segunda-feira, 27 de julho de 2020

O jornalismo económico e a experiência do programa Azimute da RNA (Agosto 2003)*


 Falar da experiência da Rádio Nacional de Angola em matéria de jornalismo especializado, é antes de mais, com todas as limitações editoriais que se possam apontar, destacar o tratamento positivo e relevante que a informação económica sempre conheceu, desde que foi para o ar a primeira grelha de programas da RNA, o que aconteceu nos idos de 1978.
Em termos de história do jornalismo angolano do pós-independência, podemos pois localizar na Rádio Nacional o surgimento do primeiro projecto devidamente estruturado de jornalismo económico, com a elaboração e transmissão do Programa Semanal “Azimute- Os Novos Rumos da nossa Economia”, que ia para o ar em primeira emissão às quintas-feiras às 23.30 com reposição às sextas a partir das 14.30.
Cerca de 25 anos depois, com o mesmo propósito, e já sem o asfixiante colete ideológico do passado, o programa Azimute mantém-se bem vivo na grelha da Rádio Nacional, o que faz dele o programa especializado mais antigo da estação emissora estatal.
Uma antiguidade, estamos convencidos, que se estende a todo o espaço nacional, o que quer dizer a toda a informação angolana.
O Azimute é assim uma espécie “do mais kota do conjunto”, um verdadeiro sobrevivente em relação à todas as remodelações, alterações e últimamente, autênticas varridelas, que a programação da RNA tem vindo a conhecer ao longo do seu primeiro quarto de século de existência.
Estamos de facto em presença do decano do jornalismo especializado em Angola.
Um caso singular de longevidade radiofónica que tem, certamente, a sua explicação no interesse especial que a informação e a análise económicas sempre suscitaram junto do público.
Uma explicação que podemos igualmente encontrar na escolha feliz do nome que foi encontrado para designar o programa.
De facto, nunca uma luva serviu tão bem uma mão tão pesada e complexa, como foi o caso da descoberta do nome Azimute para designar um programa de economia em rádio em plena época do marxismo-leninismo e do socialismo científico, quando parecia não haver qualquer dúvida em relação à edificação de uma pátria de trabalhadores em Angola, na trincheira firme da revolução em África.
Em termos de estratégia editorial, o Azimute foi criado, entre outros, com os seguintes objectivos:
“Mudar radicalmente o estilo e método de trabalho dos dirigentes e responsáveis do Sector Económico; Consolidar a direcção centralizada e a organização das unidades económicas estatais; Velar pela gestão e controlo dos preços e pela actividade da banca; Destacar as vantagens do sistema económico dos países da comunidade socialista, com referências particulares ao cálculo económico, através de exemplos compreensíveis aos trabalhadores e camponeses.”
O Azimute original era especialmente destinado a todos quantos na época tinham responsabilidades na condução da economia do país, desde a mais pequena empresa até ao nível de dirigente nacional.
Desde logo o seu realizador reconheceu que a abordagem de matérias tão complexas, de modos a tornar o programa cativante para o público-alvo era uma tarefa difícil.
Uma dificuldade do tipo estrutural, note-se, sentida desde sempre por todos os profissionais que se movimentam nas águas do jornalismo económico.
A questão de fundo aqui é comunicar com eficácia num terreno onde a descodificação tem de ser permanente, pois está-se de facto numa área de intervenção especializada para o grande público de uma rádio generalista.
O grande desafio do jornalista especializado é preservar a precisão dos dados colhidos (informações) usando uma linguagem acessível.
O programa Azimute entrou para as antenas da Rádio Nacional determinado a ficar até aos dias de hoje, pela mão criadora e realizadora do jornalista José Oliveira, com a apresentação do locutor Aguinaldo Caldeira e com sonorização e montagem do Victor Filipe.
 Cerca de dois anos depois, a realização do programa é entregue ao Joaquim Pereira de Almeida, tendo o autor destas linhas sido o terceiro realizador na sua história a assumir a responsabilidade pela condução do Azimute ainda na primeira metade dos anos oitenta por um período de cerca de cinco anos consecutivos.
A nossa pesquisa de memória não nos permite neste momento identificar com o necessário rigôr e ordem de precedência, os restantes jornalistas que, posteriormente, foram conduzindo na RNA, “Os novos rumos da nossa economia”, até aos dias de hoje.
Estamos, entretanto, mais ou menos certos e desde já queremos pedir a vossa compreensão por alguma falha ou omissão, que depois da nossa passagem pelo Azimute, por lá passaram igualmente como timoneiros do mesmo barco, o Silva Júnior e o Ismael Mateus.
Este último jornalista viria a ser o primeiro chefe da redacção económica da RNA criada por nossa iniciativa, na segunda metade da década de oitenta no decorrer do nosso consulado à frente do Departamento de Informação da Rádio Nacional de Angola.
O surgimento desta primeira redacção especializada na RNA, com a categoria de sector, penso que mesmo antes da própria redacção desportiva, foi, sem dúvidas, o resultado bem sucedido das reprodutivas sementes lançadas no terreno daquela emissora pelo Programa Azimute.
