quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Papa Bento XVI devia visitar Cabinda

O Sumo Pontífice visita-nos em Março mas já avisou que para ele Angola é só Luanda. De facto, ele não disse bem isso, mas deixou entender. Por favor, não me processem. Já é, contudo, ponto assente que nesta sua primeira deslocação ao nosso país, Bento XVI só estará disponível para abençoar os santinhos dos caluandas. São sempre os mesmos privilegiados, estes calcinhas. É pena, porque o maior problema que neste momento a Igreja Católica enfrenta em terras angolanas está localizado na Diocese de Cabinda, onde a crise prossegue dentro de momentos… A presença de Bento XVI naquela província poderia ser a chave para a solução definitiva de uma crise que se arrasta há já bastante tempo. Sabemos que os cabindas revoltaram-se contra o Vaticano ao não aceitarem a nomeação de D.Filomeno Vieira Dias. Não aceitaram o poder papal, o que para a Igreja Católica é um crime de lesa-pátria. Mesmo assim eles não deixaram de ser católicos, querem continuar a sê-lo numa das terras que mais vocações tem dado à Igreja em Angola. Seria pois uma boa oportunidade para, com toda a sua teologia, Bento XVI convencer os cabindas desavindos a voltarem a acertar o passo com a sua autoridade. É evidente que haveria antes alguns problemas preliminares por resolver o que, estamos certos, seria conseguido com a graça de Deus. Agora em Luanda é que ele não vai conseguir fazer chegar a sua voz a Cabinda. Na capital angolana talvez consiga convencer as autoridades a resolverem um outro problema da Igreja que tem a ver com a extensão do sinal da cinquentenária Rádio Ecclésia a todo o país. É, sem dúvida, neste momento, o problema político mais bicudo que a CEAST tem na sua agenda para resolver com o Governo. Até que ponto é que o antigo Cardeal Ratzinger vai saber colocar esta questão às autoridades angolanas é o que resta saber. O Papa começou a preparação desta digressão com uma “bandeira”* ao dizer que vem a Angola celebrar os cinco séculos da Evangelização. De imediato o Cardeal Nascimento corrigiu (será possível uma tal atitude?) o Papa ao esclarecer que a efeméride já foi assinalada em 1992 por João Paulo II. Em que é que ficamos? A confirmar-se a "bandeira" papal, estaremos diante de uma gaffe monumental que alguém vai ter de esclarecer em Roma. Ao que parece, o Papa está igualmente equivocado ao querer canonizar o seu antigo “colega” um tal de Pio XII, tido como um dos responsáveis da igreja que mais fechou os olhos ao holocausto praticado pelos nazis na Segunda Guerra Mundial. Onde todos se deverão encontrar nesta altura, os seis milhões de judeus estarão certamente a tentar ajustar contas com o silêncio de Pio XII. * "bandeira" é um termo do calão luandense que significa gaffe Nome de nascimento: Joseph Alois Ratzinger Nascimento Marktl, Baviera,16 de abril de 1927 Eleição 19 de abril de 2005 Entronização: 24 de abril de 2005 Fim do pontificado: Predecessor: João Paulo II

terça-feira, 28 de outubro de 2008

Flashback (Outubro 2007 ):Missão Impossível em Washington

NR- Passarei a partir desta data e de forma regular, a trazer de volta aos dias que passam, alguns dos textos que escrevi e já publiquei na minha coluna (WD) no Angolense, fazendo apenas referência no título original ao mês e ao ano da sua edição. Será assim este flashback. Um regresso pontual e seleccionado ao passado de uma intervenção escrita, que acabará por ser uma novidade para quem não teve a oportunidade de me ler em tempo oportuno. A não perder mesmo assim , com surpresas garantidas até para o seu autor, embora nem todas venham a ser muito positivas nesta revisitação, para quem está convencido que a escrita jornalística é, necessariamente, um processo de aperfeiçoamento e superação permanente, tendo como grande objectivo comunicar (interagir) cada vez melhor com pessoas que, na maior parte dos casos, não nos conhecem. Estou nos Estados Unidos desde sábado último a convite do meu sósia e único sócio desta empreitada, o RS ou o TA, que por sua vez foi convidado pelo Banco Mundial e o FMI a deslocar-se até Washington para participar nas assembleias anuais das duas mais famosas e poderosas instituições financeiras existentes à escala planetária. O nosso homem está a ficar importante. Sem parecer mal agradecido, gostaria, contudo, de ter sido convidado por George Bush a visitar os Estados Unidos pois como membro activo que sou do “mil milhão de baixo”, para utilizar uma expressão que o novo Presidente do Banco Mundial pediu emprestada a alguém da literatura económica, trago na bagagem algumas questões muito sensíveis relacionadas com a globalização, que só o inquilino da Casa Branca estaria em condições de me responder. Uma delas era saber quanto é que os Estados Unidos gastaram até ao momento com as suas desastrosas e improdutivas invasões ao Afeganistão e ao Iraque. Depois iria comparar com o dinheiro que, segundo as contas do Presidente do Banco Mundial - que também é norte-americano como George Bush- é necessário para fazer face às necessidades mínimas do tal “mil milhão de baixo”. [Estas contas apresentadas muito recentemente aqui em Washington por ocasião dos primeiros cem dias da liderança Robert Zoellick referem que seria necessário um investimento de cerca de US$ 3 mil milhões por ano nos próximos anos para fornecer a todos os domicílios vulneráveis à malária mosquiteiros tratados, medicamentos e um volume modesto de insecticida em locais fechados. Zoellick disse que a Agência Internacional de Energia estima que os países em desenvolvimento precisem de aproximadamente US$ 170 mil milhões em investimento no sector energético por ano na próxima década apenas para atender às necessidades de electricidade, restando outros US$ 30 mil milhões por ano para a transição em direcção a uma mescla de energia de baixo teor carbónico. Outros US$ 30 mil milhões por ano, acrescentou, são necessários para alcançar as Metas de Desenvolvimento do Milénio de abastecimento de água potável a 1,5 mil milhão de pessoas e saneamento a 2 mil milhões que carecem das necessidades mais básicas, bem como de melhoria da igualdade de género nos países pobres. Há necessidade ainda, apontou, de outros US$ 130 mil milhões por ano para atender aos requisitos da infra-estrutura de transportes dos países em desenvolvimento crescente, inclusivamente cerca de US$ 10 mil milhões por ano para terminais marítimos de contentores a fim de aproveitar as oportunidades do comércio. E, rematou, para proporcionar educação primária a cerca de 80 milhões de crianças que estão fora da escola, outra Meta de Desenvolvimento do Milénio, os países de baixo rendimento necessitarão cerca de US$ 7 mil milhões por ano.] Como ando aqui muito perto da Casa Branca tentei saber se era possível, como cidadão do mundo que sou, marcar uma audiência com George Bush, na sua qualidade de “dono” desse mesmo mundo. Se não é dono, pelo menos faz do mundo o que bem lhe apetece, pensando que está no Texas, o que vem a dar exactamente no mesmo. Iria discutir com Bush, nomeadamente, a necessidade dos Estados Unidos apoiarem mais a globalização da periferia com os astronómicos recursos que gastam com essa mesma região do mundo onde nós vivemos, mas em outras actividades como são as guerras expansionistas. Estou naturalmente preocupado com a possibilidade de mais alguns largos biliões de dólares virem a ser gastos com a destruição do Irão no âmbito da mesma estratégia que a actual administração tem estado a seguir desde o 11 de Setembro de 2002. Iria certamente dizer ao meu interlocutor que as guerras que ele tem levado a cabo, para além de não resolverem nenhum dos problemas que estiveram na sua origem, só agravaram ainda mais os níveis de pobreza no mundo, com todo o impacto que essa mesma situação tem na realimentação dos fenómenos sócio-políticos que actualmente mais preocupam os ocidentais. Um destes fenómenos é, sem dúvida, o terrorismo internacional dos pobres, pois não nos podemos esquecer que também existe o famoso terrorismo de estado, sobretudo dos estados mais poderosos. A impiedosa destruição das fabulosas infra-estruturas do Iraque pela artilharia norte-americana, fala bem do extraordinário avanço da pobreza naquele país, como consequência desta política de terra queimada. As contas aqui são efectivamente muito mais complicadas. Para além das destruições é necessário depois contabilizar o seu impacto no nível de vida das populações afectadas pela guerra. É altura do Banco Mundial começar a fazer estas e outras contas pois de nada adianta estar-se a mobilizar recursos internacionais para se combaterem as assimetrias da globalização, quando os seus principais financiadores, com os EUA à cabeça, são aqueles que mais verbas destinam ao aprofundamento dessas mesmas desigualdades por via das catástrofes militares que desencadeiam. Enquadra-se igualmente nesta abordagem e já a propósito da Cimeira União Europeia-Africa, a problemática dos subsídios europeus à sua agro-pecuária na relação (causa-efeito) que os mesmos têm com a pobreza crescente dos africanos e o aumento exponencial da emigração ilegal, o outro fenómeno que mais preocupa os ocidentais depois do terrorismo. Um documentário produzido pela BBC que tivemos a oportunidade de ver recentemente na SIC-Notícias retrata de forma extraordinariamente profunda e simples, tendo como paradigma o Gahna, como é que a Europa comunitária tem estado a destruir com a exportação dos seus produtos baratos, porque altamente subsidiados, a agricultura africana. O resultado é o êxodo rural que depois dá origem à emigração ilegal que agora desesperadamente os europeus tentam travar, devendo esta questão vir a dominar a referida cimeira, caso ela venha a ter lugar em Lisboa. Os europeus fizeram ouvidos de mercador a todos os avisos que os alertavam para o efeito de boomerang da sua política agrícola, tendo chegado mesmo a ameaçar com sanções os próprios governos africanos, casos estes optassem por proteger a sua agricultura da invasão dos produtos europeus. Os dirigentes da União Europeia estão agora sem saber o que fazer diante da avalanche humana proveniente de Africa mas não só, que todos os dias desesperadamente tenta furar a qualquer preço as fronteiras do velho continente. É uma avalanche que já não tem nada a perder, por isso se torna ainda mais ameaçadora e determinada. Tanto se lhe dá, como se lhe deu. No “mil milhão de baixo”, uma expressiva referência numérica que Presidente do Banco Mundial Robert B. Zoellick foi buscar ao título de um livro (The Bottom Bilion) escrito por Paul Collier (conhecem-no?) estamos todos nós, os "ancorados" deste planeta que continuamos a ver "bilhas". No “mil milhão de baixo” estão os “desglobalizados”, isto é, aqueles que pelo andar da carruagem não vão beneficiar tão cedo dos frutos de todo este progresso mundial que, pelos vistos, está geograficamente muito mal distribuído. (Flashback/WD-Outubro 2007)

