[É claramente pela negativa
que deveria responder directamente à questão que emerge da equação “A Imprensa Pública
Versus Privada: Responsabilidade perante os protagonistas Eleitorais”.
É o
tema que me foi proposto para abordar nesta Conferência sobre Ética, Imprensa e
Eleições organizada pelo Instituto de Desenvolvimento e Democracia (IDD), a
quem desde já quero agradecer o convite e elogiar a oportunidade da iniciativa
orientada para o debate de uma problemática que corre o risco de se transformar
em mais um intenso factor de conflito pré-eleitoral, que parece que é o que já
está a acontecer.]
Seria
pela negativa porque de jure,
considerando antes de mais que estamos num Estado de Direito, não há rigorosamente nada no nosso ordenamento
jurídico que estabeleça qualquer diferença substantiva em matéria de direitos,
deveres e responsabilidades entre a imprensa pública e a privada.
Muito menos existe esta
diferença no que diz respeito ao tratamento pela imprensa dos diferentes
agentes eleitorais, com destaque para os partidos políticos, que são aqueles
que mais nos interessam nesta abordagem.
Por
outras palavras diríamos que estamos diante de uma falsa questão, se a
realidade dos factos não nos desmentisse e aconselhasse a olhar para o nosso
país com outras cautelas, porque efectivamente Angola ainda não é o país onde o
de jure coincide com o de facto.
A
nova lei de imprensa aprovada exactamente há dois anos (2006) em nenhum momento
do seu articulado considera a existência de uma imprensa pública e de uma outra
privada.
A
lei apenas refere que todas as empresas e órgãos de comunicação social (sem
qualquer excepção) têm a responsabilidade social de assegurar o direito dos
cidadãos de informar, se informar e ser informado, nos termos do interesse
público.
No
âmbito da concretização deste interesse público a lei diz que a informação
jornalística tem a obrigação, nomeadamente, “de contribuir para a consolidação
da Nação Angolana, reforçar a unidade e identidade nacionais e preservar a
integridade territorial; informar o público com verdade, independência,
objectividade e isenção, sobre todos os acontecimentos nacionais e
internacionais, assegurando o direito dos cidadãos à informação correcta e
imparcial; assegurar a livre expressão da opinião pública e da sociedade civil;
promover a boa governação e a administração correcta da coisa pública e
contribuir para a elevação do nível sócio-económico e da consciência jurídica
da população.”
Apesar de não definir de
forma explícita a existência de dois tipos de imprensa, com responsabilidades
distintas, a lei reserva para um futuro imediato que, lamentavelmente, já
pertence ao passado, o surgimento de um serviço público de informação próprio a
ser assegurado pelo Estado com base num diploma específico a regulamentar a
matéria.
Este diploma regulador tarda
em ser aprovado tal como muitos outros previstos na actual lei de imprensa, que
são cerca de duas dezenas, ultrapassados que já foram todos os prazos para o
efeito.
Levantam-se neste quadro
outras questões de índole mais política, pelo menos até as próximas eleições,
relacionadas com a real vontade do Executivo em dar outra consistência mais
consistente, passe o pleonasmo que é propositado, à liberdade de imprensa em
Angola.
Consistência na vertente da
liberalização e do pluralismo mediático, mas também do compromisso do Estado em
garantir a própria liberdade de imprensa, considerando a sua grande
responsabilidade neste âmbito já que é o principal operador do sector onde
apenas circula um oficioso e solitário jornal diário, emite uma rádio nacional,
transmite uma única televisão pública e se movimenta uma agência noticiosa.
Este compromisso embora já
esteja plasmado na lei, de acordo com o que acabamos de ver no caso do conteúdo
que a mesma confere ao conceito de interesse público, seria, sem dúvidas melhor
defendido com a adopção do previsto diploma que viria consagrar a existência de
um serviço público de informação.
Seria em sede deste regulamento
que deveria ser submetido à consulta pública, que o Estado, através do Governo,
deveria assumir um conjunto de comprometimentos mais específicos no quadro da
gestão da comunicação social.
