[Falar dos problemas actuais do nosso jornalismo com a abrangência e a profundidade que uma tal incursão requer e aconselha não é, naturalmente, possível no espaço de uma intervenção de cerca de 15 minutos que é o tempo que nos foi concedido para abordarmos este tema, pelos organizadores destas Segundas Jornadas Técnico Científicas da Comunicação Social.Uma iniciativa que desde já queremos saudar pelo seu interesse e importância para o desenvolvimento integral da actividade jornalística entre nós, com a esperança de que este fórum de debate plural se consiga manter como uma referência obrigatória anual no calendário dos profissionais da comunicação social angolana. Vamos então tentar falar rapidamente dos problemas que nos preocupam, que preocupam o nosso jornalismo, com a limitação já referida, a condicionar este levantamento apenas a alguns deles que pensamos serem os mais pertinentes.]
#Tenho para
mim que o grande problema que o jornalismo enfrenta em todo o mundo, sem
excepção, é a sua afirmação como um poder independente ao serviço da sociedade
e do interesse público, que em democracia são as duas principais fontes de
legitimação do poder que se renova periodicamente pelo mecanismo sufrágio
universal.
Um mecanismo que anda ausente de Angola já faz um bom tempo, após o seu primeiro e trágico ensaio em 1992.
Uma ausência que explica parcialmente todos os problemas de relacionamento e de equilíbrio que hoje se vivem por aqui, onde se incluem os da comunicação social sobretudo na sua coabitação com o poder político.
Um mecanismo que anda ausente de Angola já faz um bom tempo, após o seu primeiro e trágico ensaio em 1992.
Uma ausência que explica parcialmente todos os problemas de relacionamento e de equilíbrio que hoje se vivem por aqui, onde se incluem os da comunicação social sobretudo na sua coabitação com o poder político.
Tido para muitos como uma
utopia, a afirmação da independência dos jornalistas é, na nossa modesta
apreciação, a essência da actividade jornalística de referência, que se deve
manter como uma orientação permanente de todos quantos trabalham no sector, não
obstante todas as dificuldades e bloqueios conjunturais.
Estamos a falar do jornalismo
concebido naturalmente como um serviço
que se presta a toda a sociedade, onde estão incluídos os cidadãos de todas as
origens e opções e as instituições políticas, públicas, privadas, económicas
religiosas, culturais, desportivas, etc., etc..
Colocada no meio deste fogo
cruzado de interesses, a actividade jornalística só tem uma possibilidade de
desempenhar a sua missão com a necessária credibilidade se conseguir minimamente
salvaguardar a sua independência, numa luta permanente contra todos os
assaltos, a começar pelos proprietários dos próprios médias, que são os
primeiros a franzirem o sobrolho ou arreganharem a testa quando se lhes fala
desta parte da história.
A actual legislação angolana
foi feliz em reconhecer, preto no branco, a necessidade desta independência
obrigatória para os meios de comunicação social que são propriedade do estado,
num país que tem as características do nosso, onde a cobertura mediática a
nível nacional continua a ser garantida em mais de 90% por tais meios.
Em termos de país, a intervenção da comunicação social privada acaba por ser mais ou menos residual, mesmo em Luanda, onde a totalidade dos cinco semanários que se editam na capital, em termos de tiragem, não ultrapassam os 40 mil exemplares.
Em termos de país, a intervenção da comunicação social privada acaba por ser mais ou menos residual, mesmo em Luanda, onde a totalidade dos cinco semanários que se editam na capital, em termos de tiragem, não ultrapassam os 40 mil exemplares.
Reza o artigo 15 da Lei de
Imprensa (1991) que quando o Estado ou outra pessoa colectiva de direito
público seja proprietário de alguma publicação periódica, o estatuto destas
deverá salvaguardar a sua autonomia e independência editorial.
Para além deste artigo, temos
ainda na mesma lei, as alíneas c) e d) do seu artigo 3º que são muito mais
abrangentes, ao considerarem que em Angola os órgãos de comunicação social têm
como fins gerais “informar o público, com a verdade, independência e isenção,
sobre os acontecimentos nacionais e internacionais, assegurando o direito dos
cidadãos à informação correcta e imparcial”, ao mesmo tempo “que devem
assegurar a livre expressão da opinião pública e da sociedade civil”.
O conteúdo destes dois
artigos dá assim completa satisfação ao principio da independência da
actividade jornalística, o que choca permanentemente com o desempenho dos jornalistas
e dos médias no seu dia-a-dia, havendo aqui a registar incidentes preocupantes
tanto do lado da média estatal como da imprensa privada.
Colocamos assim a
independência e o livre exercício da actividade jornalística como o principal
problema que enfrenta actualmente o jornalismo angolano, numa altura em que as
tendências mais controlistas do passado parecem querer dar lugar a uma paisagem
mais descontraída, com os médias estatais a apresentarem uma imagem mais de
acordo com a multifacetada realidade nacional.
