terça-feira, 29 de agosto de 2017

Mais uma crise pós-eleitoral à vista*

Ainda não é possível saber/adivinhar como é que vamos sair desta crise que se instalou logo que a CNE divulgou quinta-feira (24/8) os primeiros resultados provisórios das eleições gerais de 23 de Agosto.
Para já e como certeza só há mesmo a crise instalada como referencia maior da situação que se está a viver nesta altura, sobretudo depois de 7 comissários da própria CNE se terem demarcado publicamente do procedimento que esteve na base da referida apresentação e que eles reputam como sendo estranho por não ter respeitado minimamente a legislação em vigor.
Mais grave do isso e ainda segundo o que tornaram público quinta-feira da semana passada em Talatona, foi a sua não participação neste passo tão temerário dado pela CNE ou por parte dela, que acabou por estragar a própria festa.
Até prova em contrário, não temos como não fazer boa-fé nas declarações dos Comissários da CNE, que durante todo este tempo, mesmo com toda a turbulência que tem vindo a marcar o relacionamento da CNE com os partidos da Oposição, souberam sempre respeitar a reserva da palavra a que estão obrigados pelo regulamento interno.
Um regulamento que nos parece ser mais adequado para organizações secretas, do que propriamente para instituições independentes do Estado Democrático de Direito.
A CNE, note-se, está obrigada por lei a deliberar com base no princípio do consenso, só devendo recorrer à votação por maioria simples, em caso deste não ser possível após ter sido efectivamente ensaiado e tentado, o que acaba por ser o grande desafio adiado deste país de que esta instituição é quase a imagem perfeita, tendo como referência a crónica dos últimos dias.
Com a conquista da paz em 2002, Angola melhorou bastante as suas perspectivas, mas pelos vistos ainda não conseguiu a acertar o rumo, o que é facilmente verificável no terreno dos nossos desencontros e desconseguimentos para todos os gostos e feitios.
A confirmar-se esta situação, está-se efectivamente diante de algo muito perturbador para a transparência de todo o processo, o que só pode alimentar cenários com cores bastante cinzentas e pouco animadoras em relação aos próximos dias e ao próprio desfecho do processo. Um processo cuja saúde neste momento já não podemos recomendar como muito bem gostaríamos de fazer, depois dos seus primeiros passos, estamos a falar apenas da organização e funcionamento das mesas e assembleias de voto no dia 23 de Agosto, terem decorrido de forma até bastante aceitável, pelos menos nas grandes cidades, pois no que toca ao "mato", as coisas não correram assim tão bem.
Em relação aos passos anteriores, é bom que se recorde, as coisas também não estiveram nada famosas, sobretudo no que toca ao desempenho da comunicação social, sem pretendermos generalizar esta nota negativa.
Lamentavelmente, os incidentes do período pré-eleitoral continuam a não ser matéria coberta pelo contencioso eleitoral/judicial, o que permite que todos os abusos contra o principio do tratamento igual a que todos os candidatos têm direito, sejam devidamente programados e cometidos na maior das impunidades por quem tem maior capacidade para o fazer, sendo claro que em Angola só o MPLA, como partido/estado que nunca deixou de ser, tem essa possibilidade.
Mais uma vez ficou provado o principio de Murphy, que tem no território angolano um verdadeiro e produtivo campo de atracção magnética.
Nada está tão mal que não possa ficar ainda pior.
E ficou mesmo.
Desta vez foi ainda mais em cheio, com o que deverá ficar registado na história das eleições angolanas como tendo sido um dos piores desempenhos das duas televisões (a pública e a "privada") em matéria de imparcialidade na cobertura jornalística dos diferentes candidatos/partidos, onde todos devem ser tratados de igual forma pelos médias, que estão proibidos por lei de favorecerem ou prejudicarem a imagem dos concorrentes.
Esta diferença tão ostensiva, se objectivamente prejudicou a oposição, acabará sempre por valorizar o seu desempenho, seja ele qual for, a trazer-nos de volta a imagem de um combate entre um peso pesado e um peso mosca.
