.
Como mobilizar a opinião pública, tendo como pano de fundo estas e outras referências não é, certamente, uma tarefa fácil para a comunicação social cujo principal compromisso é, antes de mais, com a verdade dos factos relevantes que vão acontecendo num país chamado Angola.
É ponto assente que a recomendável e possível objectividade jornalística, está dependente da subjectividade do profissional que tem a responsabilidade de seleccionar as matérias que vão ser abordadas num determinado momento.
É dado adquirido, até por questões de espaço, que não se podem relatar todos os factos relevantes que um país com as condições anormais de Angola produz diariamente em doses industriais.
São por vezes matérias verdadeiramente explosivas, para a própria estabilidade e coesão nacionais, que não é, contudo, possível ignorar, a não ser que optemos pelo comportamento da avestruz.
Como nos devemos posicionar neste mar revolto em que o país vai continuar a navegar, já liberto das amarras da guerra, é pois a grande questão que nos temos que colocar diariamente, enquanto profissionais do jornalismo, preocupados com esta necessidade de mobilizar a opinião pública para as prioridades da reconstrução e da reconciliação.
Por mais que tenhamos uma ideia clara deste posicionamento, de muito pouco nos adiantará, pois no jornalismo a sério, a vida reparte-se por capítulos diários, sempre diferentes uns dos outros.
Há mesmo quem defenda a ideia de que os jornalistas escrevem diariamente a história de um país.
Pelas limitações que se colocam ao exercício desta profissão, concordaremos que eles apenas contribuem de forma decisiva para que esta história seja devidamente elaborada no futuro pelos especialistas.
Todos os dias, de facto, temos de tomar decisões editoriais importantes, particularmente ao nível da selecção, confrontados com a multiplicidade dos factos que vão acontecendo e conscientes de que nem todos vão poder virar notícia.
De uma forma geral pode afirmar-se que a comunicação social é um dos novos fenómeno da sociedade angolana, que está a viver uma complicada e prolongada fase de transição para a democracia, desde que em 1992 foram realizadas as primeiras eleições multipartidárias.
Os angolanos descobriram e começaram a exercer as novas liberdades democráticas em grande medida, por intermédio dos órgãos de informação tanto os estatais como os privados, tendo por pano de fundo um ambiente contraditório, onde as tendências autoritárias e repressivas do passado monolítico ainda se mantêm bastante fortes a ofuscarem os novos valores e princípios democráticos que paulatinamente estão a emergir e a afirmar-se.
Pela sua essência o jornalismo sempre foi a primeira frente de choque contra todos os tipos de violência e violações, pelo simples facto de que tais comportamentos são acontecimentos públicos difíceis de ignorar, por quem queira pautar a sua conduta profissional por algum rigor e isenção e objectividade.
E aqui, por favor, não nos venham com a famosa conversa das linhas editoriais, porque aqui o problema é acima de tudo constitucional, pelo que todas as restantes linhas devem obediência às fortes linhas da nossa constituição que tem de ser respeitada por todos.
Longe das unanimidades e das subserviências que já fizeram história entre nós, em democracia o relacionamento entre o poder político e os médias (que acabam por representar um outro poder)  é invariavelmente conflituoso, faz parte do sistema, é estrutural.
Aliás, é assim mesmo que o sistema democrático funciona e funciona mais ou menos bem com todos os defeitos que se lhe conhecem.
O outro sistema, o do partido único, do ponto de vista da eficácia e da rapidez, funcionava sem dúvida muito melhor, só que, entre nós, aparentemente já ninguém o quer (re) assumir.
Definitivamente, em democracia não se passam cheques em branco a ninguém, incluindo os governos que por outro lado não podem ser confundidos com os Estados. Pelo menos não os esgotam.
O Estado é uma entidade mais abrangente, que para além do executivo propriamente dito, integra um conjunto de outros órgãos de soberania, numa altura em que se discute bastante a necessidade de termos um Estado cada vez mais próximo dos cidadãos.