Para esta abertura estamos
absolutamente convencidos que foi decisivo o surgimento da informação privada
entre jornais e rádios, pois até então a opinião pública não tinha qualquer
termo de comparação para avaliar o tipo de informação que lhe era
disponibilizada pelos [estatais] MDMs (Meios de Difusão Massiva).
O jornalismo é um poder sem
ter poder de facto.
É um poder eminentemente social, que não deveria ser apropriado por ninguém em particular, mantendo-se como uma força de charneira e de equilíbrio, aberta a tudo e a todos, sem perder naturalmente de vista a sua principal missão que é a produção de informação verdadeira, isenta e objectiva, tendo em vista a sua divulgação massiva.
É um poder eminentemente social, que não deveria ser apropriado por ninguém em particular, mantendo-se como uma força de charneira e de equilíbrio, aberta a tudo e a todos, sem perder naturalmente de vista a sua principal missão que é a produção de informação verdadeira, isenta e objectiva, tendo em vista a sua divulgação massiva.
Infelizmente nos dias que
passam, a comunicação social tem estado a ser assaltada sistematicamente por
outros poderes, com destaque para o político e o económico, que vêem nos
“médias” uma poderosa alavanca de manipulação, prestígio e promoção, para a
prossecução dos seus interesses particulares/estratégicos.
Interesses quantas vezes
tão gravemente lesivos do próprio interesse nacional, como o atestam os mais
variados e sucessivos escândalos políticos e financeiros, envolvendo gente da
mais alta hierarquia ao nível de um sem número de países, onde, felizmente,
ainda vai havendo alguma capacidade para pôr ordem no circo das desgraças
nacionais/locais.
Definitivamente,
o Governo ou o partido que está no poder não pode ser confundido com o todo o
nacional, sobretudo em matéria de interesses, nem pode representar o conjunto
das aspirações de cada um dos cidadãos.
O
Governo é apenas uma parte deste todo com funções estratégicas, que lhe foram
atribuídas por todos nós, quer os que votaram a favor, como os que votaram
contra o partido que por força dos votos se constituiu em poder.
Uma força que em circunstância alguma pode ser entendida como um cheque em branco.
Uma força que em circunstância alguma pode ser entendida como um cheque em branco.
Os executivos em qualquer
parte do mundo democrático não fazem parte da mobília nacional, como soe
dizer-se, o que por outras palavras quer dizer que não vieram para ficar.
A mobília são os cidadãos.
Os executivos são eleitos, quando o são, para governar bem, para satisfazerem minimamente o interesse colectivo.
De quatro em quatro anos, eles, ou continuam, ou passam definitivamente à história.
Os jornalistas continuam no seu posto de sempre e quantas vezes não recebem reforços dos “caídos” deste ou daquele governo.
A mobília são os cidadãos.
Os executivos são eleitos, quando o são, para governar bem, para satisfazerem minimamente o interesse colectivo.
De quatro em quatro anos, eles, ou continuam, ou passam definitivamente à história.
Os jornalistas continuam no seu posto de sempre e quantas vezes não recebem reforços dos “caídos” deste ou daquele governo.
Alguns destes reforços,
curiosamente saídos da própria classe.
Pessoas que à certa altura decidiram mudar de rumo ou fazer carreira, como se o jornalismo não fosse também uma carreira.
Pessoas que à certa altura decidiram mudar de rumo ou fazer carreira, como se o jornalismo não fosse também uma carreira.
Com um mandato vitalício que
lhes é conferido pela própria constituição, no domínio das liberdades
fundamentais, entre as quais figura a liberdade de imprensa, os jornalistas
estão entre a mobília nacional como verdadeiros mirones [watch dogs] da
actividade governamental no seu dia-a-dia, espreitando quantas vezes pelos
buracos das fechaduras, pois o sistema da porta fechada continua a ser o
predilecto da governação em Angola e não só.
Só um jornalismo independente
está em condições de jogar um papel positivo na sociedade como uma força de
pressão, capaz de ajudar os governos a alterarem, nomeadamente, posturas
anti-sociais, a que, vezes sem conta,
são conduzidos por uma estranha lógica de governação, que ignora a dimensão
humana do cidadão, transformando-o em mera referência estatística para cálculos
de vária ordem, quantas vezes manipulados.
#A falta de
rigôr profissional no tratamento das diferentes matérias que fazemos chegar aos
nossos consumidores, tendo em conta naturalmente o seu interesse público, é
outro dos problemas que vem marcando o jornalismo angolano.
Esta falta de rigôr tem do outro lado a manipulação dos jornalistas por determinadas fontes. Tem ainda o fenómeno da corrupção que entre nós não tem poupado ninguém em termos de generalização.
Esta falta de rigôr tem do outro lado a manipulação dos jornalistas por determinadas fontes. Tem ainda o fenómeno da corrupção que entre nós não tem poupado ninguém em termos de generalização.
Estamos a atravessar uma
altura, que já se arrasta de há uns anos a esta parte, em que de facto, o rigôr
é o grande desafio para se vencer a batalha da qualidade do nosso produto, face
a avalanche de críticas que continua a chover, sendo grande parte delas
assumida pelos círculos políticos afectos ao governo e ao partido no poder e
tendo como destinatários privilegiados os homens da imprensa privada.