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

A liberdade de opinião é válida contra qualquer tipo de censura prévia

1-O comboio da democracia funciona com muitos combustíveis, não sendo aconselhável que o chefe da locomotiva prescinda de algum deles, mesmo que aparentemente a máquina não se ressinta. Um destes combustíveis é a liberdade de expressão que poderíamos aqui subdividir em liberdade de opinião, de crítica, de análise e de debate. A liberdade de expressão só ganha a necessária visibilidade social por intermédio de uma outra liberdade que é a liberdade de imprensa que por sua vez depende muito das liberdades de impressão e de emissão. Pouco adiantará um país ter na sua constituição consagrada a liberdade de imprensa como um direito fundamental dos cidadãos, se não existirem gráficas ou se estas só poderem ser utilizadas por determinados clientes ou ainda se os preços das mesmas forem proibitivos por serem demasiado elevados. Pouco adiantará a existência desta liberdade se depois a legislação ordinária restringir demasiado o acesso às licenças para o exercício das actividades de radiodifusão e de radiotelevisão, que é, por exemplo, o que ainda acontece em Angola, apesar de todos os inconstitucionais monopólios anteriores já terem sido levantados. No caso concreto da ausência de liberdade de expressão, diremos que não há, nem pode haver democracias amordaçadas. É uma figura incompatível com ela mesma. Não existe. Não tem qualquer coerência. Se nos faltar este combustível, o comboio da democracia entra em rota de colisão com o estado que se diz democrático e começam os problemas, com os cidadãos a reclamarem por falta de espaço, os governos a queixarem-se por haver exageros e as instituições internacionais a colocarem-nos nas suas listas negras de onde dificilmente sairemos. Antes de mais é bom que fique claro que o resultado eleitoral que conferiu a maioria qualificada ao MPLA, também resultou do compromisso que o eterno partido da situação assumiu com todas as liberdades quer no seu programa de governo, quer no seu manifesto eleitoral. Um destes compromissos é “continuar a criar condições para que a imprensa seja cada vez mais forte, plural, isenta, independente e responsável dando expressão à realidade multicultural do País e contribuindo para a unidade da Nação”.
2-Os últimos dias voltaram a ser preenchidos por informações menos positivas em relação ao desempenho da liberdade de opinião na comunicação social pública, embora também haja a registar, em menor grau, situações igualmente lamentáveis ao nível da outra comunicação social. Ao nível da privada gostaria de referir aqui o comportamento absolutamente lamentável e inaceitável dos editores do jornal do meio-dia da Rádio Ecclésia da passada quinta-feira (23/10) pelo tratamento dispensado à opinião do meu sócio e sósia, o RS. Após lhe ter sido solicitado e gravado um comentário sobre o mais recente relatório da organização Repórteres Sem Fronteiras, que volta a colocar Angola nos lugares do fundo (116) em matéria de liberdade de imprensa, qual não foi o seu espanto ao constatar que o mesmo havia sido reduzido (editado) a uns miseráveis 30 segundos. Em abono da verdade nem sequer houve comentário, pois as “feras de serviço” não permitiram que o mesmo acontecesse ao reduzirem as suas observações ao mínimo possível, o que apenas lhe permitiu fazer algumas considerações preliminares, sem entrar propriamente no mérito da causa para que havia sido convidado a pronunciar-se. Independentemente das justificações que possam ser dadas, como a falta de tempo ou a transmissão na integra das suas declarações noutro noticiário, para além da grande falta de respeito demonstrada pelos “inspectores de piquete”, houve, com tal redução, um claro atentado à liberdade de opinião do nosso sócio e sósia, com consequências graves para a sua própria consistência e reputação. Quem o ouviu naquele dia e naquele noticiário ficou sem perceber rigorosamente nada do assunto anunciado, que tinha a ver com a sua opinião sobre o estado da liberdade de imprensa em Angola, à luz da classificação dada ao nosso país pelos Repórteres Sem Fronteiras no seu último relatório sobre a situação da imprensa a nível mundial. E não percebeu, porque ele nada disse, apesar de ter dito tudo e mais alguma coisa na hora em que, por telefone, foi feita a gravação do seu comentário. Com tais observações críticas que são pontuais e apenas dirigidas ao comportamento dos responsáveis do já referido noticiário, não estamos a questionar a orientação editorial da Emissora da CEAST, embora ela seja muito questionável em matérias que choquem com a ideologia católica. Aqui está pois um exemplo de que os incidentes com a liberdade de opinião não são apenas exclusivos da média estatal, embora também se sinta que em relação a esta última, eles resultem, na maior parte das vezes, do já habitual e barbudo excesso de zelo dos seus gestores mais directos a pôr em causa os fundamentos do próprio discurso oficial. Como em todo o lado, também em Angola há mais papistas que o Papa. São, entretanto, estes papistas (eles estão em todo o lado, são uma verdadeira confraria) que decidem e fazem o país acontecer, pois são eles os responsáveis directos pela gestão corrente da máquina. Percebem-se algumas razões que justificam este excesso de zelo, sendo a principal a chamada “protecção do tacho”, num país onde a intriga palaciana continua a fazer das suas. Esta intriga alimenta-se, exactamente, dos chamados “lapsos” cometidos em nome do respeito pelos direitos fundamentais, como é a liberdade de opinião contra qualquer tipo de censura. O directo parece ser para já a única solução para protegermos o nosso direito à liberdade de opinião contra todas as investidas de cima, do meio e de baixo. De editores, de directores e de ministros, para não avançarmos mais na hierarquia. Sabe-se, entretanto, que mesmo em directo alguns comentaristas já foram mandados para o olho da rua em plena função, enquanto outros foram questionados sobre as razões das suas observações com a já recorrente expressão: “Estes gajos falam a toa!”. Isto é Angola, onde, definitivamente, só mesmo o silêncio se apresenta como sendo a única protecção, à prova de bala, que temos para proteger o nosso sagrado e constitucional direito à liberdade de opinião.

