Ainda não é possível saber/adivinhar como é que vamos sair desta crise que se instalou logo que a CNE divulgou quinta-feira (24/8) os primeiros resultados provisórios das eleições gerais de 23 de Agosto.
Para já e como certeza só há mesmo a crise instalada como referencia maior da situação que se está a viver nesta altura, sobretudo depois de 7 comissários da própria CNE se terem demarcado publicamente do procedimento que esteve na base da referida apresentação e que eles reputam como sendo estranho por não ter respeitado minimamente a legislação em vigor.
Mais grave do isso e ainda segundo o que tornaram público quinta-feira da semana passada em Talatona, foi a sua não participação neste passo tão temerário dado pela CNE ou por parte dela, que acabou por estragar a própria festa.
Até prova em contrário, não temos como não fazer boa-fé nas declarações dos Comissários da CNE, que durante todo este tempo, mesmo com toda a turbulência que tem vindo a marcar o relacionamento da CNE com os partidos da Oposição, souberam sempre respeitar a reserva da palavra a que estão obrigados pelo regulamento interno.
Um regulamento que nos parece ser mais adequado para organizações secretas, do que propriamente para instituições independentes do Estado Democrático de Direito.
A CNE, note-se, está obrigada por lei a deliberar com base no princípio do consenso, só devendo recorrer à votação por maioria simples, em caso deste não ser possível após ter sido efectivamente ensaiado e tentado, o que acaba por ser o grande desafio adiado deste país de que esta instituição é quase a imagem perfeita, tendo como referência a crónica dos últimos dias.
Com a conquista da paz em 2002, Angola melhorou bastante as suas perspectivas, mas pelos vistos ainda não conseguiu a acertar o rumo, o que é facilmente verificável no terreno dos nossos desencontros e desconseguimentos para todos os gostos e feitios.
A confirmar-se esta situação, está-se efectivamente diante de algo muito perturbador para a transparência de todo o processo, o que só pode alimentar cenários com cores bastante cinzentas e pouco animadoras em relação aos próximos dias e ao próprio desfecho do processo. Um processo cuja saúde neste momento já não podemos recomendar como muito bem gostaríamos de fazer, depois dos seus primeiros passos, estamos a falar apenas da organização e funcionamento das mesas e assembleias de voto no dia 23 de Agosto, terem decorrido de forma até bastante aceitável, pelos menos nas grandes cidades, pois no que toca ao "mato", as coisas não correram assim tão bem.
Em relação aos passos anteriores, é bom que se recorde, as coisas também não estiveram nada famosas, sobretudo no que toca ao desempenho da comunicação social, sem pretendermos generalizar esta nota negativa.
Lamentavelmente, os incidentes do período pré-eleitoral continuam a não ser matéria coberta pelo contencioso eleitoral/judicial, o que permite que todos os abusos contra o principio do tratamento igual a que todos os candidatos têm direito, sejam devidamente programados e cometidos na maior das impunidades por quem tem maior capacidade para o fazer, sendo claro que em Angola só o MPLA, como partido/estado que nunca deixou de ser, tem essa possibilidade.
Mais uma vez ficou provado o principio de Murphy, que tem no território angolano um verdadeiro e produtivo campo de atracção magnética.
Nada está tão mal que não possa ficar ainda pior.
E ficou mesmo.
Desta vez foi ainda mais em cheio, com o que deverá ficar registado na história das eleições angolanas como tendo sido um dos piores desempenhos das duas televisões (a pública e a "privada") em matéria de imparcialidade na cobertura jornalística dos diferentes candidatos/partidos, onde todos devem ser tratados de igual forma pelos médias, que estão proibidos por lei de favorecerem ou prejudicarem a imagem dos concorrentes.
Esta diferença tão ostensiva, se objectivamente prejudicou a oposição, acabará sempre por valorizar o seu desempenho, seja ele qual for, a trazer-nos de volta a imagem de um combate entre um peso pesado e um peso mosca.
Nem sequer os banhos de multidão de uns e de outros podem ser tidos como referência segura de avaliação preliminar devido a desproporcionalidade dos meios usados para os conseguir, particularmente pelo concorrente que mais banhos tomou, tendo terminado a campanha verdadeiramente "encharcado" numa cidade onde pelos vistos os resultados das urnas acabam por contrariar a tal lógica dos banhos, apresentada como sendo quase uma garantia de vitória antecipada e esmagadora.
