Tendo como referências fundamentais os
valores do pluralismo e da independência, o 3 de Maio que é assinalado de há
uns anos a esta parte como sendo o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, no
âmbito das diferentes jornadas temáticas promovidas e patrocinadas pelas Nações
Unidas, tem uma história muito recente, que ronda os 15 anos.
Uma história que tem a particularidade de
ser africana e de ter tido por berço um país que tem connosco uma grande
proximidade quer geográfica quer histórica.
Estamos a falar da Namíbia e da sua pequena
e bonita capital, a cidade de Windhoek, onde de 29 Abril a 3 de Maio de 1991 se
realizou um seminário sobre “A Promoção duma Imprensa Africana Pluralista e
Independente” numa iniciativa da Organização das Nações Unidas para a Ciência,
Educação e Cultura, a UNESCO.
No final dos seus trabalhos, a 3 de Maio, o
seminário adoptou um documento que ficou conhecido como a Declaração de
Windhoek para a Promoção duma Imprensa Africana Independente e Pluralista, que
viria nesse mesmo ano de 1991
a ser endossada pela 26ª sessão da Conferência Geral da
UNESCO. Posteriormente uma resolução da Assembleia-Geral das Nações Unidas
inscreveu a data no calendário oficial das jornadas que a ONU assinala
anualmente.
O Dia Mundial da Liberdade de Imprensa
nasceu pois em África, o que antes de nos dar qualquer satisfação, deve em
primeiro lugar fazer-nos reflectir profundamente sobre o estado dessa mesma
liberdade no nosso continente no ano em que esta jornada é dedicada ao papel
dos “médias” no combate à pobreza.
Sem dúvida o maior e mais difícil desafio
que Angola tem pela frente, ultrapassado que está o prolongado ciclo da guerra
que acabou por ser o grande responsável pela crise social em que o país está
mergulhado.
Mais concretamente de acordo com a
formulação do Sr. Koïchiro Matsuura, Diretor-Geral da UNESCO, a questão que se
coloca este ano à humanidade é a de saber como é que a protecção e a
consolidação dos direitos fundamentais de liberdade de expressão e de liberdade
de imprensa podem contribuir para assegurar outro direito individual - o
direito de libertar-se da pobreza.
Matsuura está convencido que sim, que a
defesa de um direito humano fundamental – o direito à liberdade de expressão –
pode directamente proteger muitos outros direitos e, desta forma, demonstrar
como a protecção dos direitos interliga-se intelectualmente, moralmente e na
prática.
O Director-Geral da UNESCO acha, entretanto, que este papel dos “médias” na redução da pobreza só será efectivo se os jornalistas tiverem permissão para actuar livremente e com segurança.
O Director-Geral da UNESCO acha, entretanto, que este papel dos “médias” na redução da pobreza só será efectivo se os jornalistas tiverem permissão para actuar livremente e com segurança.
De acordo com os dados globais em posse da
UNESCO ser profissional da imprensa nunca foi tão perigoso como agora, uma
tendência que aponta para o seu agravamento. Só o ano passado 150 jornalistas
foram mortos em todo o mundo.
Para Kochiro Matsuura, este é o maior número de mortes de profissionais da “média” já registado num só ano na história e representa uma continuação trágica da tendência estatística que vem crescendo ao longo dos últimos anos.
Para Kochiro Matsuura, este é o maior número de mortes de profissionais da “média” já registado num só ano na história e representa uma continuação trágica da tendência estatística que vem crescendo ao longo dos últimos anos.
Além das mortes no terreno, os jornalistas e
outros profissionais continuam enfrentando ameaças e perseguições.
O ano passado, mais de 500 profissionais foram detidos ou presos. Conflitos localizados também registam números recordes de jornalistas que foram mortos ou feridos. Só na guerra do Iraque registou-se a morte de 60 jornalistas entre Março de 2003 e Dezembro de 2005.
O ano passado, mais de 500 profissionais foram detidos ou presos. Conflitos localizados também registam números recordes de jornalistas que foram mortos ou feridos. Só na guerra do Iraque registou-se a morte de 60 jornalistas entre Março de 2003 e Dezembro de 2005.
