As recentes demolições de
casas de cidadãos que habitam em zonas problemáticas (ou muito cobiçadas?) da
nossa cidade e o seu “realojamento” forçado estão neste momento a ser
capitaneadas por dois rostos femininos.
As referências desta
actuação são os lamentáveis espectáculos que estão a ocorrer na Kinanga e nos
últimos dias na Ilha do Cabo. São apenas os mais recentes de uma já longa
história de atropelos e violências protagonizados pela administração contra os
cidadãos mais pobres desta acolhedora urbe.
Na primeira linha do
chocante confronto está a Administradora Municipal da Ingombota, Suzana de
Melo, estando na sua retaguarda, a Governadora Francisca do Espírito Santo, que
para já tem evitado “sujar” as suas mãos, o que de forma alguma lhe retira a
responsabilidade política e moral pelo que se está a passar.
Depois de termos ouvido
os choros e os gritos lancinantes da população da Kinanga, e ainda não refeitos
do choque, fomos esta semana confrontados com os episódios ainda mais violentos
e confrangedores da Ilha do Cabo, onde o implacável e desumano camartelo da
administração, aproveitando a boleia das calemas, voltou a atacar com
consequências ainda mais desastrosas e dramáticas, a ter em conta o número de
famílias afectadas.
É caso, de facto, para se
falar da força demolidora do género, com alguma propriedade e perplexidade,
diante deste aparente paradoxo.
É (ou já era?) ponto mais
ou menos assente que na política as mulheres têm muito mais sensibilidade do
que os homens quando se trata de gerir problemáticas sociais sensíveis, particularmente
aquelas que envolvam o respeito pelos universais direitos fundamentais do homem,
que o Papá Bento XVI tanto falou em Luanda o mês passado. Pelos vistos e mesmo
as do Papa, as palavras são mesmo para o vento as levar.
Claramente o que está em
causa nestas e nas anteriores demolições, são, efectivamente, gravíssimas
violações dos direitos humanos que nenhuma consciência sã pode ignorar ou
tentar subestimar em nome de outras conveniências, de outros interesses, de
outras ganâncias.
No seu comovente “Bairro
Indígena”, Santocas cantou a destruição, nos finais dos anos 60 pelo opressivo
governo colonial, daquela comunidade localizada na zona onde foi construída a
Cidadela Desportiva de Luanda.
O realojamento da malta
do antigo Bairro Indígena foi feita no Cassequel do Buraco em condições que são
de facto um verdadeiro luxo quando comparadas com aquelas que estão a ser
“oferecidas” às populações que nos últimos tempos estão a ser literalmente varridas
pelo camartelo do Governo do MPLA.
De certeza que Santocas,
um conhecido militante do maioritário, caso aceitasse o desafio, faria uma
música um milhão de vezes muito mais comovente, se voltasse a cantar inspirado
nas novas histórias das demolições e dos “realojamentos” que diariamente vão
preenchendo os noticiários das estações privadas. As outras, as públicas,
quando se referem (são forçadas) ao assunto fazem-no em termos quase
institucionais, como autênticos porta-vozes do Governo demolidor, que é o que
na prática são.
É nestas alturas que nos
envergonhamos de termos escolhido o jornalismo como profissão e de estarmos
todos metidos no mesmo saco.
Esta semana os relatos de
alguns representantes das comunidades que viviam na Ilha do Cabo e que foram
transferidas a toque de caixa para o deserto do Zango em camiões da Zagope,
deixaram-nos ainda mais estarrecidos e perturbados na nossa sensibilidade
humana, tendo em conta o conhecimento que todos temos, dos capítulos mais
brutais da história contemporânea quando o homem se revelou o maior carrasco da
sua própria espécie.
Mesmo tentando
relativizar a comparação dos factos, acabamos por, na essência, não ver grandes
diferenças entre o que se esta a passar na Ilha do Cabo (Bairro do Benfica) e
os tais capítulos históricos mais brutais atrás referidos.
A essência é o respeito
pela dignidade da pessoa humana e a protecção dos seus direitos fundamentais.
A essência é a defesa da
vida contra a morte provocada.
Transferir centenas de
famílias com crianças de tenra idade pelo meio para uma zona desértica sem
qualquer tipo de infraestrutura social é um desterro da pior espécie com que a
nossa sensibilidade não pode pactuar.
Aqui fica pois lavrado o
nosso veemente protesto em defesa do género humano a que todos pertencemos.
Publicado no Angolense/Abril-2009
Publicado no Angolense/Abril-2009