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Luís Araújo no seu melhor estilo no Parlamento Europeu (actualizado)

O coordenador da SOS-Habitat, Luís Araújo, está na Europa há mais de um ano, depois de ter desaparecido “misteriosamente” aqui da banda. Refugiou-se em terras portuguesas Exilou-se no Bairro Alto. Mas não deixou de protestar contra o que ele considera serem as violações dos direitos humanos no nosso país consubstanciadas, nomeadamente, com a demolição de casas dos mais pobres e excluídos que tentam sobreviver na capital angolana, com o mínimo dos mínimos com medo de voltarem para a suas terras de origem. Como se Angola não fosse uma dessas terras. Como se Luanda não fosse Angola. Como se Angola não fosse de todos nós. Têm medo do nada, das carências, do isolamento, do vazio, por isso preferem ficar e apanhar com o cacete e o camartelo. Em nome de todos esses medos a que acrescentou o seu próprio medo pessoal, Luís Araújo “actuou” recentemente em Bruxellas, para onde se deslocou (mais uma vez) afim de chamar a atenção dos dirigentes políticos e parlamentares da União Europeia para a situação dos direitos humanos em Angola. É a chamada “guerrilha diplomática”. Araújo deixou Angola com vários receios, onde se incluem os mais físicos com a qualidade e a sobrevivência do seu esqueleto, depois se ter transformado numa das vozes mais incómodas e incomodativas ao nível da sociedade civil, tendo por isso concentrado sobre si alguns holofotes tão potentes, quanto intolerantes. Como muito poucos soube corajosamente levantar, bem alto, a bandeira dos "demolidos"e dos excluídos de todas as kambambas devastadas pelo camartelo do Governo Provincial de Luanda, por alegada ocupação ilegal de terrenos com propósitos habitacionais. Em nome da SOS-Habitat, Araújo distribuiu recentemente uma mensagem por ocasião da passagem do Dia Mundial do Habitat que se assinalou no passado dia 6 de Outubro sob o lema "Cidades Harmoniosas" e cuja cerimónia central as Nações Unidas fizeram questão de organizar este ano em Luanda. A partir da Europa, Araújo voltou a denunciar o que ele considera ser a existência de uma política de "apartheid social", visível na forma como o Governo angolano tem estado a lidar com a gestão dos terrenos urbanos, afectando gravemente os direitos dos mais pobres a uma habitação condigna. Interrogado em Bruxellas sobre o plano governamental de construir em quatro anos um milhão de casas, Araújo disse o seguinte: “Até podiam ser dez milhões. O que eles fazem são sítios para depositar as pessoas e usam os terrenos que elas ocupavam para construir condomínios de luxo. Estão a criar depósitos de pobreza, como fizeram no Zango, no município de Viana. Estão a desenvolver um apartheid social.” São igualmente dele as seguintes considerações: "Apesar de com a reserva imposta pelas violações dos direitos humanos relacionados com a habitação, cometidas para a realização de rendimentos por projectos governamentais e por particulares que lhe são próximos, comunicamos ao Governo de Angola a nossa satisfação pelo acolhimento do acto central dessa comemoração. Consideramos relevante referir aqui que essa reserva foi suscitada e sendo agravada, [deitando por terra a nossa credulidade inicial na mera intenção do Governo pretender apenas ordenar a cidade], porque essas violações foram sendo cometidas em função da satisfação de necessidades de implementação dum “desenvolvimento urbano em separado”. Um apartheid social, não declarado mas de facto, em fase de implantação, cujas bases estão sendo consolidadas com o recurso ao uso da força do Estado contra o povo que, em vários momentos, testemunhamos ou sofremos porque também exercida contra activistas, pacifistas, da SOS Habitat. Em função dessa constatação, obrigamo-nos a referir aqui que as violações dos direitos humanos que vimos documentando e divulgando, obstam à realização pelas cidadãs e cidadãos duma cidade harmoniosa e que, (a), seja qual for o país em que se verifiquem, as violações impunes dos direitos humanos anulam e ou inviabilizam a implantação do Estado de direito e, (b), consubstanciando a recusa da concretização da plena cidadania por todas e todos, acaba sempre por engendrar turbulência, nalguma forma e nalguma medida. Um risco a que governantes e governados não devem expor o pais novamente, adoptando ambos procedimentos de conformidade com a lei e optando pela inclusão de todos na formulação da agenda de desenvolvimento e na sua implementação. Solicitamos aos gestores da cidade que considerem que as cidades são o produto de quem as habita, em combinação com os recursos disponíveis, com a orientação e com a capacidade daqueles que as dirigem. Apelamos e agradecemos que retenham que cada cidade é e será sempre o produto daquilo que os seus habitantes são, não devendo nenhum dos seus habitantes ser excluído em função dessa contingência. Para a concretização da Cidade de Luanda como uma cidade harmoniosa, principal e especialmente, deve ser tido em conta que estamos face a uma população urbana cuja maioria vive na pobreza, na pobreza extrema e na exclusão, que só poderá continuar a produzir os musseques de Luanda, assim como são, enquanto não sair da pobreza e da exclusão que lhe bloqueia o desenvolvimento e a conquista do bem-estar”. (in Mensagem da SOS-Habitat por ocasião do Dia Mundial do Habitat)

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Angola e a crise financeira internacional:Cibernauta responde ao novo Minstro das Finanças

(Transcrição do fac-simile) "Angola não tem aplicações em produtos de risco no mercado financeiro internacional, garantiu o ministro das Finanças, Severim de Morais. O titular da pasta das Finanças acrescentou que a maior preocupação de Angola reside na queda dos preços do petróleo. “É evidente que temos boa parte dos nossos depósitos em bancos correspondentes no exterior, mas não estão aplicados em produtos de risco. Pode haver uma ligação indirecta com a crise, mas no preço do petróleo”, disse o ministro. (...) O ministro desdramatizou os receios quanto à relação entre os bancos angolanos e a crise internacional. Explicou que o sector financeiro angolano é ainda bastante insípido, com uma bancarização da economia na ordem dos 6,5 por cento. “Isto, até certo ponto, funciona como uma certa protecção contra possíveis crises que surjam no mercado financeiro”, afirmou Severim de Morais, sublinhando que o Banco Nacional de Angola tem exercido forte intervenção no mercado interbancário, através de acções do Departamento de Supervisão Bancária. Português Lx - finzar@gmail.com escreveu o seguinte no www.angonoticias.com: "Entendo estas afirmações como uma forma de tranquilizar as pessoas, mas seria interessante saber quais são os bancos correspondentes estrangeiros e em que produtos investiram esses bancos, porque é notório que os principais Bancos de Investimento estão em grandes dificuldades e por essa razão estamos a assistir intervenções estatais nesses bancos. Além disso ainda ninguém conseguiu determinar a real magnitude do buraco e das ramificações que os produtos derivados geram no sistema financeiro, aliás são conhecidas situações de investidores que investiram em produtos financeiros sem saber que estavam a investir em produtos estruturados ligados ao sub-prime devido a grande complexidade como estes produtos foram construídos. Neste contexto de crise seria importante questionar a politica económica de Angola, principalmente, qual a utilidade de adquirir participações financeiras qualificadas em empresas estrangeiras sem ter possibilidade de exercer o controlo efectivo sobre a sua gestão? A titulo, de exemplo, qual a utilidade do investimento da Sonangol no BCP? Alguém sabe dizer quanto dinheiro se perdeu nessa participação financeira? (Refiro-me à sua desvalorização) Alguém sabe qual foi o benefício deste investimento na economia real angolana? Será lógico investir milhões de euros numa participação financeira só para ter um lugar na administração mas não ter nenhum voto na matéria? Não seria mais interessante, investir o excesso de liquidez de alguns sectores angolanos na aquisição de médias empresas que permitam o controlo efectivo dessas empresas. A titulo de exemplo, qual a utilidade de investir milhões de euros numa Mota-Engil para ter 5% ou 6% do seu capital, quando se pode adquirir uma construtora de média dimensão e ter o seu controlo efectivo, além de que existem muitas empresas médias com um alto nível de know-how, tecnologia e de recursos humanos, tendo essas empresas acesso privilegiado ao mercado angolano em 5 ou 6 anos poderiam ser empresas de grande dimensão e além disso de capital angolano. Não será altura de repensar a estratégia económica num pais excessivamente dependente do petróleo, sem indústria, sem empresas, cuja procura interna é totalmente alimentada pelas importações? Porque esta politica de ter participações financeiras em grandes empresas cotadas apenas vai prolongar a exploração da economia angolana pelas grandes multinacionais, não se vai traduzir em desenvolvimento". (in www.angonoticias.com/full_headlines_.php?id=21348)

