Ultrapassada que está a fase
mais aguda do conflito angolano que passou por nós durante algumas décadas
envergando as pesadas vestes de uma devastadora guerra civil, parece haver já
um consenso em relação à necessidade urgente de concentrarmos as nossas
atenções e energias no combate à pobreza.
O parece aqui, serve para
salvaguardar as dúvidas que persistem sempre que se conseguem alcançar
consensos em Angola, pois muitos deles acabam depois por voltar à fase anterior
na hora de se passar à execução das estratégias, que têm necessariamente de
assumir o formato de projectos e programas.
O consenso sobre a prioridade
máxima atribuída ao combate contra a pobreza, que em Angola ainda se confunde
com a luta contra a fome, resulta, obviamente, de uma leitura da dramática
realidade herdada do conflito espelhada em indicadores sócio-económicos que são
conhecidos por todos nós e que podem ser consultados nas avaliações anuais que
as Nações Unidas fazem dos países membros, tendo por referência operacional o “conceito
de desenvolvimento humano”.
Estamos mal, muito mal mesmo,
são as palavras mais simples e ao mesmo tempo mais expressivas que encontramos
para resumir todas aquelas cifras complicadas constantes do Índice de
Desenvolvimento Humano (IDH) elaborado pelo Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento (PNUD), onde o nosso país tem o seu lugar já reservado, de há
uns anos a esta parte, nos cinco últimos, de uma lista de mais de 170.
Uma classificação que nos
permitiu o acesso automático a uma outra lista das desgraças internacionais,
ainda mais chocante para todo o nosso potencial, que é a dos 49 países menos
avançados do mundo, os PMAs.
O jornalismo é, por definição
da nossa lavra, uma ponte abrangente e inclusiva, de preferência não metálica,
que se constrói todos os dias entre a imensa e complexa realidade de um país e
a necessidade da sua população ser informada sobre o que realmente se está a
passar nele.
Uma satisfação que deverá ser
feita sem sofismas, nem enigmas, o que, como se sabe, ainda não é bem a regra
de ouro que todos acham que deveria ser na praxis de uma comunicação social de
referência em qualquer país que já se tenha despido das suas vestes mais
autoritárias e controlistas.
Com sabor à provocação, trata-se aqui de uma alusão propositada que tem muito a ver com o nosso passado recente que continua, aqui e a acolá, a influenciar o desempenho, quer dos órgãos quer dos profissionais.
Com sabor à provocação, trata-se aqui de uma alusão propositada que tem muito a ver com o nosso passado recente que continua, aqui e a acolá, a influenciar o desempenho, quer dos órgãos quer dos profissionais.
Como se sabe esta influência
tem por vezes consequências desastrosas para a credibilidade mínima que é
preciso saber preservar tendo em conta o carácter extremamente dinâmico de uma
actividade que tem a particularidade de rapidamente deixar de o ser, para se
transverter ou travestir em produtos parecidos, como sejam a propaganda, a
publicidade, o marketing, a religião ou a política.
Assim sendo, o jornalismo em
Angola não tem outra alternativa senão reflectir, com a maior objectividade
possível, nas suas páginas e nos seus espaços, toda a urgência e a prioridade
de que se reveste a luta contra a pobreza no contexto da própria consolidação
do processo de paz.
Não havendo nesta altura
qualquer possibilidade de se assistir, a curto ou a médio prazo, ao regresso de
uma situação de guerra convencional, esta perspectiva não pode deixar ninguém
dormir descansadamente à sombra da bananeira, pois todos os ingredientes do
conflito permanecem bem presentes à superfície de uma realidade socio-económica
que só pode inspirar sérios cuidados, se quisermos ser sérios na análise.
A injustiça na distribuição
do rendimento nacional, as desigualdades económicas, as profundas assimetrias
regionais e locais, os gritantes e chocantes contrastes sociais são alguns
destes preocupantes ingredientes.
O calar das armas foi
conseguido a duras penas, numa altura em que novas “guerras” já se perfilam no
horizonte imediato do país, sendo a crescente criminalidade urbana um dos
sintomas mais preocupantes da explosão social latente, que só não passa à fase
seguinte devido ao enorme aparato militar e policial de que o Governo não abre
mão, consciente que, para já, a repressão é a única solução que tem à sua
disposição para evitar o caos que nos espreita, resultante da situação de
extrema penúria em que vive a esmagadora maioria dos angolanos.
Neste contexto o jornalismo
estaria em melhores condições de enfrentar os desafios sociais e económicos que
Angola tem pela frente, antes de mais, se fosse encarado pelo poder político
como um espaço autónomo e crítico de intervenção, onde os seus profissionais
deixassem de alimentar qualquer tipo de receios em relação ao seu presente e o
seu futuro, como resultado de alguma matéria menos simpática que tenham
elaborado.
Estamos concretamente a falar
da necessidade da erradicação de uma peçonha chamada auto-censura e omissão,
que explica em nosso entender os limites de um desempenho, que é visível
particularmente entre os profissionais que trabalham para o Estado.
Definitivamente, o poder
político tem de perceber que a liberdade de imprensa acaba por ser o melhor e
mais rápido instrumento que tem à sua disposição, sem custos adicionais em
termos de OGE, para ser informado sobre os resultados efectivos da sua própria
governação, de como é que ela se está a processar no dia-a-dia.
