Ponto prévio: Para além das nossas divergências de opinião, não tenho nada de pessoal contra o João Melo (JM), pessoa que conheço há mais de trinta anos e por quem nutro a maior consideração e estima que já tive, aliás, a oportunidade de reiterar nestas colunas, na sequência da sua mais recente prestação como colunista político do Jornal de Angola.
Os destinatários das observações que dou à estampa nesta edição da minha coluna são, exclusivamente, os membros do Júri do Prémio Maboque, contra quem, igualmente, nada tenho de pessoal a apontar.
Dou-me com a maior parte deles com quem até tenho relações bastante cordiais e amistosas.
O território da nossa, eventual, discordância será assim e apenas o da apreciação da sua mais recente deliberação à luz do regulamento do galardão em vigor desde 30 de Novembro de 2007.
Por razões que se prendem com a possibilidade de ser mal entendido ou interpretado tenho evitado até ao momento fazer qualquer tipo de pronunciamento em relação às decisões dos diferentes júris, que têm atribuído prémios de qualidade (?!) aos jornalistas neste país.
O meu silêncio não significa, obviamente, concordância com o que se tem estado a passar neste domínio, com algumas das premiações já verificadas a afectarem de forma particularmente grave alguns dos meus valores jornalísticos de referência.
Sendo, contudo, o território da apreciação do produto jornalístico carregado de bastante subjectividade, qualquer discussão neste âmbito pode revelar-se improdutiva para além de correr o risco de se eternizar.
Como normalmente prémios do género não contemplam instâncias de recurso, pouco adiantará alimentar polémicas em relação a esta ou aquela decisão.
A ausência de recurso pode, contudo, não ser a melhor garantia para a estabilidade e a credibilidade que se recomendam, pois há sempre que admitir, em tese, a ocorrência de situações mais graves no desempenho dos próprios jurados que podem chocar abertamente com o que é essencial neste tipo de disputa.
É o que acontece quando em causa está a própria aplicação dos critérios definidos nos respectivos regulamentos, sendo este, lamentavelmente, o caso que me traz a estas colunas.
Considero que com a atribuição este ano do Prémio Maboque de Jornalismo a João Melo, o seu corpo de jurado violou de forma ostensiva o principal critério que está na base da atribuição do mais cobiçado galardão para todos quantos em Angola fazem do jornalismo a sua profissão.
No seu artigo 1º (Definições), o Regulamento da edição 2008 do Prémio Maboque de Jornalismo define jornalista como sendo “um individuo que faz do jornalismo a sua ocupação principal, permanente e remunerada e que seja portador da respectiva carteira profissional ou título provisório devidamente actualizados”.
Esta definição foi inspirada no único documento legal existente no nosso ordenamento jurídico que define a condição de jornalista e que é o Decreto nº56/97 que aprovou o Estatuto do Jornalista.
O Estatuto em causa considera que o exercício do jornalismo é incompatível com o desempenho de a) funções de angariador de publicidade; b) funções em agências de publicidade ou serviços de relações públicas; c) serviço militar e policial; d)funções de membro dos órgãos de soberania do Estado e de direcção dos Partidos Políticos.
Se ainda restarem algumas dúvidas em relação à interpretação destas disposições, não me parece que haja qualquer outra em relação a condição de político profissional que João Melo enverga há mais de 15 anos desde que foi eleito para o Parlamento pela bancada do MPLA.
Por todas estas razões estou convencido que João Melo não preenche a condição mínima para receber o Prémio Maboque de Jornalismo, de acordo com o que estipula o seu Regulamento.
Como é evidente, JM não tem culpa nenhuma de ter sido indicado pelo Júri Maboque para receber o prémio, que também poderia ter recusado caso assim decidisse, pois não é a primeira vez na história dos prémios que alguém se recusa pura e simplesmente a recebê-los.
Entre nós os casos de Manuel Rui e Luandino Vieira são apenas dois dos mais conhecidos. Indirectamente, é claro que estamos a sugerir que esta deveria ter sido a opção de JM, com a qual se corrigiria uma tão equivocada decisão do Júri.
Alguém me disse, em jeito de contra-argumentação, que JM, para além da coluna política que alimenta no Jornal de Angola ainda é editor e colaborador de uma revista informativa, a “Africa 21”.
Espero que o meu interlocutor não quis insinuar que por estar à frente deste novel projecto, que é ainda desconhecido do grande público angolano, JM teria condições mais do que suficientes para merecer as simpatias do Júri.
Definitivamente ser colunista ou DG de uma publicação não nos confere automaticamente a condição profissional de jornalista, o que não tem nada a ver, nem põe em causa a grande formação e experiência jornalísticas do laureado que é também altamente versado em matérias ligadas ao marketing e à publicidade.
O que está aqui em causa nesta nota dissonante é tão-somente a definição de jornalista, como condição essencial para a atribuição do Prémio Maboque de Jornalismo.
O que está em causa é o erro de palmatória cometido pelo Júri do Prémio ao conferir a JM a condição profissional de jornalista que ele nesta altura não tem, nem pode ter por razões demasiado óbvias, a não ser que neste país se possa ser tudo e fazer tudo e mais alguma coisa, em simultâneo ou em regime de acumulação, como já acontece, de algum modo, na vida política, ao ponto do próprio Presidente JES já ter alertado muito recentemente os seus pares para a existência de situações de promiscuidade ao nível da governação.
Sendo territórios vizinhos, o jornalismo e a política têm, contudo, fronteiras e códigos próprios que temos de saber preservar e aprofundar em nome da sempre recomendável independência dos diferentes poderes e protagonistas que se movimentam na nossa sociedade. A lógica jornalística é completamente distinta da lógica política.
Sem ter necessidade de mentir, um político pode bem manipular a realidade ou a verdade dos factos em nome ou em defesa da sua causa.
Um jornalista não pode nem deve optar por um tal caminho, porque a sua causa é servir a sociedade no seu conjunto oferecendo-lhe informação rigorosa e de qualidade, o que não é possível fazer se a nossa primeira bíblia forem os estatutos do partido que temos no coração. Por estas e várias outras razões, as duas lógicas, se levarmos o jornalismo mais a sério, mantendo toda a nossa consideração pela política, são incompatíveis.
Na sua origem, segundo ainda me lembro, o Prémio Maboque, idealizado pelo malogrado e saudoso Sílvio Peixoto (o das Crónicas Indigestas), surgiu para distinguir e estimular quem está no jornalismo de preferência as 24 horas de cada um dos 365 dias que o ano comum possuiu.
Não é possível, obviamente, bater este recorde, mas é para lá que devemos orientar a nossa intervenção.
Por não haver propriamente um concurso, o Prémio Maboque olha para o desempenho de todos os profissionais que estão realmente no activo sem outras “coberturas”, nem outros “projectos”, sendo sem dúvida o critério da permanência e da continuidade, com a necessária visibilidade (off course), aquele que deveria ser tido como a grande base objectiva para outras avaliações mais qualitativas.