segunda-feira, 10 de agosto de 2009

CARTA ABERTA À SENHORA HILLARY CLINTON (Actualizada com uma resposta)

Com pedido de divulgação foi-nos enviado pelos seus signatários o documento que se segue: CARTA ABERTA À SENHORA HILLARY CLINTON Excelência, Senhora Secretária de Estado, O nome de Angola tem-se destacado nos corredores diplomáticos internacionais e no mundo dos negócios, por causa de ter aumentado a sua capacidade de exportação de petróleo. Este facto esconde uma realidade política brutal, na qual campeiam a corrupção liderada por titulares de cargos públicos, má governação e violação reiterada de direitos humanos. Angola e os Estados Unidos da América serão parceiros independentemente de quem estiver a exercer o poder político, desde que existam interesses de ambos os países. Angola continuará a produzir petróleo nas próximas três décadas e certamente que este facto cimentará as relações comerciais entre os nossos países. Angola encaminha-se para a reprodução do modelo político e económico em que os empresários de sucesso, com quem os empresários estrangeiros têm necessariamente de fazer negócios, são titulares de cargos públicos, seus amigos ou familiares próximos, desenvolvidos e indicados pelo poder político. Queira, por favor, tomar conta dos seguintes factos, entre muitos outros: Os filhos do Presidente da República de Angola tornaram-se de um dia para o outro monopolizadores do mercado das telecomunicações, transportes, diamantes, banca e vão estendendo a sua intervenção a outros sectores da economia. Sem concurso público, a família do Presidente da República passou a ter a gestão do Canal 2 da Televisão Pública de Angola e há sinais no sentido de que vai passar a gerir os dois canais desta estação de televisão. Pessoas próximas do Presidente da República criaram uma empresa de comunicação social privada que detém um Canal de Televisão, um jornal e uma rádio. O Canal de Televisão foi criado e está a funcionar sem cobertura legal. Foi criado um novo banco angolano privado, que, ao que tudo indica, vai gerir o investimento público de um projecto designado «Um Milhão de Casas». Entre os donos desse banco, tudo aponta nesse sentido, estarão familiares directos do Presidente da República. Os órgãos de comunicação social do Estado são controlados pelo poder político e estão governamentalizados, não havendo espaço para a oposição. Os jornalistas angolanos continuam a ser perseguidos. O regime usa os órgãos de justiça, que só se lembram de aplicar as leis aos jornalistas, activistas cívicos e defensores dos direitos humanos ou ao cidadão comum. Pior do que tudo, o Procurador-Geral da República e juízes, inclusive do Tribunal Constitucional, exercem actividades ou têm ligações incompatíveis com as funções de que estão investidos, em flagrante violação da Constituição e do Estatuto dos Magistrados Judiciais e do Ministério Público. A Polícia de Investigação Criminal e a Procuradoria-Geral da República de Angola têm conhecimento de factos e evidências suficientes, que são do domínio público e que as obrigam a proceder à investigação de práticas de corrupção de que são suspeitos titulares de cargos públicos e funcionários do Estado, no entanto, assim não procedem. Os desalojamentos forçados e esbulhos de terras, sem o devido respeito pelos procedimentos estabelecidos por lei, continuam, impunemente, mesmo depois de vários relatórios da Aministia International, e dum relatório da SOS-Habitat e a Human Rights Watch que documentaram e divulgaram tais práticas. Os argumentos de base constitucional e legal e bem ainda como os factos descritos por essas três organizações de defesa dos direitos humanos são irrefutáveis. As cadeias angolanas estão cheias de presos à espera de julgamento, depois de esgotado o tempo de prisão preventiva que a lei determina. A maioria das esquadras de polícia não tem condições para albergar detentos. Agentes da Polícia Nacional de Angola continuam a espancar e a matar cidadãos angolanos. Os hospitais públicos e centros de saúde não têm as condições mínimas para assistirem ou tratarem os cidadãos que acorrem aos mesmos. Recentemente, a Assembleia Nacional de Angola aprovou o Orçamento Geral do Estado. Estima que o preço do barril de petróleo se fixe nos 37 dólares, quando na verdade o preço fixar-se-á um pouco mais acima. O Presidente da República é o primeiro a dar exemplo de desrespeito pela Constituição de Angola. Nomeia o Presidente da Assembleia Nacional para cargos incompatíveis com as suas funções, violando o princípio da separação de poderes. Não nomeia há anos o Vice-Presidente do Tribunal Supremo de Angola, violando a constituição por omissão. Foi constituída uma fundação, a FESA, de que o Presidente da Republica é patrono, quando tal não deve ter lugar enquanto exercer o cargo de Chefe de Estado. A Constituição não atribui ao Presidente da República o poder discricionário de marcar as eleições legislativas e presidenciais quando lhe convier. Antes pelo contrário, elas devem ser marcadas periodicamente, a não marcação só se justifica quando se estiver perante o estado de sítio, o estado de emergência, ou perante outra situação de excepção à normalidade político­constitucional, que de forma real impeça a realização física das eleições. Há factores internos e externos que perpetuam a má governação, não permitindo a maturação de instituições à altura das responsabilidades do Estado, mas sim a impunidade, corrupção e a violação dos direitos humanos em Angola, cujas consequências vêm aprofundando a falta de liberdade dos angolanos e a pobreza absoluta que atinge níveis insustentáveis e inaceitáveis. Esperamos que os Estados Unidos da América, que vêm deslocalizando o focus dos seus interesses petrolíferos no Médio Oriente para o Golfo da Guiné, agora sob liderança do Presidente Obama, não desenvolvam uma política externa que constitua uma prática de cumplicidade e incentivo à validação de práticas que violam a tradição africana humanista e os valores universais que estão consagrados na actual Constituição e leis ordinárias angolanas. Excelência, Senhora Secretária de Estado Os ideais duma humanidade livre terão maiores possibilidades de se concretizarem se os Estados Unidos da América estiverem comprometidos, em África e no mundo, com uma política de valores, em vez de guiados por interesses estritamente económicos e ou militares, conscientes de que é dessa forma que se poderá promover a verdadeira paz e o equilíbrio mundial. Luanda, 7 de Agosto de 2009 Assinam: Fernando Macedo Lente de Direito Constitucional e Direitos Humanos. (até 12.08.09: +351 963 973 764) +244 923 276 671 Filomeno Vieira Lopes Economista Coordenador Da Comissão Instaladora do Bloco Democrático + 244 923 303 734 Justino Pinto de Andrade Economista +244 923 227 862 Luíz Araújo (1) Projectista de Arquitectura Activista Defensor dos direitos humanos +244 912 507 343 Willian Tonet Jornalista e jurista Secretário-Executivo do AMC +244 912 503 966 Xavier Jaime Manuel Médico 244 924 828 004