O contexto de uma tal
monitorização é o espaço de um país vasto como é o nosso, onde a administração
funciona à várias velocidades, quantas vezes em permanente choque com os
interesses das populações, a projectar bem toda a problemática da boa
governação e da transparência.
De nada adianta ter à sua
disposição uma tal ferramenta se os seus operadores permanentemente se demitem
das suas funções, com os já referidos receios, embora em matéria de ruptura com
o passado já muito tenha sido feito em termos de abertura e frontalidade.
O problema aqui é que esta
tendência ainda não está suficientemente consolidada, sobretudo quando é
confrontada com conjunturas de crise política mais acentuada.
Aí tudo volta quase à estaca
zero.
Se quisermos este seria o
lado da oferta, no âmbito daquilo que alguém já designou como sendo uma “parceria
inteligente”, que é o que tem faltado de facto ao nosso país, cuja história tem
vindo a ser marcada mais pela presença dos músculos do que pelo conselho dos
miolos, com todas as consequências desastrosas que estão aí à vista de todos.
Falamos concretamente da
oferta de melhores condições de trabalho e garantias efectivas de segurança da
parte de quem continua a ser efectivamente o maior empregador de jornalistas,
com todas as responsabilidades mais gerais que tem em relação ao desenvolvimento
de um sector que é fundamental para a afirmação do próprio projecto democrático
de sociedade em que estamos todos envolvidos.
Certamente uns mais do que outros, numa altura em que ainda se discute se o Estado deve ou não apoiar a “média” privada.
Certamente uns mais do que outros, numa altura em que ainda se discute se o Estado deve ou não apoiar a “média” privada.
É claro que deve, ficando
apenas por equacionar o tipo de apoio a ser concedido, depois de muita tinta,
sem grande utilidade prática, já ter sido gasta a este respeito.
Do lado da procura, isto é,
do lado do desempenho dos profissionais, desde logo, é bom que se reconheça, a
qualidade do nosso jornalismo, sobretudo daquele que é produzido no território
dos órgãos privados, não tem ajudado muito à afirmação da classe, como uma
entidade responsável e respeitável a altura dos enormes desafios que o país tem
pela frente.
Passada que está já a fase da
euforia, que marcou os primeiros anos da sua actividade, com todas as
compreensíveis falhas próprias de quem estava a dar os primeiros passos num
ambiente de grande hostilidade, a imprensa privada tem de saber agora vencer o
desafio da qualidade e da responsabilidade.
Um desafio que é, obviamente,
extensivo a todos os jornalistas independentemente da tutela e de todas as
outras condições que, pela negativa, continuam a afectar o quotidiano da nossa
actividade.
A indisponibilidade das
fontes oficiais em reagirem oportunamente aos factos e aos acontecimentos, é
uma dessas condições que gostaríamos aqui de destacar, enquanto se aguarda, com
alguma expectativa, que a “Era Rabelais” produza os seus primeiros frutos no
âmbito da implementação da anunciada estratégia de comunicação social do
Estado.
De acordo com o que já
transpirou dessa estratégia, chamou-nos a atenção as referências feitas pelo
titular à existência de “fontes com alta capacidade de atender a demanda dos
veículos de comunicação social, aquelas que buscam fornecer informações sempre
de acordo com o interesse público”.
A ver vamos, como é que esta
estratégia se vai transformar em realidade, o que a acontecer, irá, certamente,
contribuir para se ultrapassar da melhor forma o actual vazio que explica
muitas especulações que surgem na imprensa, sobretudo no que toca ao desempenho
do Executivo.
À semelhança do que acontece com a democracia
que só é possível fazer com democratas, também o jornalismo de qualidade está dependente
da existência de bons profissionais que dominem tão bem a arte de comunicar,
escrita e falada, como a do relacionamento com as fontes em paralelo com a
observância e o respeito das normas éticas e deontológicas da profissão.
Como decisivo pano de fundo
de toda esta movimentação estará a própria formação integral do jornalista, uma
insubstituível e intransmissível ferramenta pessoal, cuja ausência tem sido
responsável por tantas e tão clamorosas “bandeiras”.
Num plano mais geral e
abrangente, o jornalismo angolano tem como grande desafio a definição de uma
agenda informativa autónoma, dominada pelo que é fundamental e estruturante,
deixando de andar permanentemente à reboque de outras agendas inspiradas pelos
interesses estratégicos dos diferentes poderes que se movimentam na nossa
sociedade.
Aceitamos pacificamente os
reparos, quantas vezes cáusticos, que nos são dirigidos relacionados com a
falta de perspicácia e profundidade com que vamos seleccionando as matérias das
nossas edições, que segundo alguns dos nossos críticos mais atentos, não passam
de “verdadeiro milho para os pardais”.
De facto é bom separar, como
o fez o já falecido veterano do jornalismo francês, Claude Julien, a
informação-espectáculo que evita as interrogações da informação significante,
que muitas vezes chega até nós através de factos desprovidos de ruído e de
furor, mas que nem por isso determinam menos e de maneira, quantas vezes mais
radical, o destino dos cidadãos.
A terminar deixamos aqui um
recado para os já referidos críticos.
É com a participação activa
de todos, incluindo as fontes anónimas e os especialistas que o jornalismo
angolano estará em melhores condições de acertar o passo com os enormes
desafios deste país.
*Comunicação apresentada no acto celebrativo do 10º
Aniversário da Associação dos Jornalistas Económicos (AJECO), Agosto 2005