domingo, 23 de junho de 2013

Crónica do Saber


 Esta semana enriqueci, sem gastar um único tostão, a minha biblioteca particular, com mais dois livros que me foram gentilmente oferecidos e que reputo serem da maior importância para o conhecimento do país real, que é aquele que tem as mesmas dimensões, a mesma capital, a mesma bandeira, o mesmo hino e o mesmo presidente do país oficial chamado República de Angola.
Os livros em causa, que têm uma autoria colectiva, na pessoa dos investigadores do Centro de Estudos e Investigação Científica (CEIC) da Universidade Católica de Angola, são o "Relatório Económico de Angola 2012" e o "Relatório Social de Angola 2012".
Há de facto nestes dois relatórios muito saber/informação concentrado e actualizado todos os anos, numa aposta teimosa dos nossos "brains" que já se renova há vários anos e que já são muitos para a nossa realidade.
Com todas as limitações que os dois relatórios possam ter, é nossa convicção, tendo em conta a independência da instituição que os produz e o perfil dos seus autores, que os mesmos nos aproximam muito mais do país real, se comparados com outras abordagens mais oficiais a que vamos tendo acesso sobre as mesmas temáticas.
Uma vez mais aqui estamos a elogiar o trabalho do CEIC por ocasião de mais um lançamento dos seus dois principais produtos anuais, o que fazemos com todo o gosto, como se de um ritual se tratasse.
Estamos de facto diante de uma Angola  no seu melhor, que é esta oportunidade de saber como somos, como estamos e para onde vamos. É de facto uma oportunidade soberana para termos um outro conhecimento da nossa realidade sem máscaras, sem jogos de espelhos nem  manipulações dos factos/estatísticas com o propósito de se conseguirem mais alguns dividendos políticos ou se evitarem algumas amolgadelas na imagem que estamos a tentar vender para o interior e para o exterior.
E a que preço por vezes, a ter conta os milhões e milhões que se gastam com o marketing institucional dentro e fora do país e que bem podiam ser empregues num outro de investimento mais duradouro com a satisfação de necessidades mais estruturantes e urgentes, como é nomeadamente a produção do saber.
Estes dois relatórios ainda são uma gota de água no oceano de um país onde as universidades estão mais preocupadas em vender diplomas e os alunos mais interessados em melhorar rapidamente e a qualquer preço o seu CV a pensar no mercado de trabalho.
Quem leva o saber mais a sério e não se contenta com pouco ou com o que lhe dão e quando lhe dão, tem de concluir que a oferta das universidades no domínio da investigação científica é manifestamente insuficiente e não corresponde minimamente ao número de estabelecimentos do ensino superior que já temos a funcionar no país para além dos públicos.
Alguém disse e muito bem, acho que foi um brasileiro, que um país faz-se com homens e com livros, mas eu desconfio que a maior parte dos homens lê cada vez menos.
Daí o mau estado de saúde em que se encontram os países, com o agravamento das crises periódicas e permanentes e com as manifestações de protesto cada vez mais violentas a tomarem conta das praças das grandes e pequenas cidades.
Assim sendo e ao que parece, os livros estão cada vez mais ausentes da vida dos homens e dos países.
Mas o problema não é bem dos livros porque eles continuam a ser editados, sendo prova disso a oferta que todos encontramos nas livrarias sempre abarrotadas.
O problema é que poucos compram e quando os adquirem também não os consomem como deve ser.
A famosa frase do brasileiro devia pois ser reformulada urgentemente
A partir de agora os países já não se fazem mais com homens e com livros.
Os países vão passar a fazer-se com homens que leem os livros todos, do principio ao fim.
Muito dificilmente os dois livros que inspiraram esta crónica sobre o saber, atingirão algum dia a prateleira dos "best sellers", sobretudo em Angola, onde praticamente já ninguém lê mais do que cinco páginas seguidas sem fotografias, com todas as honrosas excepções que  cada um de nós conhecerá à sua volta.
Em termos de eficácia, alguém descobriu que para se ser lido efectivamente, agora é melhor escrever no facebook pequenos textos do que estar preocupado em produzir grandes books seja sobre o que for.
A ser comprovadamente verdadeira e suficientemente abrangente esta conclusão, o caminho a seguir está à vista, sendo a sua execução bastante simples.
Seria uma forma de introduzirmos mais os livros na vida dos homens e dos países.

NA- Publicado no semanário "O País/Revista Vida (21-06-13)"