1-Angola prepara-se para ver nascer a 3ª República dentro de mais alguns dias, quando o parlamento resultante das legislativas de 5 de Setembro de 2008 tomar posse, retirando definitivamente da cena política a actual legislatura que se preparava para completar 16 anos de vigência. Provavelmente, o mais prolongado mandato constitucional que um parlamento já conheceu na história universal das democracias parlamentares.
Isto, se Angola for aceite pelos historiadores como membro de pleno direito dessa instituição virtual (das democracias parlamentares) que estamos aqui a criar apenas para efeitos de análise.
Em princípio assim será, porque as eleições de 1992 foram aceites pela comunidade internacional como tendo sido de uma forma geral livres e justas de acordo com o veredicto de Madame Anstee.
Faltou o transparente no pronunciamento da diplomata britânica que esteve por aqui a representar o mundo no primeiro teste (mal sucedido) de admissão que Angola fez para ser aceite na comunidade internacional como um “país normal”, após 16 anos de guerra civil e regime monopartidário.
Na altura, recorde-se, os EUA ainda não tinham reconhecido Angola o que só viria a acontecer em 1993, após o fracasso da ronda de Abidjan, com a assinatura de Bil Clinton.
O que se passou depois com o devastador conflito pós-eleitoral que se prolongou até 2002, também foi aceite pela comunidade internacional como razão suficientemente impeditiva para não se realizarem eleições novamente em Angola.
Foi assim conferida a necessária legitimidade (ou legalidade?) ao actual parlamento para continuar em funções ao abrigo do artigo 81 da Lei Constitucional, segundo o qual “o mandato dos Deputados inicia-se com a primeira sessão da Assembleia Nacional após as eleições e cessa com a primeira sessão após as eleições subsequentes, sem prejuízo de suspensão ou de cessação individual do mandato”.
2-Por razões óbvias, a terceira República vai fazer renascer na mente dos mais cépticos (ou frustrados se quiserem, que ainda são mais do que muitos) com bastante força, o fantasma da primeira República que era Popular, trazendo de volta com toda a legitimidade que acaba de ser conferida pelas urnas, o conceito da “ditadura democrática”. Originalmente o conceito praticado nos primeiros anos da Dipanda era o da “ditadura democrática revolucionária”.
Tendo o MPLA deixado cair há já bastante tempo o seu marxista “PT”, não haverá em principio que recear por mais alguma revolução em solo angolano, embora o “PRESILD” tenha voltado a assustar alguns observadores.
Os “camaradas” há muito que já se converteram às delícias do capitalismo liberal (ou selvagem?) e da propriedade privada, o que é facilmente verificável e contabilizável no seu actual modo de vida, embora também aqui se levantem algumas dúvidas em relação à consistência do modelo, tendo como referência os princípios mais sagrados da própria economia de mercado.
Nesta altura e com a utilização de capitais públicos até já estão a actuar em praças financeiras além-mar, exportando toda a pujança do suis generis capitalismo local, nomeadamente, para terras portuguesas, diante de alguma apreensão dos seus anfitriões que têm vindo a reagir a este “segundo regresso das caravelas” de forma algo desorientada e contraditória.
Mas o que nos interessa esta semana, é mesmo falar da terceira República e muito particularmente do prosseguimento do processo democrático que agora vai apenas ter como garantias a palavra e as promessas dos vencedores e os limites da revisão constitucional estabelecidos no actual texto da Lei Constitucional.
3-Mesmo com a sua maioria super qualificada, o “esmagador” MPLA não deve nem pode, em princípio e à falta de um melhor entendimento, fazer aprovar uma nova constituição à revelia de seis princípios fundamentais.
São eles: 1) a independência, integridade territorial e unidade nacional; 2) os direitos e liberdades fundamentais e as garantias dos cidadãos; 3) o Estado de direito e a democracia pluripartidária; 4) o sufrágio universal, directo secreto e periódico na designação dos titulares electivos dos órgãos de soberania e do poder local; 5) a laicidade do Estado e o principio da separação entre o Estado e as igrejas; 6) a separação e interdependência dos órgãos de soberania e a independência dos Tribunais.
Este “pacote” é para já a única garantia concreta que todos temos, os que acreditam e os que não acreditam nas boas intenções do maioritário, de vermos Angola prosseguir nos trilhos da democratização, mesmo que seja só para inglês ver.
A outra garantia é a existência do Tribunal Constitucional que tem competência para analisar todos os actos, praticados sejam por quem for, que, eventualmente, possam pôr em causa os limites da alteração da constituição atrás referidos.
A alçada do TC estende-se a outras manifestações menos pacíficas que possam ferir letras e espíritos assentes em diplomas fundamentais do direito internacional que Angola já subscreveu.
É pois com estas garantias mínimas, que são manifestamente insuficientes, sobretudo para os que não acreditam em boas intenções, sejam de quem for, que nos preparamos para entrar na terceira República.
Já aqui o dissémos que nas condições concretas de Angola, governar é uma coisa, democratizar é outra, pelo que as duas tarefas terão de marchar em paralelo e em sintonia, tendo em conta o passado do país.
É fundamental que a consciência de quem governa (ou comanda a governação) esteja atenta permanentemente ao estado da nação e ao desempenho qualitativo das suas instituições no relacionamento com os cidadãos e com todos os interesses em presença no vastíssimo quadro da nossa geografia que continua demasiado refém do que se faz e se decide em Luanda.
4-O grande teste da democratização será a aprovação da primeira Constituição para Angola.
Depois de ter aprovado todos os textos constitucionais que já figuraram no nosso ordenamento jurídico desde 1975, o MPLA volta a estar sozinho em pleno regime democrático, desta feita por ausência de qualquer oposição, com a grande responsabilidade de fazer aprovar uma constituição que nos dignifique a todos.
Do que “sobrou”, como divergência de peso da fracassada constituinte da segunda República, quando a oposição ainda tinha alguma capacidade de negociação, está claro que o grande desafio do MPLA é desenhar um sistema de governação assente num modelo democrático já testado internacionalmente e não tentar “descobrir” novamente uma solução angolana apenas para resolver problemas de conjuntura.
Os homens passam, os países ficam.
Mais claramente do que isso talvez fosse necessário dizer que, praticamente, já não há nada para inventar em matéria de modelos constitucionais.
Ou é ou não é.
Agora tentar querer ser tudo e depois, na hora da prestação de contas, não ser nada é que não dá.
Não é, certamente, um modelo democrático.