Algumas Observacoes Sobre a “CARTA ABERTA A HILLARY CLINTON” Author: Koluki Filed under: , , , ,

Foi com satisfacao que tomei conhecimento de uma “Carta Aberta a Senhora Hillary Clinton” subscrita por seis cidadaos angolanos (aqui). Satisfacao, pelo seu sentido de oportunidade e, sobretudo, por de algum modo sugerir uma reanimacao das vozes criticas organizadas no pais depois dos resultados das eleicoes legislativas de Setembro ultimo.Todavia, uma vez que a carta e’ subscrita por cidadaos exercendo o seu legitimo direito a livre expressao individual, nada me concederia o direito, ou a legitimidade, de tecer estas observacoes criticas, nao fosse o facto de tais cidadaos serem sobejamente conhecidos como personalidades eminentes de sectores da sociedade civil e da oposicao democratica em Angola, o que, alias, e’ atestado pelo facto de alguns deles assinarem a mesma na sua qualidade de dirigentes de organizacoes e/ou membros de franjas de opiniao representativas desses sectores. E’, portanto, apenas esse facto que me tras a estas linhas.Como tive ocasiao de manifestar, no rescaldo das ultimas eleicoes legislativas (aqui e aqui), os resultados – e o processo que a eles conduziu –, daquele pleito eleitoral, deixaram-me duas precupacoes fundamentais: uma, motivada pelas irregularidades verificadas a varios niveis e que suscitaram a acusacao, sobretudo por parte dos subscritores da carta em apreco, de que tais resultados teriam sido fruto de uma “massiva fraude eleitoral” – acusacao que, nao se tendo demonstrado absolutamente irrefutavel ou generalizavel a todo o pocesso, nao deixou de ter, contudo, do meu ponto vista, os seus fundamentos e, portanto, de se constituir em motivo de preocupacao para todos os cidadaos angolanos, qualquer que seja a sua filiacao partidaria ou conviccoes politico-ideologicas; outra, motivada por todos os indicios, dificilmente refutaveis, de uma generalizada fraqueza comparativa, em certa medida auto-infligida, da oposicao politica e de uma ainda pouco expressiva e efectivamente actuante sociedade civil em Angola.Ora, concordaremos todos que nunca sera’ possivel assegurar a construcao de um forte e estavel sistema democratico em qualquer pais sem, por um lado, instituicoes fortes e crediveis e, por outro lado, uma oposicao e uma sociedade civil igualmente fortes e crediveis. E, enquanto cidadaos, tal como devemos criticar todos os actos atentatorios a efectiva construcao do sistema democratico por parte dos detentores do poder politico, devemos tambem criticar, ou pelo menos chamar a atencao, da oposicao partidaria e dos representantes da sociedade civil, para posturas ou praticas que tendam a perpetuar a sua fragilidade politica e social, nao contribuindo assim efectivamente para a construcao da democracia e do estado de direito fortes a que todos, ou pelo menos a maioria dos Angolanos, aspiram. E’, por conseguinte, neste espirito, que pretendo positivo e construtivo, que passo a fazer as seguintes observacoes a carta em apreço:

