O actual e super-mediático “caso Miala” que ainda está longe de ter chegado ao fim (apesar da condenação já decidida pelo marcial tribunal do Juiz Patónio) é apenas a comprovação de uma tendência que também tem marcado a vida deste país, desde que Angola deixou de ser portuguesa, já lá vão mais de 30 anos.
Ao abrigo desta tendência dificilmente os homens da bófia têm conseguido sobreviver às crises conjunturais que o país vem conhecendo, onde eles inicialmente têm um papel determinante, com um aparente e total controlo da situação.
Foi certamente o caso emblemático do 27 de Maio de 1977, uma altura em que o país esteve durante cerca de três anos sob controlo quase directo do poder absolutamente discricionário da DISA.
As consequências desastrosas e sangrentas desta intervenção draconiana dentro da ditadura mais geral que o país vivia na altura são sobejamente conhecidas.
Os principais responsáveis da secreta da época foram afastados dos seus cargos, após a extinção daquele repressivo organismo.
Nenhum deles, entretanto, foi julgado ou condenado, apesar de todos os abusos e excessos que são acusados de terem cometido contra cidadãos a quem nunca foi dado o mínimo direito à defesa.
Seja como for, todos eles perderam o imenso e incontrolável poder de vida ou de morte que então possuíam.
Tendo igualmente por pano de fundo excessos e abusos, anos depois no processo 105 relacionado com tráfico de diamantes, a sorte dos bófias que conduziram esta “ofensiva” já foi diferente para pior.
Os mais importantes foram julgados e condenados a “pesadas” penas de prisão que terão cumprido no Bentiaba.
Há certamente vários outros casos que ao longo da nossa trajectória atribulada tiveram por protagonistas poderosos chefões da bófia que depois provaram do seu próprio veneno, na sequência dos excessos praticados.
Claramente esta tendência que se mantém até aos dias de hoje, aponta para a sucessiva queda em desgraça dos “nossos” bófias, entenda-se no caso vertente, agentes que trabalham para a polícia política do regime, entre chefes e kabolas, por sinal todos eles muito parecidos uns com os outros na truculência dos métodos utilizados ao longo das últimas três décadas, onde se inclui o recurso sistemático à tortura.
Actualmente, é bom notar, já se sente um esforço, ainda que muito tímido, orientado para a despartidarização da segurança de estado em Angola.
Uma despartidarização que só será sustentável, se for acompanhada pela consequente e imprescindível democratização de todo o sistema, que agora tem a pomposa e inofensiva designação legal de “comunidade de inteligência angolana”, curiosamente, desde que Fernando Garcia Miala assumiu a liderança do sistema em 2002.
Uma liderança que chega ao fim num banco dos réus e com a perspectiva nada simpática do mesmo vir a passar os próximos quatros anos na cadeia, na sequência da anunciada condenação.
A esperança de ver esta pena reduzida ou mesmo anulada está agora num recurso que deverá ser decidido pelo mais alto magistrado da nação, no âmbito da sua competência constitucional de indultar e comutar penas.
Já imaginaram o Presidente JES a exercer este poder, mandando FGM e os seus pares em paz para casa depois de toda esta “insubordinação”?
É bom que comecem a pensar nesta hipótese, pois a lei assim o permite, considerando que indulto também significa perdão.
Para quem conheceu de perto a famigerada e já extinta DISA, como nós, de facto não poderia ser mais “pacifica” a denominação encontrada (comunidade de inteligência) para fazer esquecer o tenebroso passado de uma intervenção cuja trajectória real, possivelmente, nunca será contada e muito menos documentada, por mais comissões internacionais que se criem para elaborar a história de Angola.
A mais recente reuniu-se esta semana em Luanda.
Esta democratização passa, nomeadamente, pela fiscalização política de todo o sistema, uma competência que a lei atribui a Assembleia Nacional através de um Conselho de Fiscalização integrado por cinco deputados eleitos de acordo com o princípio da proporcionalidade, por maioria absoluta dos Deputados presentes e no âmbito funcional da Comissão competente da Assembleia Nacional.
Pelo que julgamos saber este Conselho nunca foi eleito, estando a lei que o criou em vigor já lá vão mais de cinco anos.
Sem pretendermos aqui entrar no âmago do processo que conduziu Miala e os seus pares à desgraça no seio do regime que serviram, numa altura em que novas “teses” explicativas (de proveniência oriental) têm sido postas a circular pela imprensa, estamos certos que todos os famosos bófias que passaram pela história deste país acabaram por ser vítimas do excesso de poder que a dada altura lhes foi conferido.
De uma outra coisa estamos igualmente certos: esse excesso de poder não lhes foi conferido nem pelos eleitores, nem por nenhum consenso nacional mais abrangente.
Tudo se passou, tudo foi cozinhado, nos corredores mais chegados à principal fonte do poder em Angola, onde as coisas normalmente começam bem (no beijinho-beijinho), mas nem sempre terminam da mesma forma, aliás, quase nunca terminam, para não variar.
Com as suas particularidades próprias, Angola é sem dúvida mais um país onde os seus bófias mais emblemáticos têm acabado na frigideira do próprio regime.
Em termos históricos mais contemporâneos, a desgraça dos bófias parece ter começado com um tal de Béria na antiga União Soviética.
Laverenty Béria foi o homem mais poderoso a seguir ao sanguinário Joseph Stalin. Reza a história que em Julho de 1953, já no regime de Nikita Krutchev, Béria foi detido e processado por "actividades criminosas contra o partido e o Estado". Condenado, Beria seria executado em Dezembro do mesmo ano. É acusado de perseguir e violentar mulheres. O seu nome causava terror às pessoas. Era responsável por um laboratório onde eram produzidos venenos para ser usados contra seus inimigos. Alguns historiadores acusam-no de ter assassinado o próprio Stalin.
Nos Estados Unidos o patrão do FBI durante cerca de 50 anos (1924-1972), John Edgar Hoover, veio-se a revelar uma verdadeira fraude, após ter servido oito presidentes.
Praticamente intocável durante sua longa carreira, no final de sua vida passou a ser alvo de duras críticas por parte de vários sectores da sociedade norte-americana. Na década de 60 passou mais tempo a vigiar os telefones de congressistas e a perseguir líderes do movimento negro e comunista do que a combater criminosos de delito comum.
Chegou-se mesmo a conclusão que Hoover terá sido um dos grandes aliados da Máfia.
Por tudo quanto fica aqui dito e pelo muito mais que haveria para dizer sobre esta problemática, estamos convencidos que crises do género vão continuar a verificar-se entre nós, enquanto o “sub-sistema da bófia” não prestar contas ao país, de acordo com as exigências da própria lei.
Aos “nossos” bófias queremos desejar-lhes mais sorte no futuro e mais calma com a bola, sobretudo quando pensarem que já dominam completamente o jogo.