Por outro lado é bom que se entenda, definitivamente, que a comunicação social estatal tem responsabilidades editoriais acrescidas no seu relacionamento com o todo nacional, devido ao seu caracter público, o que pressupõe uma atenção permanente a questões como o equilíbrio e a isenção no tratamento dos diferentes interesses que se cruzam e se chocam no grande ringue nacional.
A analogia do país com um ringue de boxe ou de luta livre não podia ser mais expressiva e elucidativa, por todas as razões sobejamente conhecidas.
Os consensos por aqui ainda são muito difíceis de obter, devido ao longo passado de conflitos para todos os gostos e feitios que tem marcado a história deste país.
A maior parte destes conflitos ainda está por resolver, enquanto novos diferendos, até então reprimidos pela violência da guerra, fazem a sua entrada em força no quotidiano dos angolanos, colocando questões muito complicadas no que diz respeito ao seu tratamento pela comunicação social, se os jornalistas estiverem realmente interessados em desempenharem da melhor forma o seu papel, não importa para que “média” estejam a trabalhar.
Não temos qualquer dúvida em afirmar que o grande problema que o jornalismo enfrenta em todo o mundo, sem excepção, é a sua afirmação como um poder independente ao serviço da sociedade e do interesse público, que em democracia são as duas principais fontes de legitimação do poder que se renova periodicamente pelo mecanismo sufrágio universal.
Um mecanismo que anda ausente de Angola já faz um bom tempo, após o seu primeiro e trágico ensaio em 1992.
Uma ausência que explica parcialmente todos os problemas de relacionamento, de equilíbrio e de tolerância que hoje se vivem por aqui, onde se incluem os da comunicação social sobretudo na sua coabitação com o poder político.
Estamos convencidos que o regresso do país ao ciclo democrático normal, será uma espécie de varinha mágica que irá resolver rapidamente parte significativa destes problemas. 
Tida para muitos como uma utopia, a afirmação da independência do jornalismo é, na nossa modesta apreciação, a essência da actividade jornalística de referência, que se deve manter como uma orientação permanente de todos quantos trabalham no sector, não obstante todas as dificuldades e bloqueios conjunturais.
Estamos a falar do jornalismo concebido naturalmente como um serviço que se presta a toda a sociedade, onde estão incluídos os cidadãos de todas as origens e opções e as instituições políticas, públicas, privadas, económicas religiosas, culturais, desportivas, etc., etc..
A actividade jornalística só tem uma possibilidade de desempenhar a sua missão com a necessária credibilidade se conseguir minimamente salvaguardar a sua independência, numa luta permanente contra todos os assaltos, a começar pelos proprietários dos próprios “média”, que são os primeiros a franzirem o sobrolho ou arreganharem a testa quando se lhes fala desta parte da história.
Em Angola está neste momento projectado um cenário complexo, onde para já a única certeza é o facto de a guerra ter deixado de ser o instrumento de morte e destruição que até o ano passado foi o mais utilizado para tentar resolver conflitos em Angola.
Trata-se de uma ausência que já não é nada má, se tivermos em conta as devastadoras consequências provocadas pela guerra a condicionar duramente as perspectivas de desenvolvimento nacional nos próximos anos.
Longos anos, segundo algumas estimativas mais pessimistas ou realistas?

*Texto da Comunicação apresentada nas Sétimas Jornadas Técnico-Científicas da FESA,
22 Agosto de 2003

O jornalismo económico e a experiência do programa Azimute da RNA (Agosto 2003)*


 Falar da experiência da Rádio Nacional de Angola em matéria de jornalismo especializado, é antes de mais, com todas as limitações editoriais que se possam apontar, destacar o tratamento positivo e relevante que a informação económica sempre conheceu, desde que foi para o ar a primeira grelha de programas da RNA, o que aconteceu nos idos de 1978.