Quanto à mim, o mais
importante deles tem a ver com a necessidade de se estabelecerem mecanismos de
gestão e acompanhamento editorial que garantam efectivamente a qualidade de um
produto jornalístico democrático de acordo com as expectativas de toda a
sociedade.
Estes mecanismos passariam
pela definição de um modelo plural de administração com base em mandatos
definidos e com uma componente que ultrapassasse as simples preocupações de
gestão empresarial corrente.
Já há várias experiências,
por este mudo afora, deste tipo de modelo de gestão da comunicação social
pública, normalmente assente em Conselhos de Administração abrangentes do ponto
de vista da realidade política e social de cada país.
Para além da lei de imprensa,
podemos encontrar na lei que regula o exercício da actividade de radiodifusão
(Lei 9/92) uma referência mais específica à existência de um serviço público de
radiodifusão prestado pela Rádio Nacional de Angola.
A citada lei diz que compete
ao serviço público de radiodifusão contribuir para a promoção do progresso
social e cultural de consciencialização política, cívica e social dos angolanos
e do reforço da unidade e da identidade nacional.
Para a prossecução deste
objectivo geral, a lei recomenda que a RNA contribua para o esclarecimento, a
formação e participação cívica e política da população através de programas
onde o comentário, a crítica e o debate estimulem o confronto de ideias e
contribuam para a formação de opiniões conscientes e esclarecidas.
Deixando de lado a lei de
imprensa e da radiodifusão e passando para a legislação mais eleitoral
verificamos que também não há uma diferença na distribuição de
responsabilidades por entre a imprensa pública e privada no tratamento dos
agentes eleitorais.
Desde logo convém citar o
Código de Conduta Eleitoral que atribui aos órgãos de comunicação social o
mesmo estatuto de agente eleitoral que é conferido a todos quantos, directa ou
indirectamente, vão participar no processo desde os partidos políticos até ao cidadão
eleitor, passando pelos observadores, as forças da ordem pública, as entidades
religiosas, as autoridades tradicionais, etc., etc..
A todos estes agentes, o
Código de Conduta Eleitoral exige a observância de princípios como o respeito
pela diferença, liberdade de escolha, direito de reunião e manifestação,
legalidade, tranquilidade, imparcialidade, transparência, isenção, civismo e
responsabilidade.
Especificamente no que toca
aos órgãos de comunicação social, tendo em conta as exigências do Código, fazemos
nossas as preocupações manifestadas recentemente pelo Conselho Nacional de
Comunicação Social (CNCS) ao alertar as direcções editoriais e os jornalistas
para a necessidade de não se permitir que os espaços mediáticos sejam veículos
de propaganda indecorosa e de linguagem menos adequada que possam conduzir ou
incitar os cidadãos a cometerem actos de violência ou de intimidação.
De acordo com as mesmas
exigências, na cobertura do processo eleitoral para além da igualdade de
oportunidades que devem dispensar a todos os concorrentes, os órgãos da
comunicação social deverão actuar com rigor e profissionalismo, abstendo-se de
publicar resultados provisórios não oficiais.
Para além destes deveres, os
órgãos de comunicação social têm direito de acesso às fontes de dados
eleitorais, à protecção pelas forças da ordem pública e de serem respeitados
pelos candidatos, partidos políticos e demais agentes eleitorais.
Por seu lado a Lei Eleitoral
e já no âmbito da Campanha Eleitoral, que é um período específico de 30 dias
que precede o dia da votação, recomenda que os órgãos de comunicação social
públicos e privados e seus agentes devem agir com rigor e profissionalismo em
relação aos actos das campanhas eleitorais.
A este respeito a lei acrescenta que, com a excepção dos órgãos partidários, as publicações periódicas, informativas, públicas e privadas devem assegurar a igualdade de tratamento aos diversos concorrentes.
A este respeito a lei acrescenta que, com a excepção dos órgãos partidários, as publicações periódicas, informativas, públicas e privadas devem assegurar a igualdade de tratamento aos diversos concorrentes.