Mas voltemos à Windhoek e à sua declaração
que, como já vimos, está na origem da proclamação do 3 de Maio como o Dia
Mundial da Liberdade de Imprensa, que hoje estamos aqui a assinalar em
Benguela, no quadro de um programa de celebrações mais vasto e abrangente de
todo o espaço nacional, patrocinado pelo Ministério da Comunicação Social.
É bom referir que, pela primeira vez, o 3 de
Maio merece da parte do Governo uma tal atenção que, normalmente, costuma ser
dispensada ao 8 de Setembro, uma data que só em Angola continua a ser
assinalada como o Dia Internacional do Jornalista.
Uma data, que só em Angola continua a
resistir às consequências da queda do Muro de Berlim no já distante ano de
1989, altura em que desapareceu do mapa-mundo o chamado campo ou bloco
socialista, a que Angola do partido único estava estrategicamente associada, e
onde o 8 de Setembro fazia parte dos rituais oficiais.
Esperemos que esta importância que,
finalmente, o Governo resolveu conferir este ano ao 3 de Maio, corresponda, na
prática do seu desempenho, a uma efectiva adesão aos seus princípios mais
estruturantes, que são o pluralismo e a independência dos meios de comunicação
e do exercício da actividade jornalística.
Trata-se de uma conclusão que,
aparentemente, já faz parte do projecto global do Executivo, mas que na prática
ainda esbarra com comportamentos menos esclarecidos ou mais truculentos de
alguns dos seus representantes e estruturas, sobretudo ao nível do poder
provincial.
São, por vezes, comportamentos de clara
tutela controlista e dirigista que, em definitivo, já deveriam pertencer ao
passado quando a comunicação social era apenas mais uma das correias de
transmissão do sistema, com toda a importância que tinha a sua capacidade
técnica de amplificação e reprodução da mensagem central.
Numa outra dimensão sente-se que o Governo
continua a hesitar muito na definição de um pacote de apoios aos meios de comunicação
social privados que passariam, sobretudo, em nossa modesta opinião, por
incentivos e outros benefícios fiscais.
É nesta direcção que a nova Lei de Imprensa,
recentemente aprovada pelo Parlamento, mas que ainda não foi promulgada pelo
Presidente da República, se pronuncia, ao recomendar num dos seus artigos,
penso que é 15º, o estabelecimento nos termos da lei de um sistema de
incentivos de apoio aos órgãos de comunicação social de âmbito nacional e
local, com vista a assegurar o pluralismo da informação e o livre exercício da
liberdade de imprensa e o seu carácter de interesse público.
Esta promessa já anda no ar há muito tempo,
pelo que só mesmo depois de sentirmos no quotidiano dos privados os seus
efeitos práticos é que estaremos em condições de afirmar que o Governo
ultrapassou mais uma importante barreira na abordagem da actividade
jornalística como um fenómeno socio-político com espaço e velocidade próprios
de um quarto poder.
Somos daqueles que acreditamos que num clima
de relativa liberdade e segurança, pois estes dois pressupostos nunca nos são
oferecidos nas doses recomendáveis e exigidas, a imprensa só está em condições
de desempenhar eficazmente o seu papel se tiver os seus pilares assentes na
independência e no pluralismo.
São pilares que, aparentemente, chocam com a realidade angolana onde o Governo continua a ser o proprietário directo e exclusivo da maior parte dos órgãos de comunicação social.
São pilares que, aparentemente, chocam com a realidade angolana onde o Governo continua a ser o proprietário directo e exclusivo da maior parte dos órgãos de comunicação social.
Só aparentemente, porque é possível uma
coabitação saudável, desde que o Governo aceite como virtuosos estes dois
pilares, a independência e o pluralismo, tendo em vista o melhoramento do seu
próprio desempenho.
Isto considerando o papel altamente positivo
que a imprensa pode jogar como parceiro do Executivo e da sociedade no combate
à erradicação da pobreza que é o lema deste ano do Dia Mundial da Liberdade de
Imprensa, depois do ano passado ter sido o seu papel na promoção da boa
governação.
