terça-feira, 28 de outubro de 2008
Flashback (Outubro 2007 ):Missão Impossível em Washington
NR- Passarei a partir desta data e de forma regular, a trazer de volta aos dias que passam, alguns dos textos que escrevi e já publiquei na minha coluna (WD) no Angolense, fazendo apenas referência no título original ao mês e ao ano da sua edição.
Será assim este flashback.
Um regresso pontual e seleccionado ao passado
de uma intervenção escrita, que acabará por ser uma novidade para quem não teve a oportunidade de me ler em tempo oportuno.
A não perder mesmo assim , com surpresas garantidas até para o seu autor, embora nem todas venham a ser muito positivas nesta revisitação, para quem está convencido que a escrita jornalística é, necessariamente, um processo de aperfeiçoamento e superação permanente, tendo como grande objectivo comunicar (interagir) cada vez melhor com pessoas que, na maior parte dos casos, não nos conhecem.
Estou nos Estados Unidos desde sábado último a convite do meu sósia e único sócio desta empreitada, o RS ou o TA, que por sua vez foi convidado pelo Banco Mundial e o FMI a deslocar-se até Washington para participar nas assembleias anuais das duas mais famosas e poderosas instituições financeiras existentes à escala planetária. O nosso homem está a ficar importante.
Sem parecer mal agradecido, gostaria, contudo, de ter sido convidado por George Bush a visitar os Estados Unidos pois como membro activo que sou do “mil milhão de baixo”, para utilizar uma expressão que o novo Presidente do Banco Mundial pediu emprestada a alguém da literatura económica, trago na bagagem algumas questões muito sensíveis relacionadas com a globalização, que só o inquilino da Casa Branca estaria em condições de me responder.
Uma delas era saber quanto é que os Estados Unidos gastaram até ao momento com as suas desastrosas e improdutivas invasões ao Afeganistão e ao Iraque.
Depois iria comparar com o dinheiro que, segundo as contas do Presidente do Banco Mundial - que também é norte-americano como George Bush- é necessário para fazer face às necessidades mínimas do tal “mil milhão de baixo”.
[Estas contas apresentadas muito recentemente aqui em Washington por ocasião dos primeiros cem dias da liderança Robert Zoellick referem que seria necessário um investimento de cerca de US$ 3 mil milhões por ano nos próximos anos para fornecer a todos os domicílios vulneráveis à malária mosquiteiros tratados, medicamentos e um volume modesto de insecticida em locais fechados.
Zoellick disse que a Agência Internacional de Energia estima que os países em desenvolvimento precisem de aproximadamente US$ 170 mil milhões em investimento no sector energético por ano na próxima década apenas para atender às necessidades de electricidade, restando outros US$ 30 mil milhões por ano para a transição em direcção a uma mescla de energia de baixo teor carbónico.
Outros US$ 30 mil milhões por ano, acrescentou, são necessários para alcançar as Metas de Desenvolvimento do Milénio de abastecimento de água potável a 1,5 mil milhão de pessoas e saneamento a 2 mil milhões que carecem das necessidades mais básicas, bem como de melhoria da igualdade de género nos países pobres.
Há necessidade ainda, apontou, de outros US$ 130 mil milhões por ano para atender aos requisitos da infra-estrutura de transportes dos países em desenvolvimento crescente, inclusivamente cerca de US$ 10 mil milhões por ano para terminais marítimos de contentores a fim de aproveitar as oportunidades do comércio.
E, rematou, para proporcionar educação primária a cerca de 80 milhões de crianças que estão fora da escola, outra Meta de Desenvolvimento do Milénio, os países de baixo rendimento necessitarão cerca de US$ 7 mil milhões por ano.]
Como ando aqui muito perto da Casa Branca tentei saber se era possível, como cidadão do mundo que sou, marcar uma audiência com George Bush, na sua qualidade de “dono” desse mesmo mundo.
Se não é dono, pelo menos faz do mundo o que bem lhe apetece, pensando que está no Texas, o que vem a dar exactamente no mesmo.
