quinta-feira, 8 de julho de 2010
(Flashback/Julho 2001) O poder judicial está de parabéns
O Tribunal Supremo angolano acaba de marcar uns valentes pontos a favor da independência do poder judicial, num país, onde permanentemente a imparcialidade e isenção dos juízes é questionada sobretudo quando em causa estão os interesses do poder político.
Desta vez o Tribunal Supremo só pode ter deixado o poder político à beira de um forte ataque de nervos, com a decisão que tomou em relação a acção movida pela antiga reitora da Universidade Agostinho Neto, a professora Laurinda Hoygaard, contra o Ministro da Educação e Cultura, na sequência do seu afastamento da direcção da única instituição pública de ensino superior.
Laurinda Hoygaard que já entrou para a história da UAN como sendo a sua primeira reitora democraticamente eleita da instituição, viu-se há cerca de dois anos forçada a resignar do cargo, depois do Ministro da Educação a ter desautorizado em relação a vários assuntos da gestão corrente da Universidade.
Na altura a disputa chamou a atenção da opinião pública, primeiro porque se tratava de uma mulher, depois porque esta mulher decidiu publicamente discordar de um membro do Governo e assumir todas as consequências do seu gesto, o que de facto não é muito habitual no funcionamento do aparelho institucional angolano.
Laurinda Hoygaard optou pela demissão mas não desistiu de fazer valer as suas razões, numa altura em que ao nível da mais alta hierarquia política do regime tinha sido retirada à reitora todo e qualquer apoio.
Mesmo assim a demitida reitora parece ter acreditado que Angola em alguns aspectos é actualmente muito mais um estado de direito do que democrático.
Quem igualmente acreditou nesta realidade foi o próprio Tribunal Supremo que ao que parece não teve qualquer hesitação em dar provimento a acção movida pela ex-Reitora da UAN contra o ministro da Educação.
Enquanto se aguarda pelos pormenores relativos ao conteúdo do acórdão, parece ser pouco provável que Laurinda Hoygaard venha a recuperar os seus direitos como Reitora da UAN e muito menos que ela esteja interessada num tal regresso ao passado, numa altura em que já estão anunciadas as próximas eleições para o cargo.
Restar-lhe-á alguma satisfação por ter levado as suas razões até as ultimas consequências com algum sucesso, depois de ter sido praticamente crucificada pelo poder político, ela que também é militante do partido que governa Angola há mais de 25 anos.
O estado angolano sai deste episódio com uma outra imagem, sem dúvida diferente daquela que tem habitualmente.
A imagem de um país onde o poder judicial, afinal de contas, não está assim tão refém do poder político, como muitos vezes se ouve dizer.
(Julho/2001)