terça-feira, 8 de julho de 2008

Promiscuidades para todos os gostos e feitios


Evitando recorrer a um já estafado lugar comum não vou dizer que desta vez o Presidente não disse nada de novo ou não disse nada que já não se soubesse.
Independentemente das motivações e das consequências, há que reconhecer que o Presidente José Eduardo dos Santos surpreendeu o país e os seus correligionários ao criticar aberta e publicamente um dos “pilares” mais perversos do seu próprio regime que é a promiscuidade existente entre o exercício dos cargos de soberania e a gestão dos negócios particulares dos seus titulares.
Ouvi alguém dizer que o que mais o surpreendeu não foi tanto a substância da declaração do Presidente, mas a utilização por ele de uma palavra tão forte como é promiscuidade.
No caso concreto, o Presidente estava certamente a referir-se aos ministros, onde se incluem aqueles que o rodeiam mais de perto ao nível das duas casas do seu Palácio, que têm igualmente estatuto de ministros.
Com a excepção dos da UNITA (será mesmo?), são os ministros que de facto têm poder para determinar muita coisa ao nível dos respectivos pelouros, numa altura em que o Estado continua a ser o principal e insaciável grande consumidor desta economia, com todo o despesismo que o caracteriza.
Como se sabe, quem não faz “bons negócios” com o Estado tem muito poucas possibilidades de enriquecer neste país enquanto empresário.
A referência feita pelo Presidente ajuda-nos certamente a perceber ainda melhor as razões da concentração da riqueza nas mãos de tão poucos mas tão bem conhecidos e a explicar a persistência dos níveis de insatisfação e de pobreza.
É o modelo keynesiano aplicado a Angola que está errado ou pelo menos não está a funcionar como foi idealizado e programado.
Algumas semanas antes do Presidente ter olhado tão frontalmente para o seu espelho, o Ministro das Finanças, José Pedro de Morais, foi citado pela imprensa local com tendo dito que os fluxos financeiros oriundos do Orçamento Geral do Estado (OGE), devido às características muito próprias da economia nacional, ainda constituem a principal base para os negócios do sistema bancário angolano.

"Características muito próprias da economia nacional": uma expressão fundamental do tipo chave, que é preciso saber descodificar correctamente para se perceber em profundidade a realidade angolana. De outra forma a leitura dos factos não vai produzir resultados satisfatórios em termos de análise.

Atenção é preciso não confundir análise com opinião. Fazer uma análise não é exactamente a mesma coisa que dar uma opinião. Vai uma grande distância entre as duas balizas.
Que motivações terão levado o Presidente a ser tão crítico com os seus colaboradores, sabendo-se à partida que neste país as coisas lá por cima só acontecem se ele quiser ou permitir? Ou já não será bem assim?
Que consequências políticas e praticas se esperam de um tal “ataque”?
Duas questões que podem ter muito mais respostas do que aquelas que se poderiam imaginar.
O que é facto é que o Presidente é o cabeça da lista dos deputados que irão concorrer às próximas legislativas pela chapa do MPLA.
É outra novidade que não se registou em 1992.
Terá esta entrada do nome do Presidente para a lista dos deputados algum significado especial que esteja relacionado com a definição do seu próprio futuro político? Mais uma questão que pode ter várias respostas