sexta-feira, 24 de outubro de 2008

A liberdade de opinião é válida contra qualquer tipo de censura prévia

1-O comboio da democracia funciona com muitos combustíveis, não sendo aconselhável que o chefe da locomotiva prescinda de algum deles, mesmo que aparentemente a máquina não se ressinta. Um destes combustíveis é a liberdade de expressão que poderíamos aqui subdividir em liberdade de opinião, de crítica, de análise e de debate. A liberdade de expressão só ganha a necessária visibilidade social por intermédio de uma outra liberdade que é a liberdade de imprensa que por sua vez depende muito das liberdades de impressão e de emissão. Pouco adiantará um país ter na sua constituição consagrada a liberdade de imprensa como um direito fundamental dos cidadãos, se não existirem gráficas ou se estas só poderem ser utilizadas por determinados clientes ou ainda se os preços das mesmas forem proibitivos por serem demasiado elevados. Pouco adiantará a existência desta liberdade se depois a legislação ordinária restringir demasiado o acesso às licenças para o exercício das actividades de radiodifusão e de radiotelevisão, que é, por exemplo, o que ainda acontece em Angola, apesar de todos os inconstitucionais monopólios anteriores já terem sido levantados. No caso concreto da ausência de liberdade de expressão, diremos que não há, nem pode haver democracias amordaçadas. É uma figura incompatível com ela mesma. Não existe. Não tem qualquer coerência. Se nos faltar este combustível, o comboio da democracia entra em rota de colisão com o estado que se diz democrático e começam os problemas, com os cidadãos a reclamarem por falta de espaço, os governos a queixarem-se por haver exageros e as instituições internacionais a colocarem-nos nas suas listas negras de onde dificilmente sairemos. Antes de mais é bom que fique claro que o resultado eleitoral que conferiu a maioria qualificada ao MPLA, também resultou do compromisso que o eterno partido da situação assumiu com todas as liberdades quer no seu programa de governo, quer no seu manifesto eleitoral. Um destes compromissos é “continuar a criar condições para que a imprensa seja cada vez mais forte, plural, isenta, independente e responsável dando expressão à realidade multicultural do País e contribuindo para a unidade da Nação”.
2-Os últimos dias voltaram a ser preenchidos por informações menos positivas em relação ao desempenho da liberdade de opinião na comunicação social pública, embora também haja a registar, em menor grau, situações igualmente lamentáveis ao nível da outra comunicação social. Ao nível da privada gostaria de referir aqui o comportamento absolutamente lamentável e inaceitável dos editores do jornal do meio-dia da Rádio Ecclésia da passada quinta-feira (23/10) pelo tratamento dispensado à opinião do meu sócio e sósia, o RS. Após lhe ter sido solicitado e gravado um comentário sobre o mais recente relatório da organização Repórteres Sem Fronteiras, que volta a colocar Angola nos lugares do fundo (116) em matéria de liberdade de imprensa, qual não foi o seu espanto ao constatar que o mesmo havia sido reduzido (editado) a uns miseráveis 30 segundos. Em abono da verdade nem sequer houve comentário, pois as “feras de serviço” não permitiram que o mesmo acontecesse ao reduzirem as suas observações ao mínimo possível, o que apenas lhe permitiu fazer algumas considerações preliminares, sem entrar propriamente no mérito da causa para que havia sido convidado a pronunciar-se. Independentemente das justificações que possam ser dadas, como a falta de tempo ou a transmissão na integra das suas declarações noutro noticiário, para além da grande falta de respeito demonstrada pelos “inspectores de piquete”, houve, com tal redução, um claro atentado à liberdade de opinião do nosso sócio e sósia, com consequências graves para a sua própria consistência e reputação. Quem o ouviu naquele dia e naquele noticiário ficou sem perceber rigorosamente nada do assunto anunciado, que tinha a ver com a sua opinião sobre o estado da liberdade de imprensa em Angola, à luz da classificação dada ao nosso país pelos Repórteres Sem Fronteiras no seu último relatório sobre a situação da imprensa a nível mundial. E não percebeu, porque ele nada disse, apesar de ter dito tudo e mais alguma coisa na hora em que, por telefone, foi feita a gravação do seu comentário. Com tais observações críticas que são pontuais e apenas dirigidas ao comportamento dos responsáveis do já referido noticiário, não estamos a questionar a orientação editorial da Emissora da CEAST, embora ela seja muito questionável em matérias que choquem com a ideologia católica. Aqui está pois um exemplo de que os incidentes com a liberdade de opinião não são apenas exclusivos da média estatal, embora também se sinta que em relação a esta última, eles resultem, na maior parte das vezes, do já habitual e barbudo excesso de zelo dos seus gestores mais directos a pôr em causa os fundamentos do próprio discurso oficial. Como em todo o lado, também em Angola há mais papistas que o Papa. São, entretanto, estes papistas (eles estão em todo o lado, são uma verdadeira confraria) que decidem e fazem o país acontecer, pois são eles os responsáveis directos pela gestão corrente da máquina. Percebem-se algumas razões que justificam este excesso de zelo, sendo a principal a chamada “protecção do tacho”, num país onde a intriga palaciana continua a fazer das suas. Esta intriga alimenta-se, exactamente, dos chamados “lapsos” cometidos em nome do respeito pelos direitos fundamentais, como é a liberdade de opinião contra qualquer tipo de censura. O directo parece ser para já a única solução para protegermos o nosso direito à liberdade de opinião contra todas as investidas de cima, do meio e de baixo. De editores, de directores e de ministros, para não avançarmos mais na hierarquia. Sabe-se, entretanto, que mesmo em directo alguns comentaristas já foram mandados para o olho da rua em plena função, enquanto outros foram questionados sobre as razões das suas observações com a já recorrente expressão: “Estes gajos falam a toa!”. Isto é Angola, onde, definitivamente, só mesmo o silêncio se apresenta como sendo a única protecção, à prova de bala, que temos para proteger o nosso sagrado e constitucional direito à liberdade de opinião.