Em termos de história do jornalismo angolano do pós-independência, podemos pois localizar na Rádio Nacional o surgimento do primeiro projecto devidamente estruturado de jornalismo económico, com a elaboração e transmissão do Programa Semanal “Azimute- Os Novos Rumos da nossa Economia”, que ia para o ar em primeira emissão às quintas-feiras às 23.30 com reposição às sextas a partir das 14.30.
Cerca de 25 anos depois, com o mesmo propósito, e já sem o asfixiante colete ideológico do passado, o programa Azimute mantém-se bem vivo na grelha da Rádio Nacional, o que faz dele o programa especializado mais antigo da estação emissora estatal.
Uma antiguidade, estamos convencidos, que se estende a todo o espaço nacional, o que quer dizer a toda a informação angolana.
O Azimute é assim uma espécie “do mais kota do conjunto”, um verdadeiro sobrevivente em relação à todas as remodelações, alterações e últimamente, autênticas varridelas, que a programação da RNA tem vindo a conhecer ao longo do seu primeiro quarto de século de existência.
Estamos de facto em presença do decano do jornalismo especializado em Angola.
Um caso singular de longevidade radiofónica que tem, certamente, a sua explicação no interesse especial que a informação e a análise económicas sempre suscitaram junto do público.
Uma explicação que podemos igualmente encontrar na escolha feliz do nome que foi encontrado para designar o programa.
De facto, nunca uma luva serviu tão bem uma mão tão pesada e complexa, como foi o caso da descoberta do nome Azimute para designar um programa de economia em rádio em plena época do marxismo-leninismo e do socialismo científico, quando parecia não haver qualquer dúvida em relação à edificação de uma pátria de trabalhadores em Angola, na trincheira firme da revolução em África.
Em termos de estratégia editorial, o Azimute foi criado, entre outros, com os seguintes objectivos:
“Mudar radicalmente o estilo e método de trabalho dos dirigentes e responsáveis do Sector Económico; Consolidar a direcção centralizada e a organização das unidades económicas estatais; Velar pela gestão e controlo dos preços e pela actividade da banca; Destacar as vantagens do sistema económico dos países da comunidade socialista, com referências particulares ao cálculo económico, através de exemplos compreensíveis aos trabalhadores e camponeses.”
O Azimute original era especialmente destinado a todos quantos na época tinham responsabilidades na condução da economia do país, desde a mais pequena empresa até ao nível de dirigente nacional.
Desde logo o seu realizador reconheceu que a abordagem de matérias tão complexas, de modos a tornar o programa cativante para o público-alvo era uma tarefa difícil.
Uma dificuldade do tipo estrutural, note-se, sentida desde sempre por todos os profissionais que se movimentam nas águas do jornalismo económico.
A questão de fundo aqui é comunicar com eficácia num terreno onde a descodificação tem de ser permanente, pois está-se de facto numa área de intervenção especializada para o grande público de uma rádio generalista.
O grande desafio do jornalista especializado é preservar a precisão dos dados colhidos (informações) usando uma linguagem acessível.
O programa Azimute entrou para as antenas da Rádio Nacional determinado a ficar até aos dias de hoje, pela mão criadora e realizadora do jornalista José Oliveira, com a apresentação do locutor Aguinaldo Caldeira e com sonorização e montagem do Victor Filipe.
 Cerca de dois anos depois, a realização do programa é entregue ao Joaquim Pereira de Almeida, tendo o autor destas linhas sido o terceiro realizador na sua história a assumir a responsabilidade pela condução do Azimute ainda na primeira metade dos anos oitenta por um período de cerca de cinco anos consecutivos.
A nossa pesquisa de memória não nos permite neste momento identificar com o necessário rigôr e ordem de precedência, os restantes jornalistas que, posteriormente, foram conduzindo na RNA, “Os novos rumos da nossa economia”, até aos dias de hoje.