1. Parece-me bastante redutor afirmar-se, como se faz na primeira linha da carta, que “o nome de Angola tem-se destacado nos corredores diplomáticos internacionais e no mundo dos negócios, por causa de ter aumentado a sua capacidade de exportação de petróleo.” Sendo esse um facto aparente, ele nao corresponde evidentemente a “toda a verdade”: parece-me, antes, uma realidade indesmentivel que, para alem da sua capacidade de exportacao petrolifera – que sempre se projectou crescente desde o inicio dessa actividade economica no pais e da qual os EUA sempre beneficiaram, mesmo durante a guerra –, Angola tem-se destacado nos ultimos anos tambem, e sobretudo, pelo alcance da paz depois de longas 3 decadas de conflito armado, por uma politica economica que propiciou o aumento dos niveis de investimento externo no pais, por taxas de crescimento do PIB entre as mais elevadas do mundo e pela realizacao das primeiras eleicoes legislativas depois de um interregno de 16 anos. Note-se bem: estou a referir-me aqui a factos, nao a fazer a analise critica desses factos, o que tambem tenho feito frequentemente neste e noutros espacos.

2. No entanto, essa primeira frase da carta talvez nao se demonstrasse tao problematica, do meu ponto de vista, se ela nao fosse enunciadora das conviccoes politico-ideologicas dos seus signatarios relativamente as motivacoes dos EUA na sua relacao com Angola e, em particular, quanto aos objectivos desta visita da Secretaria de Estado Norte-Americana ao pais. Tais conviccoes sugerem que aquelas motivacoes e objectivos se reduzem exclusivamente ao interesse da actual Administracao Americana na exploracao petrolifera, o qual, consequentemente, estaria a ditar toda a politica externa dos EUA e a visita de Hillary Clinton ao nosso pais: “Angola e os Estados Unidos da América serão parceiros independentemente de quem estiver a exercer o poder político, desde que existam interesses de ambos os países. Angola continuará a produzir petróleo nas próximas três décadas e certamente que este facto cimentará as relações comerciais entre os nossos países”, escrevem os signatarios, sugerindo algo como, se me permitem a liberdade interpretativa, “uma vez que o vosso interesse e’ apenas o petroleo, nao precisam de se render total e eternamente aos ‘charmes’ deste governo corrupto e anti-democratico, porque o petroleo continuara’ a jorrar e ha’ outras forcas politicas no pais que continuarao a permitir-vos saciar o inesgotavel apetite”...

3. Ora, como notei acima, os signatarios desta carta, enquanto cidadaos individualmente considerados, teem todo o direito de manifestar as suas opinioes sobre esta, ou quaisquer outras questoes que afectem a Nacao Angolana. Mas, a considera-los “representantes” das vozes criticas da oposicao e/ou da sociedade civil onde, obviamente, nem todos os cidadaos comungam das mesmas conviccoes politico-ideologicas, talvez fosse recomendavel que, ao faze-lo, moderassem um pouco as suas motivacoes e correspondente discurso, sendo que tal moderacao nao teria necessariamente que ser ditada por quaisquer imperativos “auto-censorios”. Bastaria, para tanto, apelar-se a um pouco de sentido diplomatico – o qual tambem e’ esperado da oposicao ou de quaisquer vozes individuais, organizadas ou nao, ao manifestarem-se publica e formalmente sobre questoes tao sensiveis do ponto de vista estrategico para todos os Angolanos, como e’ a politica externa do pais. E esse sentido diplomatico aconselharia, em primeiro lugar, a que fosse evitado o tom acusatorio que, comecando na sua primeira linha, permeia toda a carta, quanto mais nao seja por, tratando-se de uma nova Administracao, soar mais perspicaz politicamente manifestar-se-lhe o beneficio da duvida.