Nem sequer os banhos de multidão de uns e de outros podem ser tidos como referência segura de avaliação preliminar devido a desproporcionalidade dos meios usados para os conseguir, particularmente pelo concorrente que mais banhos tomou, tendo terminado a campanha verdadeiramente "encharcado" numa cidade onde pelos vistos os resultados das urnas acabam por contrariar a tal lógica dos banhos, apresentada como sendo quase uma garantia de vitória antecipada e esmagadora.
Luanda pelos vistos está a crescer também como sendo a praça eleitoral onde o voto consciente é mais forte.
Quem foi que disse que na política não vale tudo?
A recta final desta campanha foi um verdadeiro e frenético vale tudo, com recurso a meios aéreos para distribuir propaganda hostil e a utilização de um "bombardeamento por sms" com recurso aos serviços da UNITEL/MOVICEL.
O vale tudo contou ainda com a proeza que foi termos 300 violentos militantes a arrancar a peruca de uma donzela também militante mas de um outro partido, sem lhe provocarem qualquer outra mazela, tendo a televisão feito depois toda a "maquilhagem" para nos convencer que o MPLA tinha sido violentamente agredido por um dos seus adversários, no dia em que a CASA-CE fez a sua principal demonstração de força popular na capital de todos nós.
Neste âmbito foi ainda ressuscitado o já famoso “vídeo Makuta” com mais de dois anos, do tempo em que houve a última tentativa de golpe de estado no Burkina-Fasso, que foi em Setembro de 2015.
Mas houve mais, muito mais em matéria de "faits-divers" e ruídos de fundo, tudo montado para favorecer um dos candidatos.
Como eleitor a minha experiência foi muito boa, tendo conseguido até fotografar no dia seguinte a acta da mesa onde votei e onde voltei a apostar na solução política que, independentemente dos resultados que se anunciam e também já se contestam, continua a ser a melhor via para este país resolver de forma mais eficaz e solidária os seus sérios problemas sociais, que não têm parado de se agravar.
Para comemorar esta minha quarta tentativa de ajudar a conseguir o “milagre do consenso” com o meu voto, fiz a seguinte declaração na hora:
“ Se depender de mim, Angola nascerá amanhã mais igual para todos nós, sem excepção”. Pelos “resultados” ainda virtuais de Luanda acho que muita gente fez a mesma aposta.
Muita gente mesmo.
Estou hoje mais convencido do que nunca que o eleitorado só terá alguma possibilidade de exigir do Governo o cumprimento das promessas eleitorais do partido vencedor, se o parlamento se constituir num verdadeiro e equilibrado espaço de debate das questões nacionais.
De outra forma, caso o MPLA confirme a sua já anunciada vitória, a "farra" vai continuar como até aqui, apenas com a diferença de haver agora menos "música", enquanto ainda está por se saber quando é que será dado o passo final da transição em curso, após cerca de 39 anos de "eduardismo".
Até lá reserva-mo-nos ao direito de esperar para ver/para crer, tendo como limite o próximo ano.
Em matéria de crises, não há nada que nos surpreenda em mais esta que se anuncia, sem falar já do cada vez mais distante ano de 1992, quando assistimos e participamos do enterro formal da Republica Popular com a realização das primeiras eleições multipartidárias.
Tem sido sempre assim, desde que em 2008 o país regressou ao ciclo democrático normal após um interregno de 16 anos que se dividiu entre em duas etapas, tendo pelo meio a morte de Jonas Savimbi em 2002 e a subsequente assinatura da paz definitiva em Abril do mesmo ano.
O sempre assim, tem sido a não a aceitação dos resultados por parte da Oposição face às maiorias qualificadas obtidas pelo MPLA em 2008 e 2012.
Na eleição precedente, onde pela primeira vez José Eduardo dos Santos foi finalmente consagrado Presidente eleito ao abrigo da Constituição, houve mesmo um boicote da sua entronização com a ostensiva ausência da UNITA e da CASA-CE da cerimónia.