É fácil de constatar esta
ausência de rigôr, sobretudo quando em causa estão matérias que envolvem interesses
contraditórios, ficando mais ou menos claro que o jornalista que pegou no
assunto privilegiou o contacto com uma das partes, com a agravante de muitas
vezes ignorar quase que ostensivamente o outro lado da barricada, num grave
atentado ao principio constitucional da presunção da inocência.
Para se resolverem em parte
estes problemas, pois os jornalistas muitas vezes alegam indisponibilidade de
uma das partes envolvidas, gostaríamos que a futura lei de imprensa fosse mais
taxativa em relação às obrigações das diferentes fontes, sobretudo quando se
tratarem de fontes com responsabilidades políticas ou públicas.
A actual lei é muito vaga a
este respeito, pois apesar de garantir aos profissionais o acesso às fontes de
informação necessárias ao exercício do direito do cidadão à informação e de
orientar as entidades oficiais no sentido de facilitarem um tal acesso, acaba
por ser omissa em relação às consequências resultantes da ausência desta
colaboração.
Os jornalistas são normalmente acusados de sensacionalistas e de outras práticas menos correctas, mas as fontes oficiais, e não só, que se recusam a dar informação acabam por passar em branco quando se faz o julgamento do produto final.
Os jornalistas são normalmente acusados de sensacionalistas e de outras práticas menos correctas, mas as fontes oficiais, e não só, que se recusam a dar informação acabam por passar em branco quando se faz o julgamento do produto final.
Seja como for, já não se
podem tolerar de ânimo leve determinadas “intervenções jornalísticas” onde o
mais elementar dos deveres profissionais é pura e simplesmente ignorado.
Está-se muito mal.
Está-se muito mal.
Escrever, mesmo sob
“encomenda”, uma matéria problemática, onde em causa estão interesses
contraditórios, sem ouvir no mínimo as partes em confronto é primeiro passar ao
lado de regras sagradas, cuspindo nelas.
Depois vem o resto, caso a coisa dê para o torto, o que é sempre um potencial risco quando em jornalismo não se cruzam as informações e não se contactam todas as fontes possíveis ou pelo menos disponíveis.
Depois vem o resto, caso a coisa dê para o torto, o que é sempre um potencial risco quando em jornalismo não se cruzam as informações e não se contactam todas as fontes possíveis ou pelo menos disponíveis.
Ao admitirmos que é possível
escrever sob “encomenda”, não estamos a caucionar nem um tipo de manipulação
prévia de quem contacta o jornalista e o “convence” a elaborar determinada
história.
Pensamos que qualquer pessoa
ou instituição está no direito de contactar determinado jornalista por achar
que ele é o profissional mais adequado para dar o melhor tratamento ao assunto
que gostaria de se ver estampado para consumo da opinião pública.
Até aqui não vemos qualquer
problema que possa ferir a ética e a deontologia profissionais.
Aliás, os próprios gabinetes de imprensa, que hoje pululam por tudo quanto é instituição, são bem o reflexo desta necessidade de “vender” a melhor imagem junto da comunicação social, sem haver necessidade, muitas vezes, de se recorrer à publicidade paga.
Uma entrevista, um artigo ou uma reportagem assinado por um reputado jornalista sobre determinado caso, empresa, instituição, projecto ou iniciativa vale muito mais do que uma página inteira de publicidade do tipo “eu sou o melhor do mundo, depois de mim há pouco mais por aí”.
Aliás, os próprios gabinetes de imprensa, que hoje pululam por tudo quanto é instituição, são bem o reflexo desta necessidade de “vender” a melhor imagem junto da comunicação social, sem haver necessidade, muitas vezes, de se recorrer à publicidade paga.
Uma entrevista, um artigo ou uma reportagem assinado por um reputado jornalista sobre determinado caso, empresa, instituição, projecto ou iniciativa vale muito mais do que uma página inteira de publicidade do tipo “eu sou o melhor do mundo, depois de mim há pouco mais por aí”.
Lamentavelmente, o que se
está a passar com o jornalismo entre nós é, muitas vezes, a aceitação da dita
“encomenda” sem condições, o que leva a que o jornalista contactado se
transforme num puro instrumento de quem está na “ofensiva” por qualquer motivo.
Assim, deixaremos de ser as
correias de transmissão do passado, mas passaremos a ser teleguiados pelo
controlo remoto de quem nos observa de longe e muitas vezes se diverte com as
nossas desgraças, depois de sermos apanhados pelas armadilhas por eles próprios
montadas.
*TEXTO DA COMUNICAÇÃO APRESENTADA NASSEGUNDAS
JORNADAS TÉCNICO-CIENTÍFICAS DA COMUNICAÇÃO SOCIAL
CABINDA- CENTRO DE CONFERÊNCIAS DE SIMULAMBUCO
27 A 30 DE NOVEMBRO 2001