Iria discutir com Bush, nomeadamente, a necessidade dos Estados Unidos apoiarem mais a globalização da periferia com os astronómicos recursos que gastam com essa mesma região do mundo onde nós vivemos, mas em outras actividades como são as guerras expansionistas.
Estou naturalmente preocupado com a possibilidade de mais alguns largos biliões de dólares virem a ser gastos com a destruição do Irão no âmbito da mesma estratégia que a actual administração tem estado a seguir desde o 11 de Setembro de 2002.
Iria certamente dizer ao meu interlocutor que as guerras que ele tem levado a cabo, para além de não resolverem nenhum dos problemas que estiveram na sua origem, só agravaram ainda mais os níveis de pobreza no mundo, com todo o impacto que essa mesma situação tem na realimentação dos fenómenos sócio-políticos que actualmente mais preocupam os ocidentais. Um destes fenómenos é, sem dúvida, o terrorismo internacional dos pobres, pois não nos podemos esquecer que também existe o famoso terrorismo de estado, sobretudo dos estados mais poderosos.
A impiedosa destruição das fabulosas infra-estruturas do Iraque pela artilharia norte-americana, fala bem do extraordinário avanço da pobreza naquele país, como consequência desta política de terra queimada.
As contas aqui são efectivamente muito mais complicadas.
Para além das destruições é necessário depois contabilizar o seu impacto no nível de vida das populações afectadas pela guerra.
É altura do Banco Mundial começar a fazer estas e outras contas pois de nada adianta estar-se a mobilizar recursos internacionais para se combaterem as assimetrias da globalização, quando os seus principais financiadores, com os EUA à cabeça, são aqueles que mais verbas destinam ao aprofundamento dessas mesmas desigualdades por via das catástrofes militares que desencadeiam.
Enquadra-se igualmente nesta abordagem e já a propósito da Cimeira União Europeia-Africa, a problemática dos subsídios europeus à sua agro-pecuária na relação (causa-efeito) que os mesmos têm com a pobreza crescente dos africanos e o aumento exponencial da emigração ilegal, o outro fenómeno que mais preocupa os ocidentais depois do terrorismo.
Um documentário produzido pela BBC que tivemos a oportunidade de ver recentemente na SIC-Notícias retrata de forma extraordinariamente profunda e simples, tendo como paradigma o Gahna, como é que a Europa comunitária tem estado a destruir com a exportação dos seus produtos baratos, porque altamente subsidiados, a agricultura africana.
O resultado é o êxodo rural que depois dá origem à emigração ilegal que agora desesperadamente os europeus tentam travar, devendo esta questão vir a dominar a referida cimeira, caso ela venha a ter lugar em Lisboa.
Os europeus fizeram ouvidos de mercador a todos os avisos que os alertavam para o efeito de boomerang da sua política agrícola, tendo chegado mesmo a ameaçar com sanções os próprios governos africanos, casos estes optassem por proteger a sua agricultura da invasão dos produtos europeus.
Os dirigentes da União Europeia estão agora sem saber o que fazer diante da avalanche humana proveniente de Africa mas não só, que todos os dias desesperadamente tenta furar a qualquer preço as fronteiras do velho continente.
É uma avalanche que já não tem nada a perder, por isso se torna ainda mais ameaçadora e determinada.
Tanto se lhe dá, como se lhe deu.
No “mil milhão de baixo”, uma expressiva referência numérica que Presidente do Banco Mundial Robert B. Zoellick foi buscar ao título de um livro (The Bottom Bilion) escrito por Paul Collier (conhecem-no?) estamos todos nós, os "ancorados" deste planeta que continuamos a ver "bilhas".
No “mil milhão de baixo” estão os “desglobalizados”, isto é, aqueles que pelo andar da carruagem não vão beneficiar tão cedo dos frutos de todo este progresso mundial que, pelos vistos, está geograficamente muito mal distribuído.
(Flashback/WD-Outubro 2007)