sábado, 18 de outubro de 2008

José Pedro Morais: Uma estrela que alguém quer ofuscar

1-Escrevi esta semana neste blogue que é por Angola, com a ajuda das já famosas "encomendas" processadas pela imprensa, que (também) passa o caminho mais rápido para se chegar a besta depois de termos sido bestiais. Angola não é efectivamente uma excepção neste tipo de trajectória. Pelo contrário. Acho mesmo que é uma das mais estruturantes heranças da colonização portuguesa, o que é facilmente verificável na forma como as estrelas são tratadas naquele país europeu, depois de terem passado à “peluda”. Veja-se o caso (já emblemático) de Filipe Scolari. Até lhe foram fazer uma “rusga” ao pagamento de impostos e às contas off-shore. Escrevi igualmente neste blogue que, começando bem lá por cima, de uma forma geral, os angolanos têm uma dificuldade muito grande em lidar com o sucesso dos seus compatriotas, por isso optam por tudo fazer no sentido de nivelar a diferença por baixo, bem rentinho ao chão, onde pelos vistos a gente se entende melhor. Guerra é guerra num país que se habituou tanto a estar em guerra contra si próprio e o seu futuro que, dificilmente, vai saber viver sem ela, pelo menos nos próximos tempos. Espero que as disputas eleitorais que se anunciam regulares a partir de agora, consigam cobrir este vazio, esta sede por conflitos. Como em principio já não deverá haver mais guerras convencionais entre os angolanos, qualquer conflito mais doméstico serve para matar saudades, embora ainda tenhamos a espinha da guerrilha do Estanislau Boma encravada na garganta, lá nas matas do Mayombe, como cantava o saudoso David Zé.
2-Vem esta introdução a propósito da nomeação do novo Governo e o desaparecimento da ribalta de algumas das suas anteriores estrelas com destaque para aquela que foi, sem dúvida, a mais cintilante: o ex-ministro das finanças, Dr. José Pedro de Morais (JPM). Paradoxalmente, alguns dos observadores que mais têm criticado a ausência de grandes novidades na remodelação ministerial que se seguiu às eleições legislativas de 5 de Setembro, têm sido os que mais têm estado a questionar (algo perplexos) a não recondução de JPM ou ainda a extinção do cargo do Ministro-adjunto do PM que deixou igualmente de fora a outra estrela do anterior Executivo que foi Aguinaldo Jaime (AJ). De facto temos que reconhecer que estas duas mexidas por si só traduzem novidades de peso que não é possível ignorar na abordagem mais substantiva do conteúdo das alterações ocorridas. Não precisamos sequer de entrar no mérito da causa, que tem sido objecto das mais diferentes especulações e conjecturas, algumas das quais, por sinal, bastante desagradáveis e profundamente lesivas da reputação e mesmo da honra de um dos “remodelados”. Esta da “equipa que ganha não se mexe”, parece-nos ser uma extrapolação mecânica da vida desportiva para a actividade política que pode não fazer muito sentido, sobretudo em democracia, onde a alternância ou refrescamento do poder são sempre notas necessárias a própria dinâmica da governação. Sabemos que o tempo em política quando ultrapassa alguns limites transforma-se no principal adversário da criatividade e da imaginação, com todo o impacto negativo que este défice tem depois na qualidade e na eficácia do desempenho do político afectado pela longevidade, que ainda é uma praga africana, como a dos gafanhotos. A maleita não é, contudo, exclusiva do continente. É por estas e por outras que o sistema democrático começa por limitar o mandato do Presidente da República. Em meu entender deveria limitar também outros mandatos, mesmo os de carácter não electivo, ao nível do Executivo. Para a política talvez preferisse extrapolar com uma outra frase também muito usada na vida desportiva que é aquela que aconselha o jogador a saber sair por cima, evitando algumas conhecidas humilhações para quem já foi o super-crack da equipa. Terminar como o “Mantorras” no banco ou a vender mini-cervejas em “out-doors” é que não dá mesmo, com toda a simpatia que tenho pelo muito nosso Pedro.
3-Em relação a JPM e independentemente do que de mais específico terá estado na origem da decisão tomada pelo Presidente JES, estou convencido que ele saiu na melhor altura do seu campeonato pessoal depois dos seis anos que esteve à frente da economia deste país que ele liderou como Ministro das Finanças. Os resultados estabilizadores do seu consulado são reconhecidos por todos, tendo o seu impacto positivo ultrapassado fronteiras, onde JPM já era uma personalidade conhecida depois da sua passagem de quatro anos pelos corredores do FMI onde integrou o seu “board”. O prestígio internacional que ele soube granjear traduziu-se em duas distinções consecutivas que lhe foram atribuídas por duas publicações de imprensa do insuspeito Grupo Financial Times (FT). O “The Banker” escolheu-o como o Ministro Africano das Finanças-2007 e o magazine “Foreign Direct Investment” (FDI) nomeou-o como a Personalidade Africana de 2008, numa sequência lógica que faz todo o sentido, num continente onde as lentes ocidentais têm bastante dificuldades em “descobrir” valores que estejam de acordo com os seus standards. Pela primeira vez na sua história como país independente, em Angola um governante foi distinguido pela positiva pela mais pura “ortodoxia ocidental” ao nível da economia. Como é que duas publicações do mesmo grupo, com o enorme prestígio internacional de um Financial Times poderiam ser “compradas” pelo mesmo cliente, admitindo esta hipótese como remota? E compradas a que preço? A confirmar-se esta hipótese o escândalo seria tão grande que o FT poderia vir a ter o seu próprio futuro ameaçado como projecto editorial e empresarial. Conhecedor que sou, minimamente, do modus operandi do FT e do valor que para qualquer pessoa que se preze, representa a sua honestidade intelectual, só tenho que lamentar que uma suspeita de tal ordem (que ele teria comprado o segundo prémio ou mesmo os dois) tenha sido atirada de ânimo tão leve contra a sua pessoa, utilizando-se as colunas da imprensa (mais uma vez) com base não se sabe bem em quê, nem em que fontes. A suspeita quando tem este nível (hierárquico e mediático) é uma nódoa que já ninguém consegue retirar ou limpar, por isso duplamente deplorável, a colocar uma vez mais na agenda as habituais questões éticas e deontológicas que devem reger a actividade jornalística, para não variar.
4-Sou das pessoas que mesmo no auge da carreira de Pedro de Morais questionei nestas colunas os resultados da sua estratégia sobretudo ao nível do controlo real da inflação e por extensão da efectiva estabilidade macroeconómica, cujos resultados tardam em chegar aos bolsos dos cidadãos. Não passo, por princípio, cheques em branco a ninguém e muito menos a políticos, sendo o meu relacionamento afectivo com partidos inexistente, desde que fui “enterrado” pelo meu antigo movimento, já lá vão mais de trinta anos. Discordar não significa necessariamente desconfiar só por desconfiar, alimentando essa desconfiança apenas com rumores e boatos, sobretudo quando estamos no jornalismo. A não ser… A saída de Pedro de Morais do Executivo, enquanto oficialmente não me forem dadas outras explicações, foi apenas o fim de mais uma etapa (desta vez muito bem sucedida, contrariamente ao que aconteceu com as suas anteriores passagens) da sua carreira como tecnocrata ao serviço do governo do MPLA. Por mais bem sucedido que fosse, por mais “nobéis” da economia que tivesse recebido, Pedro de Morais não tinha que ficar eternamente no Ministério das Finanças. Não parece que este seja um princípio sagrado da boa governação que é muito mais dada à renovações que à continuidades, até para se evitarem alguns vícios de forma e de conteúdo, tão bem conhecidos da longevidade e dos angolanos. Morais deixa o Ministério rumo à vida privada. Ele já aceitou o convite para ir dirigir a empresa proprietária da futura Bolsa de Valores e Derivativos de Luanda (BVDL). Não confundir com a governamental e reguladora Comissão de Mercados de Capitais (CMC) que até agora dependeu dele, enquanto foi Ministro das Finanças. São duas coisas completamente distintas. Até ver e apesar da iniciativa não ter partido dele, continuo a pensar que JPM saiu no momento que devia ter saído, no âmbito de uma estratégia e de um timing que só uma pessoa neste país está em condições de explicar. Seja como for, acho que saiu bem e com o capital necessário para poder voltar a qualquer altura. Poderia, sem dúvida, ter saído muito melhor.

