sábado, 11 de outubro de 2008
Os trânsfugas da UNITA, a onda de greves e a navegação do Coadjutor Paulo Kassoma
1-Com um PM “promovido” a categoria de Coadjutor, o primeiro governo da terceira República está praticamente composto, embora ainda se aguardem por algumas novidades de peso ao nível da indicação dos vice-ministros, assunto que em principio já deverá estar ultrapassado no momento em que o leitor tomar contacto com estas linhas.
Até a hora do fecho desta edição ainda se especulava sobre os novos rostos da segunda divisão do Executivo, com algumas das nossas fontes a admitirem a possibilidade remota de vir a ser constituída uma terceira divisão, a ser integrada por “jogadores” provenientes de outras formações políticas, com destaque para os conhecidos trânsfugas da UNITA.
Ao que parece e depois do exemplo dado há muitos séculos pela antiga Roma Imperial com a execução em praça pública dos três assassinos do herói lusitano Viriato, Luanda desta vez também não parece muito disposta a “pagar traidores”. Isto depois de o ter feito em 1992 com toda a generosidade que se conhece e que a história registou, como sendo, provavelmente, a primeira grande transacção política do pós-independência.
Seja como for ainda é muito cedo para se avaliar a disponibilidade de Luanda no domínio dos pagamentos e das contrapartidas, pois a remodelação ainda não chegou aos cargos diplomáticos, onde vão vagar alguns postos com a extinção do GURN.
Quanto nós, reiteramos aqui, a extinção do GURN devia ser objecto da primeira emenda constitucional desta terceira República, pois em nome do Estado de Direito não basta que alguém declare a sua caducidade. Os resultados eleitorais por si só não têm força suficiente para alterar as constituições de forma automática. O formalismo neste caso não pode ser posto de lado.
O que já é facto é que nenhum dos trânsfugas vai jogar na primeira divisão, o que é muito bom para a imagem do novo governo que afirma-se assim como um executivo exclusivamente do partido vencedor, demarcando-se de toda a “trapalhada” que foi o GURN.
Com apenas quatro anos para governar, caso não surjam outras novidades resultantes das próximas presidenciais e da revisão constitucional, o actual Governo coadjuvado por Paulo Kassoma é neste momento o principal instrumento de execução do programa eleitoral do MPLA, não tendo por isso muito tempo a perder com a acomodação de “penduras”.
2-A onda de greves que se anuncia com as primeiras movimentações reivindicativas já registadas em Luanda (Ghassist) e em Benguela é o primeiro sinal de cobrança do eleitorado cansado de receber salários de miséria.
Esta-se de facto (e de jure) diante de uma humilhação consentida pela maior parte dos trabalhadores angolanos, que continuam a ter de pagar para trabalhar e a ter de engolir depois discursos sobre a existência de uma suposta estabilidade macroeconómica cujos efeitos tardam em chegar aos seus bolsos.
É suposta, porque um dos elementos mais estruturantes dessa estabilidade é a taxa de desemprego que habitualmente nunca é citada pelos nossos estrategos. Não pode haver estabilidade macroeconómica com a actual taxa de desemprego prevalecente em Angola.
Por outro lado, também não pode haver estabilidade com o comportamento da nossa inflação real que, sem ser galopante, prossegue a sua tendência ascendente, o que torna impossível manter salários num patamar inferior a 500 dólares. Só pode ser uma brincadeira de mau gosto que os eleitores da terceira República não vão, em princípio, saber tolerar.
Se a prioridade deste governo é efectivamente combater a pobreza, a via salarial é fundamental para a concretização de uma distribuição mais equilibrada do rendimento nacional.
Já não basta promover ou garantir o emprego.
É preciso conferir rapidamente ao salário a sua função social. Os empregadores públicos e privados não podem continuar refugiados em chavões ou a chamar a polícia sempre que houver movimentações laborais. Os trabalhadores estão cheios de razão.
É preciso negociar, mas que não seja apenas para ganhar tempo.
A concertação social patrocinada pelo Governo tem de entrar em cena aos mais diferentes níveis, começando pelo mais alto, ao nível do próprio Coadjutor, com um compromisso mais sério e menos mediático.
É preciso que a terceira República seja também a república onde se ajustem todas as contas num país que tem potencial mais do que suficiente (com o PIB per capita a rondar os dois mil dólares) para dar a todos o mínimo necessário para uma vida digna. Não é o que está acontecer actualmente.