1-A oposição com as nossas atenções voltadas, antes de mais, para o desempenho da UNITA, já aqui o escrevémos, não esteve bem no decorrer das recentes eleições legislativas, mas por melhor que estivesse também não teria muitas hipóteses de fazer frente ao MPLA.
O desastre que se veio a verificar posteriormente é que também não estava nos planos, mesmo dos mais pessimistas, a reflectir um desempenho que, em matéria de decepções, ultrapassou alguns limites mais críticos, ao ponto de nos termos aproximado demasiado do “fim da picada”.
Como explicação para este desfecho, claramente, já não é suficiente a conjuntura que foi de facto ao longo de todo este processo a grande adversária da Oposição.
Talvez, sem ofensa para ninguém, devêssemos também recorrer ao Principio de Peter, que tem a ver com o papel da incompetência na sociedade e nas organizações. Fomos todos testemunhas da preparação e implementação de uma devastadora ofensiva do maioritário que soube combinar de forma particularmente eficaz e mortífera os três ramos das suas “forças armadas”, diante de um “inimigo” que se veio a revelar muito menos perigoso do que o seu potencial inicial fazia supor.
E qual era esse potencial?
Era, sobretudo, o descontentamento, a insatisfação e a frustração popular, diante dos modestos resultados sociais da governação e das gritantes assimetrias e injustiças na distribuição do rendimento nacional.
Estes sentimentos, em tese, seriam facilmente capitalizados como a grande arma de arremesso contra o MPLA, apontada para um resultado muito mais equilibrado, que a certa altura foi tido como possível, quando ainda se admitia a possibilidade de se retirar a maioria absoluta de 92 aos “camaradas”.
Uma arma cuja utilização não implicaria grandes custos o que, em principio, deveria compensar, minimamente, as diferenças abismais que marcaram, desde o início, as capacidades financeiras das duas máquinas político-partidárias, com uma distância de várias centenas de quilómetros medidas em milhões de dólares.
Este elemento espontâneo fez com que alguns círculos da oposição acreditassem na repetição entre nós do milagre cristão da repartição do pão, do peixe e do vinho baseado numa certa lógica política que, normalmente, penaliza quem governa, com os resultados sociais semelhantes aos que se verificam em Angola.
2-Os estrategas da oposição esqueceram-se, provavelmente, que Angola é um país saído de um recente conflito, com algumas contas políticas de peso ainda por acertar entre os dois antigos beligerantes, sem praticamente nenhuma experiência eleitoral e onde a propaganda ainda decide muita coisa, mesmo que seja em cima da hora.
Enquanto se descontam todos os factores estranhos ao que foi realmente a vontade do eleitorado angolano, que, pelos vistos, ainda não estão totalmente contabilizados, e se fazem todas as leituras possíveis dos votos nulos, brancos e da abstenção propriamente dita, há de facto a lamentar que o desempenho da UNITA tenha conhecido níveis tão pouco consentâneos, até com o seu próprio potencial humano.
Estamos a falar da grande família do Galo Negro, cujos membros, de acordo com algumas estimativas oficiais anteriores à realização do pleito, deveriam rondar o milhão e meio de almas vivas e adultas.
Para quem só conseguiu cerca de 700 mil votos está tudo mais ou menos dito em matéria de competências, embora o “laboratório” angolano tenha características muito especiais, como resultado da recente história do país.
Compreendemos (parcialmente) as dificuldades de uma conjuntura política que após o 22 de Fevereiro de 2002, com o calar das armas, passou a ser completamente desfavorável a UNITA.
O Galo Negro foi de facto incapaz de se reorganizar ao nível das comunidades quer urbanas, quer rurais. Esta incapacidade teve razões objectivas, mas também terá tido outras que resultaram de alguns equívocos estratégicos assumidos por um partido que deveria estar muito melhor preparado para o jogo eleitoral, por ter sido aquele que mais se bateu pela realização urgente das eleições.
3-A UNITA, em termos organizativos, parece ter deixado de existir tanto na Angola profunda, como no país real (das grandes cidades), tendo ficado apenas no ar a chama do voto étnico, enquanto o MPLA no terreno de todas as “tribos” ia erguendo, “step by step”, a sua máquina partidária com o lançamento das mais diferentes iniciativas em várias direcções.
A mobilização das autoridades tradicionais e o lançamento de várias organizações sociais de carácter filantrópico e humanitário, foram apenas alguns dos passos dados pelos “camaradas” na sua preparação para o pleito que acabam de vencer de forma tão retumbante.
Num esforço para fazer uma leitura o mais aproximada possível do que é fazer política num país real chamado Angola, é evidente que o MPLA fez tudo e mais alguma coisa que esteve ao seu alcance, com a utilização de todos os recursos, dos mais convencionais aos menos ortodoxos, para não dar a mínima chance aos seus adversários.
Claramente parece ter, contudo, exagerado na “dose dos antibióticos” que injectou num sistema, que, note-se, do ponto de vista da projectada e tão elogiada solução tecnológica entrou completamente em falência no dia da votação com a ausência dos propalados cadernos eleitorais. Sobrou o dedo marcado a tinta indelével que por si só pode não ter sido garantia suficiente para se garantir a unicidade do voto. Em 92, recorde-se, ainda se utilizou a furação do cartão do eleitor, como mecanismo complemetar.
Chegou-se mesmo a recear pela morte do paciente, como resultado de uma "cura" tão radical.
Depois de todo o barulho feito à volta das eleições, a Oposição e muito particularmente a UNITA, tinham de saber que as coisas não iam ser fáceis, diante de um adversário com a experiência e a matreirice do MPLA.
Um adversário que tinha na sua agenda todas as opções e mais algumas, menos a derrota nas eleições, depois de ter ficado particularmente assustado com os acontecimentos do Zimbabwe que terão, certamente, ajudado a reforçar e a refinar as suas estratégias de combate.
Por mais que tentemos compreender as dificuldades enfrentadas pela Oposição em todo o processo preparatório das eleições, fica, por exemplo, difícil entender que no seu último reduto, que era o da fiscalização no dia da votação, a UNITA muito particularmente tenha exibido tantas falhas e debilidades.
Como se sabe a UNITA chegou ao ponto de não ter conseguido apresentar, como prova de eventuais irregularidades, uma única reclamação dos seus delegados de lista junto das assembleias de voto. Pelo que consta em cerca de 7 mil mesas de voto a UNITA não conseguiu ter presentes os seus delegados.
O mesmo silêncio se verificou com os seus representantes na Comissão Nacional Eleitoral dos quais nunca se ouviu um único pronunciamento público durante a fase da campanha eleitoral e muito menos no decorrer das operações de apuramento.
É muita ausência e muito silêncio para quem tinha tantas responsabilidades e agora está reduzida, ironia do destino, à condição de mais um “partideco”, como diria Jonas Savimbi se fosse vivo.