Estamos, entretanto, mais ou menos certos e desde já queremos pedir a vossa compreensão por alguma falha ou omissão, que depois da nossa passagem pelo Azimute, por lá passaram igualmente como timoneiros do mesmo barco, o Silva Júnior e o Ismael Mateus.
Este último jornalista viria a ser o primeiro chefe da redacção económica da RNA criada por nossa iniciativa, na segunda metade da década de oitenta no decorrer do nosso consulado à frente do Departamento de Informação da Rádio Nacional de Angola.
O surgimento desta primeira redacção especializada na RNA, com a categoria de sector, penso que mesmo antes da própria redacção desportiva, foi, sem dúvidas, o resultado bem sucedido das reprodutivas sementes lançadas no terreno daquela emissora pelo Programa Azimute.
Pelas informações que vamos tendo sobre o funcionamento actual da RNA, com base nos novos ventos que vão soprando pelos seus estúdios centrais, em termos de enquadramento do jornalismo especializado, o esquema de trabalho estabelecido com a redacção económica parece ter sido substituído por um outro, cujos contornos desconhecemos.
A forma temática como o programa Azimute foi estruturado desde o seu surgimento era já em si uma boa base para, a partir dela, se evoluir no sentido da criação de uma estrutura ampla que viria a permitir uma abordagem mais em profundidade das diferentes questões colocadas pela cobertura da actividade económica, quer em termos de informação quer de análise.
O Azimute estava sub-dividido em quatro temas, a saber, teoria, produção, estatística e debate/entrevista, a serem transmitidos ao longo das quatro edições mensais do programa.
O programa teórico serviria para tratar de questões como o sub-desenvolvimento, as características da economia angolana, a planificação, o cálculo económico, os preços, a moeda, a inflação, o centralismo democrático e o burocratismo.
Um programa sobre as Unidades de Produção com a identificação à partida de 12 das mais importantes unidades existentes no país e com as atenções voltadas para os novos métodos de direcção de empresa, o seu enquadramento na economia nacional, as realizações, os problemas enfrentados e os projectos de desenvolvimento.
O programa de estatística tinha como temas gerais a sua importância na planificação da economia, a interpretação quantitativa, qualitativa e política do instrumento, os problemas que se colocam a um país subdesenvolvido para a realização da estatística, aspectos da informática e a divulgação de dados a nível nacional e no mundo.
Um quarto programa seria consagrado aos debates, do tipo mesa-redonda ou com depoimentos recolhidos separadamente, em torno da actividade dos diferentes sectores da economia.
Em alternativa ao debate optar-se-ia pela entrevista.
Por várias razões, este esquema de trabalho nunca chegou a ser implementado integralmente pelo programa Azimute, que o transferiu depois com outras referências para a Redacção Económica (REC).
Esta redacção pelo que julgamos saber e à semelhança do que aconteceu com o programa Azimute, também foi pioneira na história do nosso jornalismo especializado.
A RNA foi o primeiro órgão de comunicação social no pós-independência a dar vida própria a uma redacção económica.
A redacção económica surge na estrutura da RNA, inicialmente adstrita ao Departamento de Informação, com o propósito de elaborar todas as notas de redacção, artigos crónicas, comentários, notícias e reportagens sobre a actualidade económica nacional e internacional.
O programa Azimute passou naturalmente para a alçada desta nova estrutura, sendo o seu principal produto.
O Azimute chegou a ter na altura duas edições distintas por semana, com o Azimute-Formação e o Azimute- Actualidade.
A REC propunha-se igualmente fornecer material económico aos demais departamentos e áreas de produção da RNA que dele necessitassem.
A estrutura orgânica da RNA conheceu posteriormente mais um desenvolvimento com a criação do Departamento de Programas Especializados (DPE) que passou a integrar, para além da Redacção Económica, outras que foram surgindo como a cultural e não só.
