quarta-feira, 6 de outubro de 2010

(Makas na TPA- 2) Em causa o Estado de Direito

Elegi a maka do acordão do Tribunal Constitucional que ditou a anulação do processo SME e a consequente libertação dos réus condenados (Quina e pares), como sendo entre as quatro abordadas domingo último no Semana em Actualidade da TPA, a mais estruturante do ponto de vista da democratização da sociedade angolana, que continua a ser um projecto em vias de (contraditória) implementação.
Como se sabe, pela sua novidade, uma verdadeira lufada de ar fresco, o conteúdo do referido acordão provocou um terramoto ao nível do poder judicial e dos seus operadores, com as ondas de choque a espalharem-se depois por toda a sociedade e a alimentarem um acalorado/apaixonado debate aos mais diferentes níveis que prossegue actualmente.
Até aqui tudo bem, nada a reclamar, pois só assim Angola do presente poderá realmente mudar no futuro e não fingir que está a mudar como tem acontecido.
Destaquei no debate de domingo último, no que fui acompanhado pelo Ismael Mateus, que a mais importante lição a retirar-se desta maka, prende-se com a necessidade de, a partir de agora, o aparelho judicial ter em devida conta o que reza a nova Constituição, o que pressupõe que todos os seus operadores, com destaque para os magistrados judiciais (juízes), passem a observar com o necessário rigôr os seus diferentes principios, direitos e deveres, postulados e exigências.
De facto e até para não se correr o risco de se vir a banalizar, de algum modo, o recurso ao Tribunal Constitucional por dá cá aquela palha, sem minimizar a importância de cada caso, pois cada caso é mesmo um caso, os juízes conselheiros, os juízes de direito e os juízes municipais tem de ser os primeiros e mais intransigentes defensores das normas constitucionais.
É este o seu primeiro dever enquanto defensores da lei.
Os magistrados do Ministério Público têm igualmente o mesmo dever.
Se assim for, o sistema não terá necessidade de ter um "polícia" tão omnipresente.
Mas enquanto tal não acontece, o Tribunal Constitucional tem de facto de assumir as suas responsabilidades nesta etapa inicial da 3ª República ao mesmo tempo que deve tomar a iniciativa de promover o debate intra-muros e com toda a sociedade, com a finalidade de esclarecer o país sobre o novo figurino que está anexo à Constituição.
Em termos institucionais, tal observação (respeito integral) pressupõe muito mais.
Pressupõe uma reforma urgente de todo o sistema de justiça, pois conforme ele está estruturado, já está em rota de colisão com os novos fundamentos do Estado de Direito. Não sou eu que o digo. É o que tenho ouvido da boca de destacados jurisconsultos da nossa praça.
Para enfatizar esta necessidade levei para o debate o livro da Constituição, cuja leitura fiz questão de recomendar a todos os telespectadores e muito em particular aos responsáveis do país, como sendo da maior importância no arranque desta 3ª República.
Polémico ou não, o acordão do TC teve assim o grande mérito de acordar o "país dos tribunais" para lhe comunicar que a Angola de ontem já não serve para os dias de hoje e muito menos para os dias de amanhã.
Todos estamos de acordo que os direitos e as garantias fundamentais dos cidadãos são o ponto forte (mais positivo) da nova Constituição.
Se o texto constitucional mudou tão profundamente, as consequências têm de ser sentidas de alto a baixo em todo o aparelho judicial, começando pela base, pela instrução dos processos, nomeadamente com a reavaliação do papel da "judite"e a inevitável introdução dos juízes de instrução no circuito da justiça, como sendo uma das garantias da sua independência e isenção. Há, claramente, policia a mais no sistema, com todas as consequências negativas resultantes deste excesso, típico dos regimes autoritários de que Angola é tributária, tendo em conta todo o seu passado histórico.
Dizer que o país mudou e continuar tudo na mesma, parece ser a estratégia de muito boa gente neste país, que está enquistada nos vários escalões da sua hierarquia, disposta a resisitir enquanto for possível.
Lamentavelmente, poder judicial não constitui excepção neste entrincheiramento, que só pode ter como consequência um clima de guerrilha institucional que já ficou bem patente por ocasião do Ácordão do TC sobre o processo SME.