Luanda pelos vistos está a crescer também como sendo a praça eleitoral onde o voto consciente é mais forte.
Quem foi que disse que na política não vale tudo?
A recta final desta campanha foi um verdadeiro e frenético vale tudo, com recurso a meios aéreos para distribuir propaganda hostil e a utilização de um "bombardeamento por sms" com recurso aos serviços da UNITEL/MOVICEL.
O vale tudo contou ainda com a proeza que foi termos 300 violentos militantes a arrancar a peruca de uma donzela também militante mas de um outro partido, sem lhe provocarem qualquer outra mazela, tendo a televisão feito depois toda a "maquilhagem" para nos convencer que o MPLA tinha sido violentamente agredido por um dos seus adversários, no dia em que a CASA-CE fez a sua principal demonstração de força popular na capital de todos nós.
Neste âmbito foi ainda ressuscitado o já famoso “vídeo Makuta” com mais de dois anos, do tempo em que houve a última tentativa de golpe de estado no Burkina-Fasso, que foi em Setembro de 2015.
Mas houve mais, muito mais em matéria de "faits-divers" e ruídos de fundo, tudo montado para favorecer um dos candidatos.
Como eleitor a minha experiência foi muito boa, tendo conseguido até fotografar no dia seguinte a acta da mesa onde votei e onde voltei a apostar na solução política que, independentemente dos resultados que se anunciam e também já se contestam, continua a ser a melhor via para este país resolver de forma mais eficaz e solidária os seus sérios problemas sociais, que não têm parado de se agravar.
Para comemorar esta minha quarta tentativa de ajudar a conseguir o “milagre do consenso” com o meu voto, fiz a seguinte declaração na hora:
“ Se depender de mim, Angola nascerá amanhã mais igual para todos nós, sem excepção”. Pelos “resultados” ainda virtuais de Luanda acho que muita gente fez a mesma aposta.
Muita gente mesmo.
Estou hoje mais convencido do que nunca que o eleitorado só terá alguma possibilidade de exigir do Governo o cumprimento das promessas eleitorais do partido vencedor, se o parlamento se constituir num verdadeiro e equilibrado espaço de debate das questões nacionais.
De outra forma, caso o MPLA confirme a sua já anunciada vitória, a "farra" vai continuar como até aqui, apenas com a diferença de haver agora menos "música", enquanto ainda está por se saber quando é que será dado o passo final da transição em curso, após cerca de 39 anos de "eduardismo".
Até lá reserva-mo-nos ao direito de esperar para ver/para crer, tendo como limite o próximo ano.
Em matéria de crises, não há nada que nos surpreenda em mais esta que se anuncia, sem falar já do cada vez mais distante ano de 1992, quando assistimos e participamos do enterro formal da Republica Popular com a realização das primeiras eleições multipartidárias.
Tem sido sempre assim, desde que em 2008 o país regressou ao ciclo democrático normal após um interregno de 16 anos que se dividiu entre em duas etapas, tendo pelo meio a morte de Jonas Savimbi em 2002 e a subsequente assinatura da paz definitiva em Abril do mesmo ano.
O sempre assim, tem sido a não a aceitação dos resultados por parte da Oposição face às maiorias qualificadas obtidas pelo MPLA em 2008 e 2012.
Na eleição precedente, onde pela primeira vez José Eduardo dos Santos foi finalmente consagrado Presidente eleito ao abrigo da Constituição, houve mesmo um boicote da sua entronização com a ostensiva ausência da UNITA e da CASA-CE da cerimónia.
A propósito as duas formações emitiram contundentes declarações de protesto, denunciando a falta de transparência do processo eleitoral e destacando que, por tal razão, não pretendiam com a sua presença legitimar o acto da tomada de posse, que marcou o início da Terceira República.
Nas eleições deste ano e a não ser que aconteça algum “milagre”, estamos a caminhar para o mesmo “abismo” que já nos é familiar e que pode ter outras consequências, pois desta vez os “derrotados” já deram sinais que pretendem vender um pouco mais caro o seu voto.
Neste “abismo” não está por razões óbvias incluído o regresso à guerra, mas que vamos ter alguma turbulência, lá isso vamos, o que já começa a ser normal neste nosso tipo de navegação à vista. *Este texto deveria ser publicado na coluna que semanalmente assino no “PAÍS”, no âmbito de uma colaboração regular que já tem mais de 5 anos. Tal não aconteceu por razões que em principio só me serão comunicadas oficialmente na próxima semana. Até lá considero que a minha colaboração com o referido jornal foi suspensa de forma unilateral pela sua direcção.