Na altura começou a entrar na ordem do dia a discussão sobre a necessidade do surgimento de uma nova direcção, a Direcção de Informação, pois tudo quanto era área de produção, estava integrado na Direcção de Programas.
Numa reflexão que elaboramos na época sobre o que deveria ser a estrutura ideal para a RNA, sustentávamos que o crescimento da RNA deveria passar fundamentalmente pelo aparecimento de uma direcção que tivesse a incumbência de se ocupar exclusivamente da Informação, entendida no seu sentido global.
Em defesa desta necessidade, da criação do que viria a ser a futura Direcção de Informação e com base numa rápida análise do funcionamento do Departamento de Informação e do Departamento de Programas Especializados, tínhamos chegado à conclusão que as duas áreas, por falta de uma coordenação efectiva, não tinham conseguido funcionar numa perspectiva de continuidade, o que se reflectiu de maneira preocupante na qualidade dos serviços noticiosos, na cobertura da actualidade e na recolha de informação.
A Direcção de Informação da Rádio Nacional viria a ser criada alguns anos, muito poucos, depois desta reflexão.
Estava-se, salvo erro, bem no início da década de noventa, quando por razões de força maior vejo interrompida a minha relação juridico-laboral com aquela estação emissora, na sequência de um processo complicado de desentendimentos e ao mesmo tempo contraditório com o espirito de abertura que se começava a respirar timidamente na época, com o inicio das negociações com a UNITA.
Pelo que aqui ficou dito nesta retrospectiva pela sua programação, fica claro que a necessidade de especialização sempre esteve bem presente na forma como a RNA foi jornalísticamente crescendo ao longo dos tempos.
Uma especialização que conferiu ao jornalismo económico honras de primeira página, numa altura em que o seu impacto ainda não tinha os contornos críticos de um jornalismo feito em condições mais independentes do ponto do seu relacionamento com os diferentes poderes estabelecidos, incluíndo o poder político.
Na altura, tudo,
a bem ou a mal, fazia parte do chamado sistema das correias de transmissão.(1) Mesmo assim, acomodado neste colete-de-forças, o jornalismo económico que então era possível fazer-se na RNA, não deixava de jogar o seu papel, sem, contudo, pôr em causa as grandes estratégias de política económica do Partido/Estado.
*15/Agosto 2003

domingo, 26 de julho de 2020

Os novos desafios do Jornalismo Económico em Angola (Agosto 2003)

 Os desafios do jornalismo económico no pós-guerra: Reflexão e Perspectivas- é o abrangente e estimulante tema desta oportuna conferência que a Associação dos Jornalistas Económicos (AJECO) promove nesta altura, um ano e meio depois das armas se terem calado em Angola, com a promessa dos ex-beligerantes, que desta vez o silêncio em causa seria efectiva e definitivamente de ouro.
Felizmente, se ainda é possível utilizar esta expressão no contexto angolano, tendo naturalmente em conta tudo quanto de trágico e de catastrófico aconteceu por estas bandas, a promessa está lentamente a ser a paga com o precioso metal, que uma economia à beira da exaustão tão desesperadamente reclamava.
De facto nunca como em Angola o silêncio das armas brilhou tanto em valor como o ouro. Angola é um exemplo particularmente dramático e bastante expressivo de como várias décadas de devastador conflito interno transformaram num passe de mágica um país potencialmente rico que já exibia os seus pergaminhos a nível internacional, numa nação pobre povoada maioritariamente por pessoas  desesperadas, que hoje vêm a esperança em dias melhores renascer timidamente, com o alcance da paz.
A inclusão de Angola na humilhante lista dos 48 países menos avançados do mundo (PMA) fala bem da espectacular trajectória regressiva de um país que fez questão de investir tudo que tinha nos seus cofres na luta contra o seu próprio futuro, queimando colossais riquezas na compra de todo o tipo de armamento. Uma factura que ainda tem a particularidade de ser pouco transparente em relação ao seu real valor e que vai continuar a ser paga com juros altíssimos, a manter bem presente durante bastante tempo o impacto negativo do flagelo da guerra sobre todos os esforços de relançamento da economia angolana que venham a ser empreendidos, que, aliás, já estão em curso.