A Declaração de Windhoek abre as suas
“hostilidades” contra todos aqueles que continuam refugiados num conhecido
passado ideológico, destacando como sua bandeira o artigo 19º de uma outra
declaração, por sinal a mais conhecida mundialmente, entre todas aquelas que já
foram aprovadas pelas Nações Unidas.
Estamos a falar, obviamente, da Declaração
Universal dos Direitos Humanos.
Em conformidade com o referido
artigo-bandeira, em Windhoek ficou assente que “o estabelecimento, manutenção e
fortalecimento duma imprensa independente, pluralista e livre são
indispensáveis ao progresso e preservação da democracia bem como ao
desenvolvimento económico duma nação”.
Há 15 anos na capital namibiana ficou
definido que a imprensa tem de ser “independente do controle governamental,
político ou económico ou do controle de materiais e infra-estruturas essenciais
à produção e disseminação de jornais, revistas e periódicos”.
Ao trocar por miúdos o conceito de imprensa
pluralista, a Declaração de Windhoek entendeu-o “como sendo o fim do monopólio
de qualquer tipo e a existência do maior número possível de jornais, revistas e
periódicos que reflictam a mais vasta gama possível de opiniões no seio de uma
comunidade”.
Na essência aqui temos o que é fundamental
quando falamos em liberdade de imprensa nos dias que passam, depois da
Conferência-Geral da UNESCO e a Assembleia-Geral das Nações Unidas terem
adoptado a Declaração de Windhoek.
Ela tem servido de farol que demarca até que
ponto os governos em todo o mundo honram as suas obrigações no sentido de
manterem e promoverem a liberdade, independência e diversidade dos meios de
comunicação social.
Sobretudo em África, desde Windhoek que já
não é mais possível falar em abstracto da liberdade de imprensa, como um
discurso de boas intenções para efeitos propagandísticos dos Governos quando se
pretendem defender dos ataques que são alvo nesta matéria ou dos partidos
quando estão em campanha eleitoral.
Depois de Windhoek passou a ser possível de
forma mais ou menos objectiva medir, avaliar, determinar o estado da liberdade
de imprensa em cada país.
Um dado objectivo desta avaliação decorre
por exemplo do apoio financeiro, em regime de prioridade, a ser prestado pelos
governos nacionais ao desenvolvimento e criação de jornais, revistas e
periódicos não-governamentais que reflictam a sociedade no seu conjunto e os
diversos pontos de vista das comunidades a que se destinam.
Esta é uma das recomendações adoptadas em
Windhoek que serve de parâmetro para avaliar o estado da liberdade de imprensa
em cada país.
O facto de Angola, trinta anos depois da sua
independência, apenas possuir um único diário, é um dado absolutamente
dramático, do ponto de vista do pluralismo e da independência defendidos em
Windhoek, como sendo as referências para se avaliar o estado da liberdade de
imprensa em qualquer país.
Na abordagem que faz dos meios de
comunicação públicos, a Declaração de Windhoek recomenda que os mesmos só
deverão ser apoiados quando as autoridades garantirem constitucional e
efectivamente a liberdade de informação e a independência da imprensa.
Transportar estas e outras recomendações
para o terreno da realidade angolana significa abrir/dar continuidade a um
interminável debate sobre o estado da liberdade de imprensa no país, que já
começou há bastante tempo mas que ainda não produziu os desejados resultados.
Seja como for aqui estamos nesta cidade de
Benguela para animarmos mais um capítulo deste debate no dia mais apropriado
para o efeito.
No ano em que a Jornada Mundial da Liberdade
da Imprensa é consagrada à erradicação da pobreza consideramos ser da maior
importância para todos que o poder político aceite coabitar com a comunicação
social como um espaço autónomo e crítico de intervenção, onde os seus
profissionais deixem de alimentar qualquer tipo de receios em relação ao seu
presente e o seu futuro, como resultado de alguma matéria menos simpática que
tenham elaborado.
* Texto da comunicação apresentada na cidade de Benguela por ocasião das celebrações do Dia Internacional da Liberdade de Imprensa/Maio 2006