Para já e como certeza só há mesmo a crise instalada como referencia maior da situação que se está a viver nesta altura, sobretudo depois de 7 comissários da própria CNE se terem demarcado publicamente do procedimento que esteve na base da referida apresentação e que eles reputam como sendo estranho por não ter respeitado minimamente a legislação em vigor.
Mais grave do isso e ainda segundo o que tornaram público quinta-feira da semana passada em Talatona, foi a sua não participação neste passo tão temerário dado pela CNE ou por parte dela, que acabou por estragar a própria festa.
Até prova em contrário, não temos como não fazer boa-fé nas declarações dos Comissários da CNE, que durante todo este tempo, mesmo com toda a turbulência que tem vindo a marcar o relacionamento da CNE com os partidos da Oposição, souberam sempre respeitar a reserva da palavra a que estão obrigados pelo regulamento interno.
Um regulamento que nos parece ser mais adequado para organizações secretas, do que propriamente para instituições independentes do Estado Democrático de Direito.
A CNE, note-se, está obrigada por lei a deliberar com base no princípio do consenso, só devendo recorrer à votação por maioria simples, em caso deste não ser possível após ter sido efectivamente ensaiado e tentado, o que acaba por ser o grande desafio adiado deste país de que esta instituição é quase a imagem perfeita, tendo como referência a crónica dos últimos dias.
Com a conquista da paz em 2002, Angola melhorou bastante as suas perspectivas, mas pelos vistos ainda não conseguiu a acertar o rumo, o que é facilmente verificável no terreno dos nossos desencontros e desconseguimentos para todos os gostos e feitios.
A confirmar-se esta situação, está-se efectivamente diante de algo muito perturbador para a transparência de todo o processo, o que só pode alimentar cenários com cores bastante cinzentas e pouco animadoras em relação aos próximos dias e ao próprio desfecho do processo. Um processo cuja saúde neste momento já não podemos recomendar como muito bem gostaríamos de fazer, depois dos seus primeiros passos, estamos a falar apenas da organização e funcionamento das mesas e assembleias de voto no dia 23 de Agosto, terem decorrido de forma até bastante aceitável, pelos menos nas grandes cidades, pois no que toca ao "mato", as coisas não correram assim tão bem.
Em relação aos passos anteriores, é bom que se recorde, as coisas também não estiveram nada famosas, sobretudo no que toca ao desempenho da comunicação social, sem pretendermos generalizar esta nota negativa.
Lamentavelmente, os incidentes do período pré-eleitoral continuam a não ser matéria coberta pelo contencioso eleitoral/judicial, o que permite que todos os abusos contra o principio do tratamento igual a que todos os candidatos têm direito, sejam devidamente programados e cometidos na maior das impunidades por quem tem maior capacidade para o fazer, sendo claro que em Angola só o MPLA, como partido/estado que nunca deixou de ser, tem essa possibilidade.
Mais uma vez ficou provado o principio de Murphy, que tem no território angolano um verdadeiro e produtivo campo de atracção magnética.
Nada está tão mal que não possa ficar ainda pior.
E ficou mesmo.
Desta vez foi ainda mais em cheio, com o que deverá ficar registado na história das eleições angolanas como tendo sido um dos piores desempenhos das duas televisões (a pública e a "privada") em matéria de imparcialidade na cobertura jornalística dos diferentes candidatos/partidos, onde todos devem ser tratados de igual forma pelos médias, que estão proibidos por lei de favorecerem ou prejudicarem a imagem dos concorrentes.
Esta diferença tão ostensiva, se objectivamente prejudicou a oposição, acabará sempre por valorizar o seu desempenho, seja ele qual for, a trazer-nos de volta a imagem de um combate entre um peso pesado e um peso mosca.
Nem sequer os banhos de multidão de uns e de outros podem ser tidos como referência segura de avaliação preliminar devido a desproporcionalidade dos meios usados para os conseguir, particularmente pelo concorrente que mais banhos tomou, tendo terminado a campanha verdadeiramente "encharcado" numa cidade onde pelos vistos os resultados das urnas acabam por contrariar a tal lógica dos banhos, apresentada como sendo quase uma garantia de vitória antecipada e esmagadora.
Luanda pelos vistos está a crescer também como sendo a praça eleitoral onde o voto consciente é mais forte.
Quem foi que disse que na política não vale tudo?