Pelo andar da carruagem posta em marcha com o Memorando do Lwena, após os acontecimentos do 22 de Fevereiro de 2002, tudo leva a crer que sim, que finalmente os angolanos voltaram as costas às armas e à violência para resolverem desta vez os seus problemas, com os computadores e com as enxadas, com as fábricas e os tractores.
A inteligência dos seus cérebros e a energia dos seus braços têm agora uma orientação estratégica bem diferente, embora a palavra de ordem seja a de continuar a guerra.
Por razões óbvias só podem estar orientados com determinação para uma nova guerra, que é o combate prioritário à pobreza que já se generalizou por entre pequenas ilhas de alguma ostensiva prosperidade, que alimenta actualmente um determinado debate político muito ao gosto de todos quantos querem ver ardentemente o actual regime fazer uma longa cura de oposição a partir das próximas eleições.
Agravados por uma explosiva crise humanitária legada pela guerra, os problemas que Angola enfrenta são fundamentalmente de ordem sócio-económica, problemas estes que só encontrarão solução a médio prazo, se, de facto, as melhores estratégias de desenvolvimento forem postas em fase de execução, após um debate inclusivo e vinculativo que tarda em ser organizado, tendo naturalmente o executivo no centro desta iniciativa.
Com o barulho da guerra já fazendo parte do entulho, parafraseando o Felipe Mukenga, país mudou, ou melhor está a mudar, numa movimentação que está a obrigar todos os sectores e forças vivas a procederem à necessária reflexão em torno da melhor filosofia a adoptar para fazerem face aos desafios do pós-guerra.
Salvaguardando a sempre recomendável distância crítica com os diferentes protagonistas do quotidiano nacional aos mais variados níveis, como é evidente, o jornalismo angolano de uma forma geral não deverá estar indiferente a esta tão ansiada metamorfose.
E não está mesmo, com todas as hesitações e contradições que podem ser detectadas aqui e acolá, particularmente ao nível do relacionamento que se estabelece com o poder político, que é quanto a nós aquele que melhor
atenção precisa em matéria de acompanhamento jornalístico no sentido mais abrangente e profundo que uma tal cobertura representa.
Uma atenção que tem a ver com a sua grande importância, por ser ele, enquanto Governo, o responsável principal pela gestão dos recursos nacionais. Uma gestão que em função da sua orientação nos pode fazer mais ou menos felizes, mais ou menos ricos, mais ou menos orgulhosos, mais ou menos dignos, mais ou menos angolanos.
Por tudo isto e muito mais, os Governos são necessariamente o alvo principal das atenções jornalísticas em qualquer parte do mundo, embora tais atenções nem sempre representem a mais-valia que está subjacente a intervenção do produto jornalístico, na sua vertente mais crítica.
É bem verdade que entre nós, o Governo sente-se por vezes bastante incomodado pelo tipo de atenções menos simpáticas que lhe são dispensadas pela "média".
Mas também não é menos verdade que temos um mesmo governo que está há mais de 27 anos no poder, o que em circunstâncias normais poderia não ter acontecido.
Em Angola para já nada é normal!
Antes de mais, seria bom que  no mínimo estivéssemos  de acordo em relação à natureza independente do projecto jornalístico, seja ele qual for em matéria de colocação ou tutela institucional.
Independência em jornalismo é equidistância.
Independência em jornalismo é não confundir alhos com bugalhos.
Com todas as limitações que o proprietário, seja ele quem for, estabelece ou inspira, é possível ser-se jornalísticamente independente no tratamento de uma determinada matéria mais conflituosa, como foi por exemplo o caso da recente greve dos professores universitários, onde, lamentavelmente, a "média" estatal perdeu uma grande oportunidade de fazer um trabalho exemplar, numa altura em que já existem todas as condições para tal.