A propósito as duas formações emitiram contundentes declarações de protesto, denunciando a falta de transparência do processo eleitoral e destacando que, por tal razão, não pretendiam com a sua presença legitimar o acto da tomada de posse, que marcou o início da Terceira República.
Nas eleições deste ano e a não ser que aconteça algum “milagre”, estamos a caminhar para o mesmo “abismo” que já nos é familiar e que pode ter outras consequências, pois desta vez os “derrotados” já deram sinais que pretendem vender um pouco mais caro o seu voto.
Neste “abismo” não está por razões óbvias incluído o regresso à guerra, mas que vamos ter alguma turbulência, lá isso vamos, o que já começa a ser normal neste nosso tipo de navegação à vista.
*Este texto deveria ser publicado na coluna que semanalmente assino no “PAÍS”, no âmbito de uma colaboração regular que já tem mais de 5 anos. Tal não aconteceu por razões que em principio só me serão comunicadas oficialmente na próxima semana. Até lá considero que a minha colaboração com o referido jornal foi suspensa de forma unilateral pela sua direcção.

segunda-feira, 7 de agosto de 2017

As primeiras impressões (avulsas) de uma campanha

Nesta altura as correspondentes estatísticas ainda não ultrapassaram os dedos de uma mão, a fazer fé nas informações chegadas até ao nosso conhecimento e que se reportam a casos ocorridos nas províncias de Luanda, Uíge e Huambo, sem falar dos feridos.
Ter-se mortos e feridos numa campanha eleitoral é o pior que pode acontecer a qualquer país, pois tudo o resto é mais ou menos aceitável, em função das sensibilidades que nem sempre farão a mesma avaliação dos incidentes.
Dizer que tais factos não tiveram uma ligação directa com a campanha propriamente dita não é nenhuma consolação que possamos aqui valorizar.
Estamos convencidos que tudo o que se está a passar nesta vertente mais cinzenta, tem efectivamente como pano de fundo o debate político em curso que nos vai conduzir até ao próximo 23 de Agosto.
É mais um dia que está condenado a ficar na história deste país, embora ainda ninguém saiba exactamente com que letras mais definitivas ele vai ficar gravado para a posteridade.
De imediato parece já não haver muitas dúvidas que 38 anos depois, o 23 de Agosto de 2017 deverá marcar o fim do longevo consulado do Presidente José Eduardo dos Santos (JES) iniciado em Setembro de 1979, o que acaba por ser, até ver, a grande novidade destas eleições.
Parece, porque ainda não é um dado adquirido que esta retirada de JES da corrida à sua própria sucessão, possa vir a significar em definitivo o fim de um ciclo político a começar pela grande e dominante “família dos camaradas”, onde ele continuará a ser o líder do MPLA como resultado da sua reeleição para o cargo no Congresso do ano passado e para um mandato de 5 anos.
Tendo como cenário a possível vitória do MPLA nas eleições que se avizinham e caso JES por qualquer motivo não honre a sua palavra dada de abandonar a vida politica activa em 2018, é evidente que não estaremos diante do fim de um ciclo político de 38 anos, que com toda a justiça leva o seu nome com letras garrafais.
Assim sendo, com JES a liderar o MPLA até 2021, muito dificilmente as eleições de 23 de Agosto ficarão na história como sendo o início do fim do “eduardismo”.
Quem conhece os estatutos deste partido sabe bem qual é a extraordinária importância e a máxima autoridade do seu Presidente sobre toda a hierarquia, o que irá, provavelmente, colocar algumas questões politicamente mais sensíveis no seu relacionamento com o Presidente da República que ao nível do MPLA acaba por ser seu subordinado, se João Lourenço, que também é Vice-Presidente do MPLA, ganhar as eleições.
Sinceramente não acreditamos que uma tal coabitação, a ter lugar, venha a decorrer sem os inevitáveis sobressaltos/crise, por mais que João Lourenço já tenha tentado desdramatizar este cenário, numa abordagem em que nem ele próprio terá depositado uma grande fé, se o próprio nos permitir, com as desculpas antecipadas, esta incursão em seara alheia.
