segunda-feira, 7 de agosto de 2017

As primeiras impressões (avulsas) de uma campanha

Nesta altura as correspondentes estatísticas ainda não ultrapassaram os dedos de uma mão, a fazer fé nas informações chegadas até ao nosso conhecimento e que se reportam a casos ocorridos nas províncias de Luanda, Uíge e Huambo, sem falar dos feridos.
Ter-se mortos e feridos numa campanha eleitoral é o pior que pode acontecer a qualquer país, pois tudo o resto é mais ou menos aceitável, em função das sensibilidades que nem sempre farão a mesma avaliação dos incidentes.
Dizer que tais factos não tiveram uma ligação directa com a campanha propriamente dita não é nenhuma consolação que possamos aqui valorizar.
Estamos convencidos que tudo o que se está a passar nesta vertente mais cinzenta, tem efectivamente como pano de fundo o debate político em curso que nos vai conduzir até ao próximo 23 de Agosto.
É mais um dia que está condenado a ficar na história deste país, embora ainda ninguém saiba exactamente com que letras mais definitivas ele vai ficar gravado para a posteridade.
De imediato parece já não haver muitas dúvidas que 38 anos depois, o 23 de Agosto de 2017 deverá marcar o fim do longevo consulado do Presidente José Eduardo dos Santos (JES) iniciado em Setembro de 1979, o que acaba por ser, até ver, a grande novidade destas eleições.
Parece, porque ainda não é um dado adquirido que esta retirada de JES da corrida à sua própria sucessão, possa vir a significar em definitivo o fim de um ciclo político a começar pela grande e dominante “família dos camaradas”, onde ele continuará a ser o líder do MPLA como resultado da sua reeleição para o cargo no Congresso do ano passado e para um mandato de 5 anos.
Tendo como cenário a possível vitória do MPLA nas eleições que se avizinham e caso JES por qualquer motivo não honre a sua palavra dada de abandonar a vida politica activa em 2018, é evidente que não estaremos diante do fim de um ciclo político de 38 anos, que com toda a justiça leva o seu nome com letras garrafais.
Assim sendo, com JES a liderar o MPLA até 2021, muito dificilmente as eleições de 23 de Agosto ficarão na história como sendo o início do fim do “eduardismo”.
Quem conhece os estatutos deste partido sabe bem qual é a extraordinária importância e a máxima autoridade do seu Presidente sobre toda a hierarquia, o que irá, provavelmente, colocar algumas questões politicamente mais sensíveis no seu relacionamento com o Presidente da República que ao nível do MPLA acaba por ser seu subordinado, se João Lourenço, que também é Vice-Presidente do MPLA, ganhar as eleições.
Sinceramente não acreditamos que uma tal coabitação, a ter lugar, venha a decorrer sem os inevitáveis sobressaltos/crise, por mais que João Lourenço já tenha tentado desdramatizar este cenário, numa abordagem em que nem ele próprio terá depositado uma grande fé, se o próprio nos permitir, com as desculpas antecipadas, esta incursão em seara alheia.
Nesta segunda semana da campanha eleitoral já deu para ver que o debate, infelizmente para o esclarecimento/mobilização dos eleitores, muito dificilmente vai acontecer entre os candidatos, tendo no centro das atenções a figura de João Lourenço.
Estamos num país e numa campanha eleitoral onde apenas o candidato do MPLA está em condições e tem a responsabilidade de prestar contas por todos os anos da governação deste país, com destaque certamente para os últimos 5 anos, que são aqueles que estão directamente em avaliação pelo eleitorado.
Não faz pois grande sentido que o debate entre os candidatos se faça sem a presença do representante do MPLA nesta corrida, que para já apenas respondeu com o silêncio total ao convite reiterado que lhe foi feito por Isaías Samakuva.  
Pelo que julgo saber não há nenhuma democracia que imponha o debate entre os candidatos como sendo uma obrigação legal. Nem poderia ser de outra forma em nome da própria liberdade. O debate acontece. E pronto. Mas também pode não acontecer. E pronto.
Acho, entretanto, que J.Lourenço devia responder ao desafio de Samakuva. Seja qual for a resposta.
Se for negativa deveria adiantar os seus argumentos de razão.
No Bié, João Lourenço falou da indústria mas foi apenas para atacar a UNITA, trazendo para a campanha o tema da guerra, o que era mais ou menos previsível, embora algumas pessoas ainda tivessem acreditado que desta vez o machado de guerra não seria mais desenterrado.
É bom, entretanto, recordar que a mais importante cintura industrial do país herdada do colono era a de Luanda e sempre funcionou com os altos e baixos que se conhecem, até que os "importadores" decidiram dar cabo dela com o apoio silencioso/cumplice do Governo.
Ao falar da indústria, estranhamente, o candidato do MPLA não falou dos biliões do erário que já foram gastos a criar polos industriais um pouco por todo o lado e a importar fábricas obsoletas, com destaque para a ZEE de Luanda.
Por que será que ele passou ao lado de todo este "esforço" do seu Governo?
Por falta de resultados?
O que é facto é que o candidato do MPLA perdeu uma excelente oportunidade para prestar contas ao país sobre o que em matéria de industrialização foi feito nestes últimos anos.
Toda a gente sabe que foi feito alguma coisa.
Resta saber a que preço e com que resultados efectivos no combate sobretudo ao desemprego jovem que é uma das grandes “makas que estamos com ela”, a explicar em grande medida a instabilidade social que temos, onde a criminalidade é a ponta visível de um enorme iceberg.
O “bilo” entre a Casa-CE e a TPA poderia ter um outro tratamento, menos fracturante, se a CNE fosse de imediato accionada para se pronunciar e deliberar sobre a cobertura jornalística que os médias estão a fazer da campanha eleitoral que no seu conjunto é ostensivamente favorável ao MPLA, por mais que do ponto vista proporcional/editorial se justifique a atribuição de maior espaço às suas actividades, considerando que o partido governante lidera a campanha em acções de massa no terreno.
Esta justificação não pode ir tão longe como está a acontecer agora, porque o que tem de prevalecer sempre é o direito ao tratamento igual por parte dos médias públicos que os partidos têm, por força do que dispõe a própria Lei Constitucional. Em tempo de campanha eleitoral a lei ordinária também não deixa dúvidas a este respeito.
O problema para mim é que os comissários que a Oposição tem na CNE não estão a ser suficientemente capazes de desempenharem a sua missão por razões que não deixam de me intrigar.
Foi o próprio candidato do MPLA quem disse claramente que os comissários que o seu partido indicou para a CNE estão lá para defender os interesses rubro-negros.
E pelos vistos estão a defender e muito bem.
Quanto aos da Oposição às vezes fico sem saber muito bem o que é que eles andam lá a fazer, com tantas reclamações que os partidos que os colocaram lá partilham com a opinião pública.
Sinceramente.

In Coluna/O PAÍS (5-08-2017)