Não me venham dizer o contrário que eu não acredito.
Vou ter de exigir provas.
 
Em torno da independência, o acordo é, contudo, difícil de obter, sobretudo quando passamos da definição do principio para a sua implementação na prática do que deverá ser uma postura jornalística mais adequada, tendo em conta que embora não haja um jornalismo ideal, deve haver um ideal de jornalismo.
É este ideal que nos deve animar todos os dias e em todos os momentos, particularmente, quando temos de tomar decisões editoriais importantes.
Enquanto se aguarda por uma nova definição da correlação das forças partidárias, o que só será possível com a realização das próximas eleições gerais, as atenções estão já a deslocar-se rapidamente para a frente da economia, onde cada vez mais se vai jogar o futuro político do país, com o seu regresso à normalidade democrática.
Um regresso que pressupõe antes de mais a realização periódica de eleições, que é o principio estruturante mais importante de qualquer sistema democrático, que se preze, pelo menos de acordo com o chamado modelo ocidental.
Um principio que anda ausente faz tempo de Angola, depois das primeiras eleições realizadas em 1992, que, lamentavelmente, não marcaram a viragem histórica que anunciavam há mais de 12 anos, quando pela primeira vez se tentou enterrar o machado de guerra por estas paragens africanas.
Como acontece noutros países, também em Angola os eleitores vão passar a julgar o desempenho do executivo, antes de mais pelos seus resultados na esfera das finanças e da economia, da educação e da saúde, do emprego e da segurança social, da habitação e da protecção ao meio ambiente.
Atento a esta realidade, vai ter de estar certamente o jornalismo, numa altura em que grande parte das suas atenções se esgotam na divulgação do discurso oficial, na maior parte das vezes sem qualquer preocupação em procurar saber, por exemplo, o que representam em termos sociais determinadas opções  financeiras ou económicas.
O pouco jornalismo económico que se vai fazendo em Angola vai necessariamente, com os olhos postos na sua expansão e credibilização, de ter em devida conta e desde já, a situação do pós-guerra, começando por uma definição que seja mais ou menos consensual do seu papel específico, no contexto do jornalismo especializado.
Aqui e tendo em conta o que atrás já foi referido no que toca a importância do principio estruturante que é a independência editorial, não temos qualquer dúvida em salientar que só com esta perspectiva de intervenção o jornalismo económico estará em condições de prestar um bom serviço a toda a sociedade. 
Transformar-se numa caixa de ressonância, seja de quem for, não será, certamente, a melhor opção para os jornalistas ajudarem o país a solucionar os seus graves problemas económicos.
O governo é a peça mais importante na manobra económica do país, mas está longe de poder monopolizar o conhecimento nesta área, onde no caso concreto de Angola se tem vindo a verificar uma excessiva auto-suficiência da parte do executivo, com resultados muito pouco animadores para o conjunto da economia, como facilmente se constata.
Num país engolido diariamente pela inflação, onde o Governo ainda não está a altura, ou não é capaz de garantir o mínimo de estabilidade macro-económica, para o saudável desenvolvimento da actividade empresarial e não só, parece-nos óbvio que o jornalismo económico oriente prioritariamente o debate para a abordagem de um tal desiderato que acaba por ser a principal responsabilidade de qualquer executivo.
Está mais do que provado que enquanto a inflação em Angola não estiver devidamente controlada na faixa de apenas um dígito, todas as previsões e exercícios orçamentais terão o valor que têm até ao momento.
Muito pouco ou quase nada, com todo o impacto desestabilizador que se adivinha para o conjunto da economia, sendo o mais visível a permanente redução do poder de compra dos assalariados, com as consequências que se conhecem particularmente ao nível do movimento laboral, com o recurso à greve a generalizar-se.