Até aqui e com base neste
levantamento do nosso “universo de jure” fica claro que são
idênticas as responsabilidades da comunicação social pública e privada em
relação aos protagonistas eleitorais.
É nosso entendimento que com base
nestes pressupostos legais não é permitida à imprensa pública e privada tomar
partido por nenhum dos concorrentes ou candidatos, com a excepção já
mencionada.
Será discutível aqui esta
interpretação se a matéria em apreciação forem os chamados artigos de opinião
devidamente assinados pelo seu autor, pois a Lei de Imprensa exime as direcções
dos órgãos de qualquer responsabilidade em relação ao seu conteúdo.
Não nos parece que nesta categoria possam ser incluídos os editoriais, que são sempre o espelho directo do pensamento da direcção do órgão que os publica.
Não nos parece que nesta categoria possam ser incluídos os editoriais, que são sempre o espelho directo do pensamento da direcção do órgão que os publica.
Escrevemos muito recentemente
que as eleições em todo o mundo são palco para muita coisa, para muitas
jogadas. Menos limpas ou mais sujas. Veja-se o duelo Clinton/Obama no
território do campeão da democracia.
Angola não será, certamente, a excepção.
Não o foi em 1992, não o será agora.
O que se recomenda para o “paciente angolano” é que, tendo em conta o seu estado de recuperação, se observem algumas cautelas na administração das inevitáveis doses de propaganda e desinformação e não se ultrapassem alguns limites mais críticos que podem pôr em causa a própria coesão nacional.
Angola não será, certamente, a excepção.
Não o foi em 1992, não o será agora.
O que se recomenda para o “paciente angolano” é que, tendo em conta o seu estado de recuperação, se observem algumas cautelas na administração das inevitáveis doses de propaganda e desinformação e não se ultrapassem alguns limites mais críticos que podem pôr em causa a própria coesão nacional.
Toda a liberdade de imprensa
de que já desfrutamos não nos pode fazer esquecer que as eleições são antes de
mais um período para os partidos e os candidatos discutirem e apresentarem as
suas propostas de como fazer um país melhor.
Este é o grande objectivo de
qualquer processo eleitoral que os jornalistas não devem nem podem ignorar, até
porque os eleitores querem de facto saber como os problemas existentes vão ser
resolvidos para votarem na proposta que acharem mais exequível.
Temos vindo a advogar uma
campanha pela positiva, com a discussão de projectos e de soluções para os
graves problemas sociais e estruturais que o país enfrenta.
Uma campanha que sem esquecer o passado não faça dele a pedra de toque.
Uma campanha que sem esquecer o passado não faça dele a pedra de toque.
No seu mais recente
diagnóstico sobre a situação nacional o Observatório Político e Social de
Angola (OPSA) considera que o debate político através de debates e de mesas redondas nos “media”
públicos e privados tem seguido um padrão
de qualidade bastante irregular observando-se momentos
de real abertura e excelência alternados com momentos
de manipulação e exclusão.
Estamos perfeitamente de acordo com este
Observatório sobre a necessidade de se emprestar uma maior regularidade a este tipo de debate, considerando a sua importância para contribuir para uma cultura democrática e para aumentar a consciência pública sobre os vários dilemas que se
colocam à nossa sociedade.
Longe de esgotarmos o assunto, terminaremos
a nossa contribuição para este debate salientando que o jornalismo só tem um
manual que já é universal com todas as resistências e constrangimentos que se
conhecem e que se observam facilmente em Angola no desempenho quer dos meios
públicos, quer dos meios privados.
Considero que apesar da existência de
diferenças no tratamento que uns e outros conferem aos protagonistas eleitorais
e que já são visíveis na gestão dos espaços da mídia estatal, não nos podemos
esquecer que para tal também muito tem contribuído a inércia e o clima de
conflito interno que caracteriza a vida de alguns dos principais partidos da oposição.
*Texto da palestra apresentada em Maio de 2008 na Conferência sobre Ética, Imprensa e Eleições
organizada pelo Instituto de Desenvolvimento e Democracia (IDD), uma
organização afecta ao partido UNITA.