quarta-feira, 25 de julho de 2012

Um bairro muito especial...


 Em Luanda há um bairro muito especial para mim por razões que todos entenderão facilmente, pois foi lá onde praticamente nasci, cresci e recebi as contribuições mais importantes que estão na base do meu património ético que conservo até aos dias de hoje.
Trata-se de um “legado” que foi forjado no quadro de um extraordinário/muito interessante processo de socialização, tendo em conta as características especiais daquela que foi a minha primeira comunidade e a época histórica que então se vivia.
Estou a falar do Bairro Económico Dr. Manuel Figueira. O nosso “Bairro Cuba”. O dito cujo está localizado na extensa, emblemática e histórica Vila-Alice, onde foi construído em meados da década de 50.
O modelo das casas que o compõem pode ser encontrado noutros bairros de Luanda mas não só. Em várias cidades angolanas que eu já visitei encontram-se bairros do género com casas iguais às nossas.
Básicamente são três quartos de dormir. Uma sala de jantar e uma sala de estar. Uma dispensa e uma cozinha. Duas casas de banho e dois quintais, um deles, o da parte da frente, com uma refrescante varanda.
É o modelo da casa económica que Portugal colonial projectou e adoptou para implementar parte da sua política de habitação social em Angola, com que foi resolvendo sobretudo as necessidades dos seus funcionários públicos, tendo por base a renda resolúvel.
Surgiram depois modelos mais modestos como as casas do Cassequel e de outros bairros chamados de realojamento, que foram absorvendo as populações que viviam nas zonas de Luanda mais apetecíveis para os interesses do negócio imobiliário.
De uma coisa me lembro dessa época. Nunca houve desalojamento sem estar garantido o realojamento.
Devo confessar que em termos de qualidade mesmo estes modelos mais modestos são bastante superiores aos seus congéneres actuais dos panguilas e dos zangús e por aí adiante, custando-nos por vezes perceber, em nome da dignidade das pessoas, algumas das opções que têm vindo a ser tomadas.
O meu bairro tem de facto uma história muito gira e muito construtiva do ponto de vista das relações humanas que soube edificar, tendo por pano de fundo a dominação colonial portuguesa com todos os seus conflitos abertos e velados que marcaram os primeiros 14 anos da sua existência, até ao 25 de Abril de 1974.
O bairro era um verdadeiro caldeirão racial, social e político, onde era possível encontrar de tudo um pouco, desde portugueses brancos e racistas passando pelos jovens nacionalistas que já tinham uma célula clandestina do MPLA montada, até angolanos que supostamente seriam colaboradores discretos da PIDE, vulgo bufos.
Alimentou-se durante bastante tempo a ideia de que na capital angolana a resistência à ocupação colonialista foi feita apenas nas suas zonas mais suburbanas, nos chamados musseques, em bairros como o Sambizanga, o Marçal e o Rangel.
Não é verdade que apenas aquelas zonas tenham sido palco de acções organizadas de luta contra a presença colonial portuguesa.
No “asfalto” também havia vários “ninhos” de resistência, estando um deles, possivelmente um dos mais importantes, localizado no meu bairro que seria posteriormente arrasado pela PIDE/DGS com a prisão de todos os seus integrantes.
Do ponto de vista mediático parece-me ser interessante nesta altura destacar que o meu bairro tem prestado uma colaboração muito expressiva à governação deste país, desde que Portugal deixou de mandar em nós e o “Eme” assumiu as rédeas do poder já lá vão mais de 37 anos, ao que parece com a promessa de não mais as largar.
Passarei seguidamente a mencionar alguns nomes que a minha memória conseguiu juntar para ilustrar esta participação das pessoas com quem cresci, na governação do país aos mais diferentes níveis e nas várias épocas que a história do pós-independência tem conhecido.
Assim e de forma aleatória, entre os que estão e os que já passaram pelo poder, cito os nomes do Tininho(Aldemiro), Toninho Van-duném, Rui Mangueira, Exalgina Gamboa, o Gustavo Conceição, o Tany Narciso, Nanducho (Mussolo).
Por razões factuais considero que a Vila-Alice tem uma relação muito estreita/determinante com a história recente deste país, pois foi no seu território onde o MPLA criou o seu primeiro quartel-general na Rua João de Almeida, após o 25 de Abril de 74 e onde a República Popular foi proclamada, a 11 de Novembro de 75 por Agostinho Neto.
Muitos outros factos poderiam ser aqui chamados a colação para ilustrar melhor esta importância que eu por minha conta e risco atribuo a Vila-Alice no contexto nacional.
(Este texto foi publicado na última edição da "Revista Vida" do semanário "O País")