Nesta segunda semana da campanha eleitoral já deu para ver que o debate, infelizmente para o esclarecimento/mobilização dos eleitores, muito dificilmente vai acontecer entre os candidatos, tendo no centro das atenções a figura de João Lourenço.
Estamos num país e numa campanha eleitoral onde apenas o candidato do MPLA está em condições e tem a responsabilidade de prestar contas por todos os anos da governação deste país, com destaque certamente para os últimos 5 anos, que são aqueles que estão directamente em avaliação pelo eleitorado.
Não faz pois grande sentido que o debate entre os candidatos se faça sem a presença do representante do MPLA nesta corrida, que para já apenas respondeu com o silêncio total ao convite reiterado que lhe foi feito por Isaías Samakuva.  
Pelo que julgo saber não há nenhuma democracia que imponha o debate entre os candidatos como sendo uma obrigação legal. Nem poderia ser de outra forma em nome da própria liberdade. O debate acontece. E pronto. Mas também pode não acontecer. E pronto.
Acho, entretanto, que J.Lourenço devia responder ao desafio de Samakuva. Seja qual for a resposta.
Se for negativa deveria adiantar os seus argumentos de razão.
No Bié, João Lourenço falou da indústria mas foi apenas para atacar a UNITA, trazendo para a campanha o tema da guerra, o que era mais ou menos previsível, embora algumas pessoas ainda tivessem acreditado que desta vez o machado de guerra não seria mais desenterrado.
É bom, entretanto, recordar que a mais importante cintura industrial do país herdada do colono era a de Luanda e sempre funcionou com os altos e baixos que se conhecem, até que os "importadores" decidiram dar cabo dela com o apoio silencioso/cumplice do Governo.
Ao falar da indústria, estranhamente, o candidato do MPLA não falou dos biliões do erário que já foram gastos a criar polos industriais um pouco por todo o lado e a importar fábricas obsoletas, com destaque para a ZEE de Luanda.
Por que será que ele passou ao lado de todo este "esforço" do seu Governo?
Por falta de resultados?
O que é facto é que o candidato do MPLA perdeu uma excelente oportunidade para prestar contas ao país sobre o que em matéria de industrialização foi feito nestes últimos anos.
Toda a gente sabe que foi feito alguma coisa.
Resta saber a que preço e com que resultados efectivos no combate sobretudo ao desemprego jovem que é uma das grandes “makas que estamos com ela”, a explicar em grande medida a instabilidade social que temos, onde a criminalidade é a ponta visível de um enorme iceberg.
O “bilo” entre a Casa-CE e a TPA poderia ter um outro tratamento, menos fracturante, se a CNE fosse de imediato accionada para se pronunciar e deliberar sobre a cobertura jornalística que os médias estão a fazer da campanha eleitoral que no seu conjunto é ostensivamente favorável ao MPLA, por mais que do ponto vista proporcional/editorial se justifique a atribuição de maior espaço às suas actividades, considerando que o partido governante lidera a campanha em acções de massa no terreno.
Esta justificação não pode ir tão longe como está a acontecer agora, porque o que tem de prevalecer sempre é o direito ao tratamento igual por parte dos médias públicos que os partidos têm, por força do que dispõe a própria Lei Constitucional. Em tempo de campanha eleitoral a lei ordinária também não deixa dúvidas a este respeito.
O problema para mim é que os comissários que a Oposição tem na CNE não estão a ser suficientemente capazes de desempenharem a sua missão por razões que não deixam de me intrigar.
Foi o próprio candidato do MPLA quem disse claramente que os comissários que o seu partido indicou para a CNE estão lá para defender os interesses rubro-negros.
E pelos vistos estão a defender e muito bem.
Quanto aos da Oposição às vezes fico sem saber muito bem o que é que eles andam lá a fazer, com tantas reclamações que os partidos que os colocaram lá partilham com a opinião pública.
Sinceramente.

In Coluna/O PAÍS (5-08-2017)