segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Angola já tem a sua capital da censura

A última edição (03/02/2012) do semanário "ACapital" dirigido por Tandala Francisco não chegou às mãos dos leitores, porque a administração da MEDIVISION SA, nova proprietária do jornal fundado pelo Américo Gonçalves, decidiu que a mesma não tinha "qualidade" para ser consumida pelo público. Na origem de mais esta grave violação da Constituição está um dossier elaborado pelo semanário sobre a última remodelação de JES, com base na avaliação feita por vários jornalistas e analistas. Eu fui um deles, tendo para o efeito respondido ao seguinte questionário:

1. Há tendência da Sonangolização do Governo, ou seja, uma boa parte dos Ministros de proa do Actual Executivo passaram pela Sonangol. O que lhe parece esse critério? Será que há um défice de quadros no seio do MPLA noutras esferas de actividade?
Reginaldo Silva (RS)- Numa primeira avaliação e sem dispor de outros elementos mais estatísticos, percebe-se que JES sempre teve na Sonangol a sua reserva estratégica de quadros, o que não passa necessariamente pela sua presença maioritária no Executivo em cargos ministeriais.
No actual Executivo e para além do novo Ministro de Estado e da Coordenação Económica, Manuel Vicente, provenientes da Sonangol temos apenas o Ministro da Construção e Urbanismo, Fernando da Fonseca.
Os outros dois, da Geologia e Industria (Joaquim David) e dos Petróleos (Botelho de Vasconcelos) já tinham deixado a petrolífera há vários anos, não devendo por isso figurar nesta contabilidade.
A denominada “sonangolização” do governo/país tem outras nuances menos visíveis, mas não menos importantes e estruturantes, que tem passado pela transferência para a gestão da petrolífera nacional de outros sectores de actividade que não têm nada a ver com o seu “core business” original, como são os recentes investimentos públicos feitos na indústria (zona económica especial do Icolo e Bengo) e do imobiliário (novas centralidades).
O destaque desta “sonangolização” vai, entretanto, para a transformação da empresa numa espécie de fundo soberano, sendo esta intervenção da Sonangol virada para o exterior do país, onde os biliões do erário público têm vindo a ser movimentados em condições/critérios desconhecidos da esmagadora maioria dos angolanos, o que tem alimentado as mais diferentes especulações sobre o seu real paradeiro.
A exigência da transparência só agora, com o acordo Stand By assinado com o FMI, começou a produzir os seus primeiros, mas ainda muito tímidos resultados. Ainda só se está a ver a ponta do iceberg.
2 . A indicação de Manuel Vicente para o cargo de Ministro de Estado para Coordenação Económica, numa altura em que existem Ministros da Economia e das Finanças não cria um "engarrafamento" de competências para um e um vazio de competências para outros outros? Ou, no contexto actual há necessidade para tal?
RS- A indicação de Manuel Vicente (MV) para este cargo, parece corresponder mais a agenda política pessoal de JES, do que a outras motivações, embora ela, aparentemente, esteja, de acordo com a justificação oficial, relacionada com a necessidade de imprimir uma nova dinâmica ao funcionamento do Executivo. Cansado de ouvir falar em novas dinâmicas neste país já nem reparo no pormenor.
Como se sabe este cargo de Ministro de Estado e da Coordenação Económica, não é tão novo quanto isso, tendo sido extinto a não muito tempo, depois do seu anterior titular, Manuel Nunes Junior, ter sido demitido para ser atirado para uma outra “prateleira”, em mais uma movimentação que poucos entenderam.
JES tem finalmente o Executivo com que sempre sonhou?
Não me atrevo a responder a esta questão, porque já desisti de fazer alguma futurologia em torno dos seus "insondáveis desígnios".
O que é facto é que MV entrou finalmente na alta-roda da política angolana, onde sempre esteve, embora de forma pouco "institucionalizada", mesmo depois de ter franqueado as portas do BP do MPLA.
Nos poucos meses que já nos restam para a realização das próximas eleições gerais e enquanto se aguarda pela aprovação da lista do MPLA, com as atenções voltadas para a indicação do nº2, MV vai fazer um rápido tirocínio no cargo de "primeiro-ministro em exercício para todos os efeitos", deixado vago por Carlos Feijó.
A Sonangol deixará de ter o poder anterior, que sairá com MV para o Fundo Petrolífero e para a eventual criação de uma agência concessionária do petróleo angolano.
Estas instituições passarão a funcionar na esfera da nova coordenação económica ora criada para acomodar este “salto de cavalo” de Manuel Vicente em direcção ao futuro, que só pode ter a ver com o futuro do próprio país, com ou sem JES.
No Executivo as remodelações/reestruturações/adaptações/ já não me merecem grande atenção, pois acho que nada é definitivo, tudo é instrumental, não adiantando por isso estar aqui a tentar ver qualquer pensamento mais estratégico do ponto de vista da resolução dos reais problemas (estruturais) com que o país está confrontado.
O que hoje parece ser definitivo, amanhã pode já ter sido atirado para o caixote do lixo.
3. Há ou não há diminuição de funções a Carlos Feijó, com o surgimento de Manuel Vicente?RS- Claramente Carlos Feijó desaparece de cena onde foi até agora a “estrela mais brilhante da companhia”, sendo da sua autoria, ao que julgo saber, o modelo do novo Executivo que entrou em funções com a nova Constituição.
As razões deste prematuro ocaso estão a ser objecto das mais diferentes especulações, sendo mais ou menos claro que ele vai voltar a fazer mais uma travessia pelo deserto, caso não se venha a demitir.
A colocação de CF, enquanto Chefe da Casa Civil do Presidente da República, a “controlar” o Vice-Presidente é que é, quanto a mim, a mais surpreendente do ponto de vista institucional.
Tendo a função de Vice-Presidente da República respaldo e dignidade constitucional, fica difícil de perceber a razão que leva JES a fazer deslocar CF para as proximidades do gabinete de Nandó, que já está preenchido com os auxiliares que ele precisa para desempenhar as suas funções na área social.
4. No caso específico de Luanda, existe uma comissão administrativa e existe o governo provincial. Isso, no vosso entender, não vai criar um "choque" na atribuição e assunção de tarefas?
RS- O governo, com base na nova lei da divisão administrativa e, acho, na perspectiva já da consagração do poder local com a prevista (?!) realização das eleições autárquicas, está a ensaiar em Luanda este modelo que passará pela coabitação ao nível das províncias entre um representante do poder central e a gestão descentralizada ao nível municipal.
Os choques institucionais em Angola são a regra, mesmo quando as coisas já estão suficientemente clarificadas, o que não é, certamente, o caso de Luanda com esta novel divisão administrativa.
Em Luanda e tendo até em conta os perfis dos novos titulares, com destaque para Bento Bento e do General Tavares, esta coabitação dificilmente será pacífica, pelo que, admito, as coisas vão-se complicar nos próximos tempos.