Pelas informações que vamos tendo sobre o funcionamento actual da RNA, com base nos novos ventos que vão soprando pelos seus estúdios centrais, em termos de enquadramento do jornalismo especializado, o esquema de trabalho estabelecido com a redacção económica parece ter sido substituído por um outro, cujos contornos desconhecemos.
A forma temática como o programa Azimute foi estruturado desde o seu surgimento era já em si uma boa base para, a partir dela, se evoluir no sentido da criação de uma estrutura ampla que viria a permitir uma abordagem mais em profundidade das diferentes questões colocadas pela cobertura da actividade económica, quer em termos de informação quer de análise.
O Azimute estava sub-dividido em quatro temas, a saber, teoria, produção, estatística e debate/entrevista, a serem transmitidos ao longo das quatro edições mensais do programa.
O programa teórico serviria para tratar de questões como o sub-desenvolvimento, as características da economia angolana, a planificação, o cálculo económico, os preços, a moeda, a inflação, o centralismo democrático e o burocratismo.
Um programa sobre as Unidades de Produção com a identificação à partida de 12 das mais importantes unidades existentes no país e com as atenções voltadas para os novos métodos de direcção de empresa, o seu enquadramento na economia nacional, as realizações, os problemas enfrentados e os projectos de desenvolvimento.
O programa de estatística tinha como temas gerais a sua importância na planificação da economia, a interpretação quantitativa, qualitativa e política do instrumento, os problemas que se colocam a um país subdesenvolvido para a realização da estatística, aspectos da informática e a divulgação de dados a nível nacional e no mundo.
Um quarto programa seria consagrado aos debates, do tipo mesa-redonda ou com depoimentos recolhidos separadamente, em torno da actividade dos diferentes sectores da economia.
Em alternativa ao debate optar-se-ia pela entrevista.
Por várias razões, este esquema de trabalho nunca chegou a ser implementado integralmente pelo programa Azimute, que o transferiu depois com outras referências para a Redacção Económica (REC).
Esta redacção pelo que julgamos saber e à semelhança do que aconteceu com o programa Azimute, também foi pioneira na história do nosso jornalismo especializado.
A RNA foi o primeiro órgão de comunicação social no pós-independência a dar vida própria a uma redacção económica.
A redacção económica surge na estrutura da RNA, inicialmente adstrita ao Departamento de Informação, com o propósito de elaborar todas as notas de redacção, artigos crónicas, comentários, notícias e reportagens sobre a actualidade económica nacional e internacional.
O programa Azimute passou naturalmente para a alçada desta nova estrutura, sendo o seu principal produto.
O Azimute chegou a ter na altura duas edições distintas por semana, com o Azimute-Formação e o Azimute- Actualidade.
A REC propunha-se igualmente fornecer material económico aos demais departamentos e áreas de produção da RNA que dele necessitassem.
A estrutura orgânica da RNA conheceu posteriormente mais um desenvolvimento com a criação do Departamento de Programas Especializados (DPE) que passou a integrar, para além da Redacção Económica, outras que foram surgindo como a cultural e não só.
Na altura começou a entrar na ordem do dia a discussão sobre a necessidade do surgimento de uma nova direcção, a Direcção de Informação, pois tudo quanto era área de produção, estava integrado na Direcção de Programas.
Numa reflexão que elaboramos na época sobre o que deveria ser a estrutura ideal para a RNA, sustentávamos que o crescimento da RNA deveria passar fundamentalmente pelo aparecimento de uma direcção que tivesse a incumbência de se ocupar exclusivamente da Informação, entendida no seu sentido global.
Em defesa desta necessidade, da criação do que viria a ser a futura Direcção de Informação e com base numa rápida análise do funcionamento do Departamento de Informação e do Departamento de Programas Especializados, tínhamos chegado à conclusão que as duas áreas, por falta de uma coordenação efectiva, não tinham conseguido funcionar numa perspectiva de continuidade, o que se reflectiu de maneira preocupante na qualidade dos serviços noticiosos, na cobertura da actualidade e na recolha de informação.
A Direcção de Informação da Rádio Nacional viria a ser criada alguns anos, muito poucos, depois desta reflexão.
Estava-se, salvo erro, bem no início da década de noventa, quando por razões de força maior vejo interrompida a minha relação juridico-laboral com aquela estação emissora, na sequência de um processo complicado de desentendimentos e ao mesmo tempo contraditório com o espirito de abertura que se começava a respirar timidamente na época, com o inicio das negociações com a UNITA.
Pelo que aqui ficou dito nesta retrospectiva pela sua programação, fica claro que a necessidade de especialização sempre esteve bem presente na forma como a RNA foi jornalísticamente crescendo ao longo dos tempos.
Uma especialização que conferiu ao jornalismo económico honras de primeira página, numa altura em que o seu impacto ainda não tinha os contornos críticos de um jornalismo feito em condições mais independentes do ponto do seu relacionamento com os diferentes poderes estabelecidos, incluíndo o poder político.
Na altura, tudo,
a bem ou a mal, fazia parte do chamado sistema das correias de transmissão.(1) Mesmo assim, acomodado neste colete-de-forças, o jornalismo económico que então era possível fazer-se na RNA, não deixava de jogar o seu papel, sem, contudo, pôr em causa as grandes estratégias de política económica do Partido/Estado.
*15/Agosto 2003