1-Em Outubro do ano passado estive em Washington.
Numa das crónicas que enviei de lá escrevi, nomeadamente:
“Da próxima vez que me deslocar até estas bandas George Bush já não deverá ser o Presidente, podendo muito bem no seu lugar estar uma mulher (Hillary Clinton) ou um afro-americano (Barrack Obama).
As duas hipóteses são absolutamente inéditas na história deste país, a projectar desde já uma realidade política que assusta certamente os conservadores norte-americanos da direita, do centro e da esquerda.
Em abono da verdade já não sei o que é que assusta mais estes conservadores, se é serem governados por uma mulher totalmente loira ou se é terem um presidente parcialmente negro”.
2-Cerca de um ano depois Barrack Obama deixou totalmente a mulher loira pelo caminho de uma super-disputada e renhida campanha interna e é agora o candidato dos democratas às próximas eleições presidenciais norte-americanas previstas para Novembro.
Quem diria?
Os escravocratas da América profunda (que ainda existem e são mais do que muitos) não devem estar a acreditar nem nos seus olhos, nem nos seus ouvidos.
É um verdadeiro pesadelo!
Por outras palavras o mundo prepara-se para encarar os Estados Unidos a serem governados proximamente por um “black”eloquente, o que ainda está longe de ser um facto consumado, pesem embora os largos milhares de quilómetros e de discursos já percorridos por Obama em direcção a Washington DC.
É difícil fazer uma previsão certeira, mas agora já só há mesmo duas hipóteses.
Ou MacCain ou Obama.
Que vença o melhor que é certamente o nosso candidato.
É nosso não pela cor da pele, que é igual à nossa, mas pelo brilho das ideias e pelo fulgor dos argumentos, embora também saibamos que as promessas de mudança da campanha, sobretudo em matéria de política externa, podem não passar disso mesmo, caso ele venha a ser o próximo inquilino da Casa Branca.
Campanha e governação são momentos distintos na vida de um político que quer chegar ao poder. Só mesmo quando ele lá chega é que é possível tirar a prova dos noves em relação à sua coerência e consistência.
Vamos pois ter de esperar mais algum tempo.
3-Irving Wallace no seu romance “O Homem” descreveu uma situação em que pela primeira vez os Estados Unidos eram governados por um negro.
Dá para voltar a ler este livro, numa altura em que a realidade está prestes a ultrapassar a ficção.
No seu famoso best-seller Wallace imaginou, nos anos 60, a chegada do primeiro negro (Douglas Dilman) ao poder nos Estados Unidos como resultado de uma fatalidade, isto é, na sequência da inesperada morte do Presidente eleito.
Agora Obama pode chegar ao poder como resultado da eleição por uma população que é maioritariamente branca e conservadora. De centro-direita, como diz Maccain.
Nesta altura e independentemente do resultado que possa vir a obter no embate final que se avizinha, Obama já ganhou.
A vitória de Obama é também sobre todos aqueles que, entre nós, continuam a pensar que a humanidade ainda se movimenta de acordo com os seus preconceitos, ódios e recalcamentos sendo tudo o resto tido como “atípico”.
Acontece que os “atípicos” são cada vez em maior número a pôr em causa “teorias” e “teses” que já não são capazes de convencer ninguém, para além dos seus autores e dos seus mais fiéis seguidores.
O ano passado, Obama disse uma coisa que me sensibilizou particularmente e que em muito terá contribuído para o seu extraordinário sucesso político.
Ele afirmou que se não ganhasse as eleições não seria por ser negro ou pelo facto dos Estados Unidos ainda não estarem preparados para terem um não- branco na Casa Branca.
O seu fracasso teria como explicação, sustentou, apenas o facto dele não ter sido capaz de convencer os norte-americanos com argumentos racionais a votarem nele. Apenas isso.
Obama já convenceu os democratas que são milhões.
Agora falta convencer os outros milhões numa estranha eleição onde nem sempre ganha aquele que tem mais votos populares.
A actual desgraça do mundo, que resultou da eleição de George Bush frente ao ecologista Al Gore, ficou a dever-se a este sistema, que para nós tem qualquer coisa de absurdo e surrealista.