Revista de Imprensa de um país onde os semanários fazem a diferença

Luanda já conta com mais de oito semanários, todos eles afectos à chamada imprensa privada ou independente, considerando a existência da outra imprensa (Jornal de Angola e os seus "satélites") que é propriedade do Estado através da empresa pública "Edições Novembro".

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Mira Amaral “sossega” os seus novos colegas angolanos da pior forma

Para além das suas credenciais académicas, o engenheiro Luís Mira Amaral já foi ministro em Portugal durante os anos dourados do cavaquismo. É um homem experiente, que fala grosso, que ralha com o Bob Geldof, que agora faz oposição a toda gente, menos ao governo angolano. Mira está ligado a banca angolana por via do BIC-Portugal. Ouvi-o nos últimos dias em Luanda, com algum espanto, dizer que a banca angolana está completamente imune ao que se está a passar além fronteiras. Será que ele já fez as contas com o que pode estar a acontecer às centenas de milhões de dólares angolanos (das reservas do país geridas pelo Banco Central, mas não só) que foram investidos nos mais diferentes fundos e bolsas que andam por aí a colapsar? Esta referência não seria suficiente para Mira moderar o seu entusiasmo em relação às "imunidades" da banca angolana no seu relacionamento com a actual crise? Não seria mais aconselhável alertar os dirigentes angolanos para o que realmente se está a passar ou se poderá vir a passar, do que andar por aqui em conferências a dourar a pílula? É com a melhor das intenções que lhe coloco estas questões. Se me responder ficarei muito grato. Se optar por me ignorar não deixarei de continuar a escutá-lo com a atenção que sempre dispenso aos seus pronunciamentos em Portugal que se destacam pela frontalidade com que aborda as questões. Que tal transferir um pouco desta frontalidade para a (nossa) banda?

terça-feira, 14 de outubro de 2008

O Prémio Nacional de Jornalismo (também) precisa de ser "recauchutado"

E já que estou com a mão na massa, gostaria seguidamente de dar uma vista de olhos pelo Prémio Nacional de Jornalismo (PNJ), uma intenção que já andava a fervilhar neste “laboratório” há algum tempo. Não foi, certamente, a mais auspiciosa, a entrada em cena este ano do tão aguardado prémio. Só por pouco a “barraca” não foi maior no dia da distribuição dos “rebuçados”. Desde logo não colheu muito bem a entrega do Prémio de Rádio a Maria Luísa Fançony da LAC com base na excepção, segundo a qual "excepcionalmente o prémio pode ser outorgado a um jornalista, pelo conjunto de matérias divulgadas ao longo da carreira" (artigo 6º ponto 4). O Regulamento estipula que quando uma das distinções não pode ser atribuída, por eventual falta de qualidade das matérias submetidas a apreciação do Júri, deve a verba a ela destinada ser utilizada pelo Ministério da Comunicação Social (MCS) no fomento de cursos de formação profissional (artigo 17º). O que defendo é que o PNJ, financiado exclusivamente pelo OGE, tem verba mais do que suficiente para criar um galardão específico para premiar carreiras, o que quanto a mim deve ser feito com a necessária revisão do seu regulamento que não deve ficar apenas por esta questão. Uma revisão que deve ser mais abrangente e que eu considero urgente e necessária porque há de facto mais algumas debilidades no seu conteúdo que podem ser ultrapassadas, se houver a necessária abertura por parte do promotor que é o Governo, na pessoa do MCS. É por exemplo a separação das águas entre os géneros informativos e os analíticos que devem ter critérios de avaliação diferentes ou ainda um melhor enquadramento do montante destinado ao Prémio de Foto-Jornalismo, que considero excessivo quando comparado com as restantes categorias. (Texto em permanente actualização. Seguem-se outras considerações dentro de momentos)

sábado, 11 de outubro de 2008

Prémio Maboque de Jornalismo ignora o seu próprio regulamento

Ponto prévio: Para além das nossas divergências de opinião, não tenho nada de pessoal contra o João Melo (JM), pessoa que conheço há mais de trinta anos e por quem nutro a maior consideração e estima que já tive, aliás, a oportunidade de reiterar nestas colunas, na sequência da sua mais recente prestação como colunista político do Jornal de Angola. Os destinatários das observações que dou à estampa nesta edição da minha coluna são, exclusivamente, os membros do Júri do Prémio Maboque, contra quem, igualmente, nada tenho de pessoal a apontar. Dou-me com a maior parte deles com quem até tenho relações bastante cordiais e amistosas. O território da nossa, eventual, discordância será assim e apenas o da apreciação da sua mais recente deliberação à luz do regulamento do galardão em vigor desde 30 de Novembro de 2007. Por razões que se prendem com a possibilidade de ser mal entendido ou interpretado tenho evitado até ao momento fazer qualquer tipo de pronunciamento em relação às decisões dos diferentes júris, que têm atribuído prémios de qualidade (?!) aos jornalistas neste país. O meu silêncio não significa, obviamente, concordância com o que se tem estado a passar neste domínio, com algumas das premiações já verificadas a afectarem de forma particularmente grave alguns dos meus valores jornalísticos de referência. Sendo, contudo, o território da apreciação do produto jornalístico carregado de bastante subjectividade, qualquer discussão neste âmbito pode revelar-se improdutiva para além de correr o risco de se eternizar. Como normalmente prémios do género não contemplam instâncias de recurso, pouco adiantará alimentar polémicas em relação a esta ou aquela decisão. A ausência de recurso pode, contudo, não ser a melhor garantia para a estabilidade e a credibilidade que se recomendam, pois há sempre que admitir, em tese, a ocorrência de situações mais graves no desempenho dos próprios jurados que podem chocar abertamente com o que é essencial neste tipo de disputa. É o que acontece quando em causa está a própria aplicação dos critérios definidos nos respectivos regulamentos, sendo este, lamentavelmente, o caso que me traz a estas colunas. Considero que com a atribuição este ano do Prémio Maboque de Jornalismo a João Melo, o seu corpo de jurado violou de forma ostensiva o principal critério que está na base da atribuição do mais cobiçado galardão para todos quantos em Angola fazem do jornalismo a sua profissão. No seu artigo 1º (Definições), o Regulamento da edição 2008 do Prémio Maboque de Jornalismo define jornalista como sendo “um individuo que faz do jornalismo a sua ocupação principal, permanente e remunerada e que seja portador da respectiva carteira profissional ou título provisório devidamente actualizados”. Esta definição foi inspirada no único documento legal existente no nosso ordenamento jurídico que define a condição de jornalista e que é o Decreto nº56/97 que aprovou o Estatuto do Jornalista. O Estatuto em causa considera que o exercício do jornalismo é incompatível com o desempenho de a) funções de angariador de publicidade; b) funções em agências de publicidade ou serviços de relações públicas; c) serviço militar e policial; d)funções de membro dos órgãos de soberania do Estado e de direcção dos Partidos Políticos. Se ainda restarem algumas dúvidas em relação à interpretação destas disposições, não me parece que haja qualquer outra em relação a condição de político profissional que João Melo enverga há mais de 15 anos desde que foi eleito para o Parlamento pela bancada do MPLA. Por todas estas razões estou convencido que João Melo não preenche a condição mínima para receber o Prémio Maboque de Jornalismo, de acordo com o que estipula o seu Regulamento. Como é evidente, JM não tem culpa nenhuma de ter sido indicado pelo Júri Maboque para receber o prémio, que também poderia ter recusado caso assim decidisse, pois não é a primeira vez na história dos prémios que alguém se recusa pura e simplesmente a recebê-los.
Entre nós os casos de Manuel Rui e Luandino Vieira são apenas dois dos mais conhecidos. Indirectamente, é claro que estamos a sugerir que esta deveria ter sido a opção de JM, com a qual se corrigiria uma tão equivocada decisão do Júri. Alguém me disse, em jeito de contra-argumentação, que JM, para além da coluna política que alimenta no Jornal de Angola ainda é editor e colaborador de uma revista informativa, a “Africa 21”. Espero que o meu interlocutor não quis insinuar que por estar à frente deste novel projecto, que é ainda desconhecido do grande público angolano, JM teria condições mais do que suficientes para merecer as simpatias do Júri. Definitivamente ser colunista ou DG de uma publicação não nos confere automaticamente a condição profissional de jornalista, o que não tem nada a ver, nem põe em causa a grande formação e experiência jornalísticas do laureado que é também altamente versado em matérias ligadas ao marketing e à publicidade. O que está aqui em causa nesta nota dissonante é tão-somente a definição de jornalista, como condição essencial para a atribuição do Prémio Maboque de Jornalismo. O que está em causa é o erro de palmatória cometido pelo Júri do Prémio ao conferir a JM a condição profissional de jornalista que ele nesta altura não tem, nem pode ter por razões demasiado óbvias, a não ser que neste país se possa ser tudo e fazer tudo e mais alguma coisa, em simultâneo ou em regime de acumulação, como já acontece, de algum modo, na vida política, ao ponto do próprio Presidente JES já ter alertado muito recentemente os seus pares para a existência de situações de promiscuidade ao nível da governação.
Sendo territórios vizinhos, o jornalismo e a política têm, contudo, fronteiras e códigos próprios que temos de saber preservar e aprofundar em nome da sempre recomendável independência dos diferentes poderes e protagonistas que se movimentam na nossa sociedade. A lógica jornalística é completamente distinta da lógica política.
Sem ter necessidade de mentir, um político pode bem manipular a realidade ou a verdade dos factos em nome ou em defesa da sua causa.
Um jornalista não pode nem deve optar por um tal caminho, porque a sua causa é servir a sociedade no seu conjunto oferecendo-lhe informação rigorosa e de qualidade, o que não é possível fazer se a nossa primeira bíblia forem os estatutos do partido que temos no coração. Por estas e várias outras razões, as duas lógicas, se levarmos o jornalismo mais a sério, mantendo toda a nossa consideração pela política, são incompatíveis.
Na sua origem, segundo ainda me lembro, o Prémio Maboque, idealizado pelo malogrado e saudoso Sílvio Peixoto (o das Crónicas Indigestas), surgiu para distinguir e estimular quem está no jornalismo de preferência as 24 horas de cada um dos 365 dias que o ano comum possuiu. Não é possível, obviamente, bater este recorde, mas é para lá que devemos orientar a nossa intervenção. Por não haver propriamente um concurso, o Prémio Maboque olha para o desempenho de todos os profissionais que estão realmente no activo sem outras “coberturas”, nem outros “projectos”, sendo sem dúvida o critério da permanência e da continuidade, com a necessária visibilidade (off course), aquele que deveria ser tido como a grande base objectiva para outras avaliações mais qualitativas.