4. Tal beneficio da duvida nao teria necessariamente que resultar de uma qualquer “boa vontade forcada” por parte dos signatarios em relacao a visitante e ao pais que representa, mas, objectivamente, de factos concretos tais como: i) a politica energetica defendida por esta nova Administracao, quer durante a campanha que conduziu a sua vitoria eleitoral nos EUA, quer em accoes concretas nessa area por ela enunciadas desde a sua tomada de posse; ii) os pronunciamentos especificos sobre o papel da exploracao petrolifera no processo de desenvolvimento feitos, por exemplo, ainda recentemente por Barack Obama no Ghana; iii) a diversidade dos sectores abrangidos pelos acordos assinados e pelas manifestacoes de intencao expressas durante esta visita de Hillary Clinton a Angola, entre os quais se destacam a Agricultura e a Saude; iv) os diferentes perfis politicos e economicos dos paises incluidos nesta sua digressao por Africa. Assim, mesmo que estes factos concretos possam ser considerados completamente irrelevantes a luz das conviccoes politico-ideologicas dos signatarios, menciona-los, ou pelo menos te-los implicitamente em conta, conferiria a carta nao so’ o peso de uma certa objectividade analitica, como tambem a possibilidade de vincular a destinataria e o governo que representa as suas proprias posturas e afirmacoes publicas, tanto domestica como internacionalmente, o que seria mais util do ponto de vista reivindicativo e da sua responsabilizacao futura, do que apenas as acusacoes implicitas subrepticiamente de que “os EUA nao sao, por natureza ou por vocacao, uma potencia credivel do ponto de vista dos interesses dos povos”…

5. De igual modo, a demonstracao de alguma atencao, implicita ou explicita, para com os pronunciamentos de Barack Obama no Ghana sobre o apoio da sua Administracao a construcao de instituicoes transparentes e processos democraticos crediveis em Africa, bem como para com algumas das declaracoes feitas em Angola pela propria Hillary Clinton nesse sentido, teria o condao de conceder maior forca a todas as acusacoes feitas na carta sobre os varios atropelos registados a esse nivel em Angola - muito embora algumas delas, embora crediveis, sejam assumidamente apenas do dominio da suspeicao e outras possam ser consideradas "risiveis", e.g. o facto de se estimar que "o preço do barril de petróleo se fixe nos 37 dólares, quando na verdade o preço fixar-se-á um pouco mais acima" pode ser legitimamente considerado como uma medida de prudencia fiscal perfeitamente aceitavel, e ate' recomendavel, num ambiente internacional em que os precos do petroleo se manifestam mais volateis do que o habitual num contexto de crise economica global - e, em particular, a afirmacao de que “há factores internos e externos que perpetuam a má governação, não permitindo a maturação de instituições à altura das responsabilidades do Estado, mas sim a impunidade, corrupção e a violação dos direitos humanos em Angola, cujas consequências vêm aprofundando a falta de liberdade dos angolanos e a pobreza absoluta que atinge níveis insustentáveis e inaceitáveis.” Tal atencao teria, ademais, o valor politico-diplomatico de evitar o desnecessario tom de ma’-fe’ explicito nos dois ultimos paragrafos da carta que se seguem a essa afirmacao.

6. Finalmente, mas de modo nenhum menos importante do que os pontos anteriores, tratando-se a destinataria de uma mulher que, nao so’ se evidenciou durante a campanha em que se candidatou a presidente dos EUA como uma defensora dos direitos das mulheres no seu pais, como tem demonstrado um serio engajamento a nivel internacional no combate pela igualdade do genero (note-se, a este proposito, o seu papel de destaque como uma das principais impulsionadoras da Declaracao Internacional de Beijing sobre os Direitos das Mulheres) e tratando-se os signatarios de um grupo emanente da sociedade civil Angolana, seria absolutamente, no minimo, de bom tom que pelo menos houvesse entre as assinaturas da carta a de uma mulher – ha’-as, seguramente, entre as varias organizacoes e sectores de opiniao de que fazem parte os signatarios. Mais uma vez, tratar-se-ia aqui nao apenas de um “gesto simpatico” para com Hillary Clinton mas, sobretudo, da demonstracao de um minimo de preocupacao dos signatarios para com a representatividade das mulheres no quadro geral da defesa dos direitos humanos em Angola – um pais em que elas constituem a maioria dos cidadaos e onde nos ultimos tempos se teem registado varias iniciativas por elas desenvolvidas na defesa dos direitos das muheres, dentre as quais se destacam a campanha levada a cabo ha' algum tempo por mulheres jornalistas e a marcha recentemente realizada em Luanda, com a participacao da sua governadora provincial, contra a violencia domestica.Estas sao, obviamente, apenas as minhas observacoes. Mas expresso-as, democraticamente, tal como julgo que os signatarios da carta o fizeram ao manifestarem as suas opinioes, como cidada Angolana (embora, forcadamente, temporariamente na diaspora) e, por isso, como parte interessada, tanto nas questoes abordadas na carta em apreco, como no fortalecimento da oposicao politica e da sociedade civil no pais que me viu nascer.