A recta final desta campanha foi um verdadeiro e frenético vale tudo, com recurso a meios aéreos para distribuir propaganda hostil e a utilização de um "bombardeamento por sms" com recurso aos serviços da UNITEL/MOVICEL.
O vale tudo contou ainda com a proeza que foi termos 300 violentos militantes a arrancar a peruca de uma donzela também militante mas de um outro partido, sem lhe provocarem qualquer outra mazela, tendo a televisão feito depois toda a "maquilhagem" para nos convencer que o MPLA tinha sido violentamente agredido por um dos seus adversários, no dia em que a CASA-CE fez a sua principal demonstração de força popular na capital de todos nós.
Neste âmbito foi ainda ressuscitado o já famoso “vídeo Makuta” com mais de dois anos, do tempo em que houve a última tentativa de golpe de estado no Burkina-Fasso, que foi em Setembro de 2015.
Mas houve mais, muito mais em matéria de "faits-divers" e ruídos de fundo, tudo montado para favorecer um dos candidatos.
Como eleitor a minha experiência foi muito boa, tendo conseguido até fotografar no dia seguinte a acta da mesa onde votei e onde voltei a apostar na solução política que, independentemente dos resultados que se anunciam e também já se contestam, continua a ser a melhor via para este país resolver de forma mais eficaz e solidária os seus sérios problemas sociais, que não têm parado de se agravar.
Para comemorar esta minha quarta tentativa de ajudar a conseguir o “milagre do consenso” com o meu voto, fiz a seguinte declaração na hora:
“ Se depender de mim, Angola nascerá amanhã mais igual para todos nós, sem excepção”. Pelos “resultados” ainda virtuais de Luanda acho que muita gente fez a mesma aposta.
Muita gente mesmo.
Estou hoje mais convencido do que nunca que o eleitorado só terá alguma possibilidade de exigir do Governo o cumprimento das promessas eleitorais do partido vencedor, se o parlamento se constituir num verdadeiro e equilibrado espaço de debate das questões nacionais.
De outra forma, caso o MPLA confirme a sua já anunciada vitória, a "farra" vai continuar como até aqui, apenas com a diferença de haver agora menos "música", enquanto ainda está por se saber quando é que será dado o passo final da transição em curso, após cerca de 39 anos de "eduardismo".
Até lá reserva-mo-nos ao direito de esperar para ver/para crer, tendo como limite o próximo ano.
Em matéria de crises, não há nada que nos surpreenda em mais esta que se anuncia, sem falar já do cada vez mais distante ano de 1992, quando assistimos e participamos do enterro formal da Republica Popular com a realização das primeiras eleições multipartidárias.
Tem sido sempre assim, desde que em 2008 o país regressou ao ciclo democrático normal após um interregno de 16 anos que se dividiu entre em duas etapas, tendo pelo meio a morte de Jonas Savimbi em 2002 e a subsequente assinatura da paz definitiva em Abril do mesmo ano.
O sempre assim, tem sido a não a aceitação dos resultados por parte da Oposição face às maiorias qualificadas obtidas pelo MPLA em 2008 e 2012.
Na eleição precedente, onde pela primeira vez José Eduardo dos Santos foi finalmente consagrado Presidente eleito ao abrigo da Constituição, houve mesmo um boicote da sua entronização com a ostensiva ausência da UNITA e da CASA-CE da cerimónia.
A propósito as duas formações emitiram contundentes declarações de protesto, denunciando a falta de transparência do processo eleitoral e destacando que, por tal razão, não pretendiam com a sua presença legitimar o acto da tomada de posse, que marcou o início da Terceira República.
Nas eleições deste ano e a não ser que aconteça algum “milagre”, estamos a caminhar para o mesmo “abismo” que já nos é familiar e que pode ter outras consequências, pois desta vez os “derrotados” já deram sinais que pretendem vender um pouco mais caro o seu voto.
Neste “abismo” não está por razões óbvias incluído o regresso à guerra, mas que vamos ter alguma turbulência, lá isso vamos, o que já começa a ser normal neste nosso tipo de navegação à vista. *Este texto deveria ser publicado na coluna que semanalmente assino no “PAÍS”, no âmbito de uma colaboração regular que já tem mais de 5 anos. Tal não aconteceu por razões que em principio só me serão comunicadas oficialmente na próxima semana. Até lá considero que a minha colaboração com o referido jornal foi suspensa de forma unilateral pela sua direcção.