Os trânsfugas da UNITA, a onda de greves e a navegação do Coadjutor Paulo Kassoma

1-Com um PM “promovido” a categoria de Coadjutor, o primeiro governo da terceira República está praticamente composto, embora ainda se aguardem por algumas novidades de peso ao nível da indicação dos vice-ministros, assunto que em principio já deverá estar ultrapassado no momento em que o leitor tomar contacto com estas linhas. Até a hora do fecho desta edição ainda se especulava sobre os novos rostos da segunda divisão do Executivo, com algumas das nossas fontes a admitirem a possibilidade remota de vir a ser constituída uma terceira divisão, a ser integrada por “jogadores” provenientes de outras formações políticas, com destaque para os conhecidos trânsfugas da UNITA. Ao que parece e depois do exemplo dado há muitos séculos pela antiga Roma Imperial com a execução em praça pública dos três assassinos do herói lusitano Viriato, Luanda desta vez também não parece muito disposta a “pagar traidores”. Isto depois de o ter feito em 1992 com toda a generosidade que se conhece e que a história registou, como sendo, provavelmente, a primeira grande transacção política do pós-independência. Seja como for ainda é muito cedo para se avaliar a disponibilidade de Luanda no domínio dos pagamentos e das contrapartidas, pois a remodelação ainda não chegou aos cargos diplomáticos, onde vão vagar alguns postos com a extinção do GURN. Quanto nós, reiteramos aqui, a extinção do GURN devia ser objecto da primeira emenda constitucional desta terceira República, pois em nome do Estado de Direito não basta que alguém declare a sua caducidade. Os resultados eleitorais por si só não têm força suficiente para alterar as constituições de forma automática. O formalismo neste caso não pode ser posto de lado. O que já é facto é que nenhum dos trânsfugas vai jogar na primeira divisão, o que é muito bom para a imagem do novo governo que afirma-se assim como um executivo exclusivamente do partido vencedor, demarcando-se de toda a “trapalhada” que foi o GURN. Com apenas quatro anos para governar, caso não surjam outras novidades resultantes das próximas presidenciais e da revisão constitucional, o actual Governo coadjuvado por Paulo Kassoma é neste momento o principal instrumento de execução do programa eleitoral do MPLA, não tendo por isso muito tempo a perder com a acomodação de “penduras”. 2-A onda de greves que se anuncia com as primeiras movimentações reivindicativas já registadas em Luanda (Ghassist) e em Benguela é o primeiro sinal de cobrança do eleitorado cansado de receber salários de miséria. Esta-se de facto (e de jure) diante de uma humilhação consentida pela maior parte dos trabalhadores angolanos, que continuam a ter de pagar para trabalhar e a ter de engolir depois discursos sobre a existência de uma suposta estabilidade macroeconómica cujos efeitos tardam em chegar aos seus bolsos. É suposta, porque um dos elementos mais estruturantes dessa estabilidade é a taxa de desemprego que habitualmente nunca é citada pelos nossos estrategos. Não pode haver estabilidade macroeconómica com a actual taxa de desemprego prevalecente em Angola. Por outro lado, também não pode haver estabilidade com o comportamento da nossa inflação real que, sem ser galopante, prossegue a sua tendência ascendente, o que torna impossível manter salários num patamar inferior a 500 dólares. Só pode ser uma brincadeira de mau gosto que os eleitores da terceira República não vão, em princípio, saber tolerar. Se a prioridade deste governo é efectivamente combater a pobreza, a via salarial é fundamental para a concretização de uma distribuição mais equilibrada do rendimento nacional. Já não basta promover ou garantir o emprego. É preciso conferir rapidamente ao salário a sua função social. Os empregadores públicos e privados não podem continuar refugiados em chavões ou a chamar a polícia sempre que houver movimentações laborais. Os trabalhadores estão cheios de razão. É preciso negociar, mas que não seja apenas para ganhar tempo. A concertação social patrocinada pelo Governo tem de entrar em cena aos mais diferentes níveis, começando pelo mais alto, ao nível do próprio Coadjutor, com um compromisso mais sério e menos mediático. É preciso que a terceira República seja também a república onde se ajustem todas as contas num país que tem potencial mais do que suficiente (com o PIB per capita a rondar os dois mil dólares) para dar a todos o mínimo necessário para uma vida digna. Não é o que está acontecer actualmente.

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Marcolino Moco estreou-se como autor de textos jurídicos

