1-Após mais de 16 anos desde que pouco mais de 4 milhões de angolanos participaram pela primeira vez num pleito eleitoral que deu uma zebra daquelas, a partir deste sábado dia 23 de Agosto apenas 13 dias nos separam da realização das segundas eleições legislativas, cerca de 33 anos depois do país ter ascendido à sua independência.
Estes números que não resultam de nenhum estudo, nem de nenhum inquérito sobre bem ou mal-estar da população, falam, contudo, e em profundidade, muito bem (mal) de um país que é o nosso.
Traçam o seu retrato fiel em breves mas muito dramáticas pinceladas que marcaram o seu quotidiano a ferro, fogo, destruição dos bens públicos, repressão política, falta de liberdade de imprensa, empobrecimento forçado da população, corrupção generalizada, enriquecimento súbito e ilícito de uma minoria, desgovernação, opacidade, abusos do poder e violações sistemáticas dos direitos humanos.
Estamos a falar de um país que em 1975 desistiu da realização daquelas que deveriam ter sido as primeiras eleições democráticas da sua história (embora circunscritas a três partidos fortemente militarizados por força de um acordo com a potencia colonial), tendo optado pela violência como solução para resolver as diferenças entre as lideranças que tinham emergido de uma atabalhoada guerra de libertação nacional, que seria salva em Lisboa pelo Movimento dos Capitães de Abril.
Eu sei que o meu amigo Kiambata não gosta muito de ouvir estas “dikas”, relacionadas com o impacto do 25 de Abril, mas de facto, não sei como contar a história de outra maneira, depois de ter ouvido todas as outras “estórias” que me foram sendo contadas aqui e acolá, enquanto aguardo, com bastante expectativa, por uma oportunidade para ler a história oficial do MPLA (até 1975) que acaba de ser publicada.
Tudo o que de errado se passou por aqui começou exactamente naquele ano de 1975, quando os angolanos em vez de votarem no seu futuro foram conduzidos, pelas suas lideranças pouco esclarecidas da época, a uma guerra fratricida.
2-Estamos em 2008 em condições substancialmente diferentes quer de 1975 quer de 1992, embora alguns traços do passado se mantenham firmes no presente a ameaçar seriamente o futuro após o 5 de Setembro.
Entre estas diferenças, a maior delas, aquela que nos deixa dormir mais tranquilamente é certamente a existência de apenas um exército nacional apartidário e republicano.
Lamentavelmente, em Cabinda as coisas ainda não estão como deveriam estar, mais de dois anos após a “rendição” de Bento Bembe e dos seus correligionários, pois continuamos a receber comunicados de guerra nos nossos e-mails, com mortes e feridos a desfilarem por entre informações difíceis de confirmar no terreno dos alegados confrontos.
O exército do crime violento tem estado a crescer e a reforçar-se, diante do pouco sucesso que as “discursivas” políticas de combate à pobreza têm exibido na base, isto é, junto das comunidades e dos guettos.
Esta “performance” levou os investigadores da Universidade Católica a voltarem este ano, no seu relatório anual sobre a economia angolana, a aconselharem (pela segunda vez) o Governo a distribuir de forma mais directa o rendimento nacional, com a adopção, nomeadamente, do modelo brasileiro da cesta básica gratuita para as famílias mais carentes.
Agradecemos é que não confundam, como já fez um diplomata angolano baseado em Nova-Yorque, esta cesta básica com aquela que é vendida nos supermercados do perdulário “regime” do PRESILD.
Este “regime” logístico faria todo o sentido se de facto se concentrasse no apoio à produção nacional, aos agricultores e camponeses com a movimentação dos seus meios rolantes, fixos e financeiros por esta Angola adentro à procura de todos os tomates, batatas e abacaxis que andam por lá a apodrecer.
A produção de alimentos em Angola bem precisa deste apoio imediato pela via da comercialização. Não é nenhum favor que o Governo presta a economia real, se de facto tivermos o mesmo entendimento sobre o conceito da sustentabilidade na economia.
Milhões e milhões já saíram dos cofres públicos em direcção a projectos que resultaram em nada, tendo o resto sobrado para os bolsos particulares de sempre que de tão abarrotados, já não sabem o que fazer com tanto dinheiro acumulado.
3-Mas voltemos ao que interessa, quando apenas 13 dias nos separam do dia D.
Garantidas que estão as condições básicas para que o pleito eleitoral decorra sem os anteriores sobressaltos, interessa-nos que os angolanos após os trinta dias de campanha votem em (sã) consciência, o que vai certamente acontecer, com as inevitáveis margens de erro que qualquer processo deste tipo carrega.
Desgraçadamente e por força de um analfabetismo herdado dos “cinco séculos”, que os mais de trinta anos de dipanda ainda não conseguiram erradicar, a população angolana continua a não ser muito famosa em disciplinas como a escrita e a leitura.
Trata-se de uma limitação que vai pesar na hora do voto, na hora de colocar o X ou o V na bandeira.
Interessa-nos que os angolanos vejam que este processo, pelas suas particularidades históricas, antes de ser um ajuste de contas com o nosso adversário político mais directo, é sobretudo um reencontro da própria nação consigo mesma, após tanta kanvuanza.
Um reencontro que a ser bem sucedido, independentemente dos resultados, vai permitir que os angolanos a partir de agora ganhem confiança em si próprios, nas instituições e nas lideranças.
Uma confiança absolutamente necessária, porque estas serão apenas as primeiras eleições de um novo e virtuoso ciclo que vai contar com mais eleições, com muitas mais eleições.
Vai haver tantas eleições de agora em diante que mesmo aquela malta do cachecol, do boné e da bandeirinha que gosta mais de votar vai ficar cansada.
Os que apenas ganharem juízo nestas eleições não desesperem nem percam a esperança de voltarem dentro de quatro anos, porque o sistema permite que tal aconteça sem qualquer tipo de batotas.
Isto quer dizer, que em democracia não há derrotados em definitivo.
Veja-se o caso do actual Presidente brasileiro, Lula da Silva, que só ganhou à quarta tentativa, sendo neste momento um dos Chefe de Estado mais populares que já governou aquele gigante latino-americano.
Os que ganharem não se esqueçam que mesmo as maiorias absolutas não são varinhas mágicas para governar com sucesso e apoio popular garantido sem outras reservas. Não se esqueçam igualmente que ganharam apenas para governar quatro anos e para cumprir as promessas milionárias que andaram a fazer durante a campanha.
Veja-se o caso do Engenheiro Sócrates e do seu governo maioritário acossado por constantes manifestações públicas de descontentamento em relação ao seu desempenho neo-liberal, com dezenas de milhares nas ruas chamando-lhe nomes muito pouco simpáticos.
A uns e outros, os vencedores e perdedores do próximo dia 5 de Setembro, queremos desejar muito juízo que é o que tem faltado a este país.
Mas o grande problema destas eleições é se houver mesmo um empate técnico, que ainda é um cenário perfeitamente admissível nesta altura.
Aí é que a porca vai torcer o rabo…