Só com uma perspectiva crítica devidamente fundamentada, o jornalismo económico poderá funcionar como um parceiro do próprio governo, ajudando-o a ver melhor o caminho que está a trilhar.
Em situações de profunda crise socio-económica e de grande sofrimento das populações, como é aquela que se vive em Angola, o jornalismo económico tem de procurar fazer chegar ao governo as preocupações dos flagelados e dos excluídos por estratégias que já se revelaram incapazes de produzir outros resultados que não sejam mais e mais dificuldades, sem qualquer sentido, algumas vezes.
Tendo em conta a complexidade das matérias a abordar, os seus profissionais antes de mais vão ter de se preparar para trocar por miúdos, isto é, tornar acessível ao grande público, toda a informação e análise económica disponíveis.
Do ponto vista mais técnico este é um desafio que se coloca em todos os países aos profissionais que lidam especialmente com matérias económicas.
Com a morte de Jonas Savimbi, alguns observadores mais contundentes acham que o Governo deixou de ter à sua disposição o principal argumento com que justificava a parte mais obscura do seu desempenho institucional, particularmente ao nível da gestão dos rendimentos petrolíferos.
Por outras palavras, a retirada da guerra do cenário nacional está já a mexer com tudo e todos.
O Governo angolano está a partir de agora submetido a uma mais intensa vigilância dos seus já conhecidos inimigos, adversários e críticos, com os olhos postos no fenómeno da corrupção e da falta de transparência, duas referências permanentes que têm acompanhado a actuação do Executivo.
Duas referências contra as quais o Governo vai ter lutar de agora em diante com mais determinação se quiser realmente projectar interna e externamente uma imagem diferente daquela que justa ou injustamente se colou às suas vestes, quais duas lapas teimosas.
Ignorar esta realidade ou atribuí-la apenas a conspirações e cabalas alimentadas do exterior é que não parece ser muito aconselhável.
Neste fogo cruzado de acusações e contra-acusações, o jornalismo económico em defesa dos interesses nacionais, vai ter de saber posicionar-se correctamente, evitando participar em campanhas políticas, mas com a certeza antecipada de que este tipo de informação vai manter-se e mesmo crescer.
Passar pura e simplesmente ao seu lado, com receio de chocar com o poder político ou ser carimbado por ele com algum adjectivo bem conhecido é que também não nos levará a lado nenhum, num mundo cada vez mais globalizado, onde as fronteiras nacionais já não são suficientes para travar os fluxos informativos que nos chegam diariamente às catadupas, bastando para o efeito ter apenas um computador e uma simples linha telefónica.
Melhor do que ninguém, o jornalismo económico é chamado nos dias que passam a informar o país sobre si próprio e sobre o seu lugar no mundo, evitando que Angola caminhe sem inquietações para situações mais complicadas.
O fim da guerra com tudo o que de potencialmente positivo trouxe para a solução dos problemas nacionais, está longe de ser a varinha mágica com que todos sonhamos.
Muita pedra por partir ainda temos pela frente.
Tendo em conta a sua própria essência, o jornalismo económico está agora na linha da frente, pois estamos perfeitamente de acordo com quem afirmou que, “não há democracia sem informação rigorosa e sem debate leal, incompatíveis com o espectáculo-rei que desnatura a informação e dissolve o Estado, a nação e a própria sociedade, tornada ignorante das solidariedades elementares, dos interesses mais essenciais, das aspirações mais legítimas”.(1)

Inspirados por Claude Julien diremos que jornalismo económico está aí para dizer aos cidadãos que o seu futuro é jogado diariamente longe de determinadas ribaltas para onde muitas vezes a atenção dos espectadores é atirada, com o claro propósito de fazer deles apenas isso mesmo: meros espectadores de um espectáculo que em abono da verdade está a ser feito noutro local, onde no segredo dos deuses se discute e se decide o sistema financeiro, os mecanismos de mercado, as concepções estratégicas e por aí além.

8/Agosto/ 2003