Sim, somos nós mesmos, os contínuos ou os rapazes, como eles também gostavam (e continuam a gostar) de nos chamar, que fomos entrando a conta-gotas e escurecendo progressivamente as redacções que, entretanto, iam ficando desertas, porque eles, os “senhores jornalistas”, tinham decidido regressar à procedência.
Isto aconteceu há mais de 30 anos quando tudo isto começou a mudar e eles, os “senhores jornalistas”, também começaram a fazer as malas e os caixotes para bazar, porque começaram a ficar com medo do caos que vinha das matas na ponta dos fuzis libertadores dos manos kambutas.
Os primeiros, a maioria, foram antes da dipanda transformados em coléricos retornados.
Os outros que foram pouco tempo depois, antes do 27 de 77, travestidos já em vítimas de uma suposta revolução traída, acabaram por seguir o mesmo caminho de regresso ou de ruptura com uma Angola que tinha deixado de ser aquela com a qual tinham sonhando quando fizeram a quarta classe no Negaje.
Um deles, que é proveniente não se sabe bem de que santa terrinha que até hoje esconde na sua biografia, tem-se destacado nos últimos tempos com a publicação no oficioso matutino de textos patéticos onde tenta vender aos seus novos patrões, sabe-se lá a que preço, a imagem de uma angolanidade reforçada com propósitos evidentes no âmbito dos seus conhecidos malabarismos.
Todos, como é evidente, tinham o direito de regressar ou de ir procurar noutras paragens do continente, como no paraísos do apartheid mais sul do rio Cunene, a estabilidade e a segurança que de facto e de jure começava a faltar por estas bandas onde a liberdade, a revolução e a guerra civil com uma forte componente externa, assentaram arraiais e fizeram as “pazes”.
Não se veja, por conseguinte, nestas linhas passadistas qualquer crítica ou reparo menos positivo a quem decidiu naquela época partir à procura do que começava a faltar por aqui.
O resto da história que só terminou em 2002 já toda a gente conhece, pois foi contada dia após dia nos jornais, nas rádios e nas televisões pelos contínuos e os rapazes que ficaram e aqui continuam até hoje.
O direito de viver onde bem entendermos ou de procurarmos refugio/asilo onde for possível (e nos for concedido) já faz parte da cartilha universal dos direitos humanos, com todas as excepções que conhecemos por este mundo afora.
Não criticamos, pois, ninguém que partiu ou que foi desta para melhor, mas já não podemos aceitar, de forma alguma, que sejamos condenados por termos ficado na nossa própria terra e por termos abraçado o jornalismo como profissão, sem termos que pedir a autorização aos “senhores” que se foram embora.
Mais difícil de aturar, é que um destes antigos retornados que tem agora o estatuto de regressado, nos venha aqui, mais de 30 anos depois, insultar ou tentar diminuir, com inconsistentes, inverídicas e desonestas referências que têm a agravante de serem profundamente racistas, considerando o valor que (não) era dado a figura do contínuo no dicionário colonial.
Afinal de contas, onde é que está o grande fracasso humano do contínuo para ser tão subestimado e achincalhado como acaba de ser, de forma algo contraditória, na “história de grande sucesso” dada a estampa pelo Jornal de Angola?
Em nome da dignidade de uma classe que nasceu do nada, a partir de voluntariosos jovens angolanos, que não tinham licenciaturas da Sorbonne, mas que tinham muita vontade de aprender a escrever um país diferente, aqui estamos, 30 anos depois, no mesmo sítio, nas mesmas redacções que os “senhores jornalistas” abandonaram convencidos na altura que os contínuos ou os rapazes jamais conseguiriam substituí-los.
Das nossas redacções saiu, entretanto, muito boa gente, muito bom contínuo, muito bom rapaz, que hoje dirige este país ao mais alto nível da sua hierarquia. Do poder político ao poder económico.
Se os contínuos ou os rapazes da época substituíram bem os “senhores jornalistas” do passado, é uma questão para ser discutida noutra altura, com algumas certezas antecipadas, com base nos percursos que os tais “senhores” seguiram no seu regresso, onde hoje nem sequer são considerados cadáveres. Deixaram pura e simplesmente de existir como referências.
Agora que os contínuos e os rapazes os substituíram de facto, de jure e definitivamente já não há qualquer dúvida, sendo o jornalismo angolano que se faz actualmente nos “pasquins”, nos “megafones” ou nos “carros de fumo” a melhor prova desta inequívoca realidade que só nos pode orgulhar.
Em nome da dignidade desta classe, aqui estamos para recusar, uma vez mais, lições de pacotilha de esclerosados “professores” que passam a vida a blasfemar dando toda a razão ao que o Zidane fez no Mundial da Alemanha.
Transformar uma inocente vírgula (mal) colocada entre o sujeito e o predicado, no pecado maior do jornalismo mundial, para depois fazer dele arma de arremesso constante contra um projecto editorial angolano que já é efectivamente uma referência no nosso panorama, ilustra bem a dimensão ética e os maus fígados do cruzado europeu.
Ilustra igualmente os seus propósitos destrutivos contra o pluralismo mediático e muito particularmente contra os contínuos e os rapazes que souberam dar corpo e consistência à imprensa privada angolana que hoje está aí como mais uma sólida instituição da nossa democracia.
Quer ele goste, quer não.
São propósitos que sempre vão servindo algumas causas locais míopes, ao serviço das quais o cruzado barbudo tem sabido colocar os seus dotes artísticos e a sua espada afiada de adjectivos numa trajectória de violências encobertas e abertas iniciada ainda durante o consulado de Marcolino Moco.
Entre estas violências está, certamente, a sua passagem pela patrulha do JA na sua segunda fase, quando, pelos vocábulos utilizados, se percebeu que os novos patrulheiros de serviço já não eram da banda, estavam a ser contratados em terras lusas.
Só é de lamentar que o tal cruzado tenha sido, uma vez mais, contratado por compatriotas nossos e com a utilização de dinheiros públicos, embora tenhamos recebido da parte de alguns deles (dos contratantes) sinais de saturação em relação ao seu feitio que o próprio reconhece alegremente como sendo mau.
Mau é, obviamente, um grande favor que não nos atrevemos a fazer-lhe.