Marcolino Moco estreou-se pela editora Chá de Caxinde como autor de textos jurídicos ao lançar dois volumes versados na ciência do direito, que ele abraçou como docente e investigador. (Ler mais abaixo prefácio do constitucionalista português Jorge Miranda) Entre os seus antigos companheiros de direcção do MPLA marcaram presença no Jango da Chá de Caxinde, onde decorreu a apresentação dos seus “books”, Lopo do Nascimento e Paulo Teixeira Jorge. Sinceramente não nos lembramos de ter visto no local mais algum nome sonante dos “camaradas”, ao nível do BP, pelo que desde já pedimos desculpas caso algum deles tenha estado presente e nos tenha escapado. O ex-Governador do Bié e do Huambo, ex-Ministro da Juventude e Desportos, ex-Secretário-Geral do MPLA, ex-Primeiro-Ministro (PM) e ex-Deputado do MPLA agora é apenas Mestre e só quer ser Professor Doutor.Destas duas "funções" ele sabe que nunca mais será ex, nem nunca mais ninguém lhe poderá demitir, a não ser que o actual poder político declare a Academia uma persona non grata. Marcolino Moco ri-se quando lhe perguntam por que é que foi o único dos três antigos PMs que não beneficiou da "amnistia" ou então, se está a procura agora na vida académica, da visibilidade que perdeu enquanto político, depois de ter sido abruptamente afastado do governo em finais dos anos 90 pelo Presidente JES, com direito a uma inédita manifestação de protesto nas ruas de Luanda, onde uma das palavras de ordem gritadas pelos manifestantes era: "Fora com o bailundo!".Moco queria apenas ser um pouco mais Primeiro-Ministro de acordo com a própria Lei Constitucional, sem deixar de ser o primeiro dos ministros ou o Coadjutor como agora se designa o PM, depois da mais recente "revisão constitucional" que se seguiu à tomada de posse de Paulo Kassoma.Ao convidar alguns jornalistas da imprensa privada para se deslocarem a Lisboa a fim de cobrirem a sua visita oficial a Portugal, Moco fez a diferença e aumentou a distância que o separava do Futungo de Belas.Marcolino Moco vai, certamente, ficar na história do MPLA e deste país como tendo sido um dos raríssimos "camaradas" que teve a coragem de enfrentar o Presidente José Eduardo dos Santos no seu território, mas não foi capaz de dar o passo seguinte.Mesmo assim o "castigo" para esta (meia) ousadia parece ser eterno e ele sabe disso, pelo que decidiu ocupar da melhor forma o seu tempo estudando, investigando e dando aulas. Na extensa entrevista que concedeu a um tal de Artur Queirós (AQ), autor do texto “Marcolino Moco- Um Governo à Prova de Guerra” que foi editado pela PROEME em Fevereiro de 1996, MM é citado pelo dito cujo como tendo afirmado que “em Angola, um político que provoque rupturas está perdido!” Na altura o futurólogo AQ terminou a sua prosa adiantando que “talvez seja esse o segredo de um político em permanente ascensão: nunca, em nenhuma fase da sua carreira, provocou rupturas.” Ele, rematou o bruxo de serviço, “é o exemplo vivo da conciliação e da tolerância”. Afinal de contas onde foi que o “ex-menino do Huambo” errou tanto assim, para quase ser expulso do “paraíso/planeta” rubro-negro? [Do Prefácio: Tem sido uma experiência extremamente valiosa para mim epara os professores da Faculdade de Direito da Universidadede Lisboa a participação na regência dos cursos demestrado da Faculdade de Direito da Universidade AgostinhoNeto. Extremamente valioso, pelo contacto com uma Escola nova epujante, pelo intercâmbio com os seus professores, pelo diálogo estabelecido com juristas de váriasgerações, que pretendem avançar na investigaçãocientífica. Um destes juristas é justamente o Dr. Marcolino Moco. As suas intervenções nas aulas e os relatórios finais, de elevado nível, mereceram que tivesse obtido as mais altas classificações nas diversas disciplinas do curso de 2005-2006. Publica agora o Dr. Marcolino Moco esses estudos, em dois volumes, primeiro dos quais dedicado ao Direito Administrativo e à Metodologia Jurídica e o segundo ao Direito Constitucional e ao Direito Internacional Público. Os temas versados são da maior importância, quer no estrito plano teórico, quer pelas suas implicações na realidade constitucional, económica, social e políticaem Angola. E são tratados com base em ampla pesquisa e reflexão, em que se bem se patenteiam a inteligência, a maturidade e o sentido universitário do Autor. Congratulo-me, pois, vivamente com esta publicação e formulo sinceros votos por que o Dr. Marcolino Moco prossiga no seu empenhamento académico, a bem da Ciência Jurídica de Angola e dos países de língua portuguesa. Muito pode continuar a dar a esta Ciência e ao seu País. Lisboa, 9 de Julho de 2007, Prof. Doutor Jorge Miranda]

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Matias Damásio é o novo best-seller da música angolana

O talentoso jovem foi traído pela sua modéstia. Os piratas agradeceram. No passado domingo Matias Damásio poderia ter vendido nas nossas contas, à vontade, mais de 30 mil cópias do seu novo e fabuloso “Amor e festa na lixeira”, só ali no Cine Atlântico. Só vendeu 10 mil porque não tinha mais, porque não quis arriscar na primeira edição, porque não acreditou no seu valor, na sua qualidade, na sua popularidade. Falhou redondamente! Agora não vai ser muito fácil recuperar, porque os piratas já entraram em acção num cenário que ele próprio ofereceu de bandeja aos seus desleais concorrentes. Verdadeiras piranhas.Matias Damásio é de facto a nova estrela da música angolana. Ele já dispensa o Top dos Mais Queridos, onde este ano ao lado de Yola Semedo foi (incompreensivelmente) um dos grandes ausentes das escolhas dos seus promotores. No passado domingo no Atlântico ele provou que é muito mais querido do que todos os queridos, de todos os tops juntos. O seu novo CD é muito bom. Tem tudo para dar certo, começando pelas pistas, com um tremendo “kwasa-kawsa”, o Mboa Gi, que não deve nada ao Kofi Olomidé. Aliás e como os gostos não se discutem, acho mesmo que é muito melhor do que muitos “kwasas” já editados pelos grandes monstros da música zairense. A nossa música agradece-te o “favor” de seres angolano em full-time. Matias, és o maior!

domingo, 5 de outubro de 2008

Onde estão a ser investidos os activos financeiros de Angola?

A pergunta justifica-se plenamente diante da envergadura da actual crise financeira internacional, a qual Angola dificilmente poderá escapar, porque o nosso dinheiro há muito que já deixou de se guardado em garrafões ou debaixo dos colchões. Sabemos que grande parte do dinheiro público de Angola anda por aí a passear-se em operações de rentabilização que, certamente, não estão a ser feitas em Moscovo e muito menos em Ondjiva. Sabemos que empresas públicas angolanas, com destaque para a Sonangol, estão a investir forte e feio, na compra de activos de congéneres portuguesas cotadas na bolsa lisboeta. Sabemos que o BNA já investiu alguns largos milhões de dólares no Fundo Carlyle, por exemplo. Antes de batermos palmas ou criticarmos quem quer que seja, é altura, face ao que de muito grave se está a passar pelo mundo da alta finança, de sabermos muito mais, de preferência tudo e mais alguma coisa, em relação as aplicações internacionais que estão a ser feitas com o dinheiro que é de todos nós. Qual é a estratégia? Quem controla quem? Não é a primeira vez que formulamos estas e outras perguntas. Lamentavelmente, o silêncio (que não pode ser de ouro) tem sido a resposta para as nossas anteriores preocupações. Até quando?

Paulo Kassoma: Ser ou não ser Primeiro-Ministro

Ponto prévio: Não se assustem com a epígrafe pois está tudo bem. Não há nenhuma crise à vista. Também seria demasiado cedo. Os títulos que mais “vendem” em jornalismo são os “provocatórios”, sendo exactamente essa a sua função, salvaguardadas as devidas distâncias entre as manchetes do jornalismo de referência e o sensacionalista. Bem no fundo (outra provocação?) acaba por não haver muita diferença. Com todas as suas ambiguidades e ambivalências, o actual texto constitucional angolano consagra antes de mais a existência de uma figura vertical e vertebrada chamada Primeiro-Ministro (PM) a quem incumbem em geral dirigir, conduzir e coordenar a acção geral do Governo. O texto, que se prepara para passar a história, diz-nos ainda que o Primeiro-Ministro é responsável politicamente perante o Presidente da República (PR), a quem informa directa e regularmente acerca dos assuntos respeitantes à condução da política do país. Paulo Kassoma, um “rangelito” de gema oriundo do planalto central, que na sua biografia oficial apresenta-nos a particularidade de ser montador-electricista como profissão em paralelo com uma licenciatura em engenharia electrotécnica, já esclareceu que (“não”) vai respeitar a constituição no que diz respeito a assunção das suas responsabilidades mais especificas. Ele disse que a sua principal prioridade será “efectivamente materializar as orientações do Presidente da República”. Essa, destacou, “é a principal actividade, daí a palavra coadjutor”. Com tal “deriva”, Paulo Kassoma quis, obviamente, colocar-se nos seus devidos lugares, como se diz por aqui. Voltamos a ler o já mencionado texto constitucional e não encontramos nenhuma passagem do seu articulado que diga, ipsis verbis, que o PM é coadjutor do PR. Como é evidente, Kassoma fez uma interpretação política das suas responsabilidades constitucionais no seu relacionamento com o Presidente da República no contexto da nossa história, do nosso muito suis generis modelo de governação e da própria hierarquia e disciplina do partido que é membro e onde milita ao mais alto nível com o PR. Se fosse um pouco mais ambicioso, Paulo Kassoma talvez devesse ir buscar uma outra passagem da Lei Constitucional onde se diz que o Presidente da República pode delegar expressamente ao Primeiro-Ministro a Presidência do Conselho de Ministros. Enquanto não se aprova uma constituição mais esclarecedora do nosso sistema político, este recurso até poderia ser uma solução inteligente para se permitir a existência de uma primatura menos tutelada e mais de acordo com a vontade do eleitorado que é chamado a eleger indirectamente o governo nas legislativas. Seja como for, com esta sua “nota de recusa”, Paulo Kassoma agradou a muitos, mas terá igualmente decepcionado outros tantos, mesmo dentro da sua família que, sem pretenderem ver nele uma repetição a prazo do caso M.Moco, esperavam ouvir da sua boca uma declaração inicial mais robusta.
Não nos podemos esquecer que tudo se está, entretanto, a passar intramuros, não constituindo propriamente uma novidade este “ritual do beija-mão”, quando ouvimos destacados dirigentes do maioritário começarem invariavelmente os seus discursos com os habituais encómios à clarividência do “Camarada Presidente”.Mesmo assim, talvez ainda haja algum espaço para “corrigir” Paulo Kassoma, fazendo-lhe recordar que a grande prioridade do PM antes de receber orientações de alguém, é governar e bem, de acordo com o ambicioso programa do MPLA que acaba de ser escrutinado pelo eleitorado com nota quase 10.

