1-Somos combatentes desde a primeira hora da abertura política deste país por soluções de consenso, com base em resultados eleitorais mais equilibrados, como sendo a principal garantia de sustentabilidade do próprio processo de democratização.
Como não acreditamos que possa haver a recomendável liberdade de imprensa apenas com uma rádio nacional, uma televisão pública (com um ou vários canais) e um oficioso jornal diário (com vários derivados), também não acreditamos que um partido, por si só, por mais democrático que ele seja (não é certamente o nosso caso), possa sozinho democratizar o país, sem ter que negociar minimamente com as restantes forças políticas.
Com os resultados de 5 e 6 de Setembro está claramente projectado no horizonte imediato mais um impasse no processo de democratização propriamente dito. Já lá chegaremos.
A novidade deste segundo impasse é que ele tem um tempo de duração limitado pelos quatro anos da nova legislatura.
No caso de Angola e tendo em conta sua história oficial de pouco mais de cinquenta anos de atribulada existência, a maior parte dos quais vividos em situação de guerra aberta com os seus adversários, o MPLA que vai reinar ainda mais sozinho na nova legislatura, está muito longe, por razões óbvias, de ser um partido com sólidas tradições democráticas.
Diremos mesmo que só a partir de agora com a realização de eleições regulares no âmbito do novo ciclo político que acaba de ser inaugurado, é que o MPLA vai sentir, mais intramuros, a necessidade da sua democratização interna com os seus reflexos a transbordar, necessariamente, para a sociedade. Esta evolução, note-se, não é automática.
O seu líder já reconheceu que as eleições vão alterar a forma de se fazer política em Angola, o que para nós significa dizer que, até agora, a política era feita sem o impacto da pressão efectiva da opinião pública, que, como se sabe, nas democracias mais consolidadas é o principal barómetro da vida política.
Nas declarações que prestou à TPA momentos após ter votado com cerca de duas horas de atraso, José Eduardo dos Santos destacou o início de um novo ciclo político.
“Penso que iniciamos também uma nova maneira de fazer política e de conseguir certos objectivos em que há competição na base do respeito e da liberdade”- apontou JES.
Entre nós o fenómeno opinião pública já tem a sua expressão, porque até já temos uma sociedade civil que tem vindo progressivamente a ocupar o espaço a que tem direito na vida política, sobretudo através da sua presença nos médias estatais e privados.
O problema é que antes das eleições os “cães podiam ladrar” sem que nada acontecesse à caravana.
Agora, a caravana já não vai mais poder passar, sem ouvir bem o que os “cães” estão a dizer com os seus latidos insistentes.
Um dos problemas mais sérios e complexos que Angola enfrenta, já aqui o dissémos, é a sua democratização estrutural, 16 anos depois de estarmos a viver em democracia formal, com todos os grandes e pequenos défices que se conhecem.
Os escolhos ainda são mais do que muitos estando bem patentes nas ambiguidades e nas “truculências” do actual texto constitucional que o Presidente da República já se comprometeu em “modernizar”.
Restará agora saber, na sequência dos resultados das legislativas que se conhecem, qual é de facto e de jure o seu conceito de modernidade aplicado à revisão constitucional que se avizinha.
2-A democracia seja ela mais representativa ou mais participativa tem na realização de eleições periódicas a sua grande baliza, mas não se esgota no acto em si.
Quando os eleitores votam, em princípio, fazem opções, alimentam expectativas, transferindo para o partido ou o candidato da sua escolha o único poder que possuem (?) de verem os seus problemas resolvidos nos próximos quatro ou cinco anos.
Tendo em conta a proximidade do fim do devastador conflito militar, pensamos que nestas eleições, a lógica prevalecente ainda não foi a da razão sobre a emoção, o que também foi consequência da preponderância excessiva da propaganda sobre o debate, da agitação sobre a informação.
Acreditamos que uma campanha eleitoral que tivesse outras “normas” que não aquelas que “asfixiaram” a nossa, teria certamente outros resultados.
Refira-se, entretanto, que mesmo em condições normais (sem guerras recentes) em muito processos eleitorais por este mundo, a emoção continua a ditar as suas regras com mais força do que a razão, isto sem falar da utilização de outros mecanismos de condicionamento e de coerção sobre o eleitorado.
Em Angola o pleito eleitoral em que participamos pode, por outro lado, ter sido o último acerto de contas entre os dois antigos beligerantes da guerra civil. Agora já não há mais dúvidas em relação ao lugar dos diferentes protagonistas na cena angolana após mais de três décadas de conflito.
Pelo menos durante os próximos quatro ou cinco anos.
Aguarda-se pela divulgação dos resultados finais da votação para se conseguirem fazer as contas definitivas da abstenção que pode ter ultrapassado os dois milhões de eleitores para um universo de 8 milhões e 250 mil.
Pensamos é que uma taxa demasiado elevada para um país que não ia a votos há mais de 15 anos a sugerir outras leituras menos clássicas do fenómeno eleitoral. Será, possivelmente, a última consolação que restará a oposição.
Em grande medida o debate (que não aconteceu propriamente) foi dominado pela mensagem do quem destruiu durante a guerra e do quem está a construir em tempo de paz, com todos os resultados que foram sendo exibidos no decorrer da campanha.
Claramente aos olhos da população, a UNITA foi “triturada” neste debate, como aliás era previsível.
A maratona das inaugurações presidenciais de obras públicas, com a monumental cobertura mediática que foi objecto, acabou por ser decisiva, como o próprio MPLA acabou por reconhecer na sua declaração de vitória.
Trata-se de uma actividade que em tempo de campanha eleitoral não é permitida noutras paragens onde a democracia e as eleições já fazem morada há muito mais tempo.