sábado, 4 de outubro de 2008

Tentar compreender o descalabro da UNITA

1-A oposição com as nossas atenções voltadas, antes de mais, para o desempenho da UNITA, já aqui o escrevémos, não esteve bem no decorrer das recentes eleições legislativas, mas por melhor que estivesse também não teria muitas hipóteses de fazer frente ao MPLA. O desastre que se veio a verificar posteriormente é que também não estava nos planos, mesmo dos mais pessimistas, a reflectir um desempenho que, em matéria de decepções, ultrapassou alguns limites mais críticos, ao ponto de nos termos aproximado demasiado do “fim da picada”. Como explicação para este desfecho, claramente, já não é suficiente a conjuntura que foi de facto ao longo de todo este processo a grande adversária da Oposição. Talvez, sem ofensa para ninguém, devêssemos também recorrer ao Principio de Peter, que tem a ver com o papel da incompetência na sociedade e nas organizações. Fomos todos testemunhas da preparação e implementação de uma devastadora ofensiva do maioritário que soube combinar de forma particularmente eficaz e mortífera os três ramos das suas “forças armadas”, diante de um “inimigo” que se veio a revelar muito menos perigoso do que o seu potencial inicial fazia supor. E qual era esse potencial? Era, sobretudo, o descontentamento, a insatisfação e a frustração popular, diante dos modestos resultados sociais da governação e das gritantes assimetrias e injustiças na distribuição do rendimento nacional. Estes sentimentos, em tese, seriam facilmente capitalizados como a grande arma de arremesso contra o MPLA, apontada para um resultado muito mais equilibrado, que a certa altura foi tido como possível, quando ainda se admitia a possibilidade de se retirar a maioria absoluta de 92 aos “camaradas”. Uma arma cuja utilização não implicaria grandes custos o que, em principio, deveria compensar, minimamente, as diferenças abismais que marcaram, desde o início, as capacidades financeiras das duas máquinas político-partidárias, com uma distância de várias centenas de quilómetros medidas em milhões de dólares. Este elemento espontâneo fez com que alguns círculos da oposição acreditassem na repetição entre nós do milagre cristão da repartição do pão, do peixe e do vinho baseado numa certa lógica política que, normalmente, penaliza quem governa, com os resultados sociais semelhantes aos que se verificam em Angola.
2-Os estrategas da oposição esqueceram-se, provavelmente, que Angola é um país saído de um recente conflito, com algumas contas políticas de peso ainda por acertar entre os dois antigos beligerantes, sem praticamente nenhuma experiência eleitoral e onde a propaganda ainda decide muita coisa, mesmo que seja em cima da hora. Enquanto se descontam todos os factores estranhos ao que foi realmente a vontade do eleitorado angolano, que, pelos vistos, ainda não estão totalmente contabilizados, e se fazem todas as leituras possíveis dos votos nulos, brancos e da abstenção propriamente dita, há de facto a lamentar que o desempenho da UNITA tenha conhecido níveis tão pouco consentâneos, até com o seu próprio potencial humano. Estamos a falar da grande família do Galo Negro, cujos membros, de acordo com algumas estimativas oficiais anteriores à realização do pleito, deveriam rondar o milhão e meio de almas vivas e adultas. Para quem só conseguiu cerca de 700 mil votos está tudo mais ou menos dito em matéria de competências, embora o “laboratório” angolano tenha características muito especiais, como resultado da recente história do país. Compreendemos (parcialmente) as dificuldades de uma conjuntura política que após o 22 de Fevereiro de 2002, com o calar das armas, passou a ser completamente desfavorável a UNITA. O Galo Negro foi de facto incapaz de se reorganizar ao nível das comunidades quer urbanas, quer rurais. Esta incapacidade teve razões objectivas, mas também terá tido outras que resultaram de alguns equívocos estratégicos assumidos por um partido que deveria estar muito melhor preparado para o jogo eleitoral, por ter sido aquele que mais se bateu pela realização urgente das eleições.
3-A UNITA, em termos organizativos, parece ter deixado de existir tanto na Angola profunda, como no país real (das grandes cidades), tendo ficado apenas no ar a chama do voto étnico, enquanto o MPLA no terreno de todas as “tribos” ia erguendo, “step by step”, a sua máquina partidária com o lançamento das mais diferentes iniciativas em várias direcções. A mobilização das autoridades tradicionais e o lançamento de várias organizações sociais de carácter filantrópico e humanitário, foram apenas alguns dos passos dados pelos “camaradas” na sua preparação para o pleito que acabam de vencer de forma tão retumbante. Num esforço para fazer uma leitura o mais aproximada possível do que é fazer política num país real chamado Angola, é evidente que o MPLA fez tudo e mais alguma coisa que esteve ao seu alcance, com a utilização de todos os recursos, dos mais convencionais aos menos ortodoxos, para não dar a mínima chance aos seus adversários.
Claramente parece ter, contudo, exagerado na “dose dos antibióticos” que injectou num sistema, que, note-se, do ponto de vista da projectada e tão elogiada solução tecnológica entrou completamente em falência no dia da votação com a ausência dos propalados cadernos eleitorais. Sobrou o dedo marcado a tinta indelével que por si só pode não ter sido garantia suficiente para se garantir a unicidade do voto. Em 92, recorde-se, ainda se utilizou a furação do cartão do eleitor, como mecanismo complemetar.
Chegou-se mesmo a recear pela morte do paciente, como resultado de uma "cura" tão radical. Depois de todo o barulho feito à volta das eleições, a Oposição e muito particularmente a UNITA, tinham de saber que as coisas não iam ser fáceis, diante de um adversário com a experiência e a matreirice do MPLA. Um adversário que tinha na sua agenda todas as opções e mais algumas, menos a derrota nas eleições, depois de ter ficado particularmente assustado com os acontecimentos do Zimbabwe que terão, certamente, ajudado a reforçar e a refinar as suas estratégias de combate. Por mais que tentemos compreender as dificuldades enfrentadas pela Oposição em todo o processo preparatório das eleições, fica, por exemplo, difícil entender que no seu último reduto, que era o da fiscalização no dia da votação, a UNITA muito particularmente tenha exibido tantas falhas e debilidades. Como se sabe a UNITA chegou ao ponto de não ter conseguido apresentar, como prova de eventuais irregularidades, uma única reclamação dos seus delegados de lista junto das assembleias de voto. Pelo que consta em cerca de 7 mil mesas de voto a UNITA não conseguiu ter presentes os seus delegados. O mesmo silêncio se verificou com os seus representantes na Comissão Nacional Eleitoral dos quais nunca se ouviu um único pronunciamento público durante a fase da campanha eleitoral e muito menos no decorrer das operações de apuramento. É muita ausência e muito silêncio para quem tinha tantas responsabilidades e agora está reduzida, ironia do destino, à condição de mais um “partideco”, como diria Jonas Savimbi se fosse vivo.